Recursos genéticos marinhos: importância de pesquisar e proteger

Por Samaira Siqueira Santos*

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  • Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2018 às 18:30

- Atualizado há um ano

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O Brasil possui grande extensão territorial em sua costa marinha. Trata-se de uma extensão atlântica que se projeta para além do litoral e das ilhas oceânicas, repleta de riquezas minerais e biológicas espalhadas por mais de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, também conhecida como “Amazônia Azul”. Esta, além de contribuir para o equilíbrio do clima, transporte marítimo, também abriga extensa biodiversidade.

Cumpre, no século XXI, internalizar a ideia de que o mar territorial pertence ao nosso País e que promover o uso sustentável de seus recursos naturais é essencial para o desenvolvimento  econômico e social. Logo, nos cabe refletir em que medida é estratégico para o país preservar a sua biodiversidade marinha. A Baía de Todos os Santos, berço da civilização brasileira, foi declarada como Capital da Amazônia Azul, atraindo debates internacionais sobre a economia do mar.

Ao longo da história a relação entre o homem e o seu meio, foi item de fundamental importância na chamada luta pela sobrevivência. De uma forma ou de outra, todas as espécies impactam o ambiente, contudo, o Homem fez crescer paulatinamente este impacto. Atualmente, com o desenvolvimento da ciência e a consequente evolução tecnológica, há a possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre os oceanos e revelar a diversidade biológica, o potencial biotecnológico e energético contido nos recursos genéticos encontrados no fundo do mar.

A periculosidade desta relação, tanto para o Homem quanto para a natureza, gerou a necessidade de se estabelecerem regras para disciplinar a maneira através da qual a espécie humana interage com seu habitat natural. Tornou-se necessário preservar o direito de todos à natureza equilibrada, regulamentando para o uso correto dos seus recursos por parte de todos os habitantes do planeta.

O desaparecimento contínuo de espécies em decorrência da extinção de seus habitats naturais, bem como a escassez das fontes tradicionais de energias, a exemplo do petróleo, vem estimulando a reflexão sobre o desenvolvimento de formas alternativas que possam conduzir a outra racionalidade, a uma nova forma de pensar a utilização dos recursos naturais.

Historicamente, o uso dos recursos do mar relaciona-se às atividades pesqueiras e de exploração de óleo e gás, à maricultura, ao turismo e ao lazer. Outros usos dos recursos do mar são ainda potenciais, como a exploração mineral em águas profundas e a utilização racional do potencial biotecnológico da biodiversidade marinha, a bioprospecção.

É no meio ambiente e na diversidade de formas de vida que esse espaço oferece que podem ser encontradas alternativas e soluções as quais conduzirão ao desenvolvimento de respostas na relação Homem e natureza. Melo (2015) considera que no novo paradigma sustentável, a “vida”, traduzida no prefixo de origem grega “bio”, passa a funcionar como uma espécie de adjetivador para novos debates e meios de propor respostas: bioengenharia, bioarquitetura, bioenergia, bioconhecimento.

A biotecnologia é um exemplo de desenvolvimento tecnológico baseado em materiais biológicos. Tem contribuído para gerar novos serviços de alto impacto em diversos segmentos industriais, com implicações na área da saúde, onde assistimos a uma verdadeira revolução no tratamento de doenças e no uso de novos medicamentos para humanos, dentre outras áreas. A área da saúde é estratégica por apresentar um denso e articulado conjunto de oportunidades que podem combinar, a um só tempo, desenvolvimento científico, tecnológico, social e econômico.

Uma descoberta que se destaca são novas moléculas de derivados sintéticos da espongouridina e da espongotimidina (Ara-A – adenina-arabinosídeo – e AraC – citosina-arabinosídeo),  substâncias isoladas de esponjas marinhas nos anos 50, as quais foram precursoras para o desenvolvimento de inúmeros antivirais como o AZT, remédio básico no tratamento da Aids.

Quando entendemos a biotecnologia na área da saúde, levando em conta toda sua abrangência, devemos obrigatoriamente considerar os métodos científicos e procedimentos  biotecnológicos especiais, particularmente aqueles relacionados com a biologia celular e molecular, bioquímica, fitoquímica, fitofarmacologia, taxonomia clássica e bioquímica, micologia, bacteriologia, botânica, fisiologia de plantas e etnobotânica.

Melo (2015) ressalta que o problema da pesquisa envolvendo a biodiversidade no Brasil diz respeito menos à falta de incentivo, matéria-prima, fontes ou recursos, e mais aos elementos jurídicos que se colocam em direção contrária à exploração sustentável dos recursos, caracterizando-se de forma divergente quando comparado a outros documentos legais e internacionais que regulamentam a pesquisa e acesso aos recursos naturais.

A ciência é colocada a meio caminho, entre o desenvolvimento de produtos e serviços que beneficiarão a “população” e o crescimento econômico-financeiro de instituições específicas. A “população” nesse jogo rumo ao desenvolvimento é um sujeito oculto e indeterminado, ao passo que o desenvolvimento é incerto: quem se desenvolve e às custas de quem?

É de fundamental importância que os recursos marinhos sejam preservados, para que seu potencial seja explorado através de pesquisa científica, de forma que os resultados obtidos através desta seja valorado. Quando um recurso marinho é usado como matéria prima de um medicamento, por exemplo, podemos de alguma maneira precificar o valor daquele bem natural, de forma a contribuir para a monetização da economia do mar e reforçar a necessidade de sua conservação e preservação.

* É advogada, mestre e doutoranda em Propriedade Intelectual e Inovação na Academia de Pós Graduação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Sócia da empresa Lummiê Propriedade Intelectual. [email protected]