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Ataques de cachorros a rebanhos deixam prejuízo de mais de R$ 70 milhões na Bahia

Somente de janeiro para cá, foram mais de dois mil animais mortos por caninos sozinhos ou em matilhas; estado terá programa de manejo de cães e gatos

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 05:00

Mais de dois mil animais mortos já foram contabilizados este ano pela Seagri
Mais de dois mil animais mortos já foram contabilizados este ano pela Seagri Crédito: Reprodução

As imagens são fortes: bodes, cabras, ovelhas, galinhas e até bezerros feridos, com órgãos vitais expostos, ou já sem vida. Em dezenas de cidades baianas, ataques isolados de cães ou mesmo de matilhas têm dizimado rebanhos, provocado prejuízos milionários e até forçado produtores a interromper a criação de seus animais.

Em um dos muitos vídeos que registram os episódios, um produtor rural de Serrinha faz um apelo desesperado, mostrando uma vaca, ferida na região da cabeça. "Vamos recolher nossos bichos e ver o que vamos fazer, porque olha a situação que está essa novilha. Toda lascada de dente de cachorro. Os cachorros não têm dono, são da rua", diz o homem.

“É assustador", diz o prefeito de Capim Grosso, Sivaldo Rios, que é presidente da Federação dos Consórcios Públicos da Bahia (FEC), uma das entidades que têm participado do monitoramento desses ataques. Desde fevereiro, eles têm contabilizado os casos. “A gente tem uma estimativa de quase R$ 70 milhões só no território do Jacuípe, nos últimos cinco anos. Hoje, com as redes sociais, quando acontece, as pessoas começam a mandar os vídeos. Tem cada situação que eles ficam sem ação", diz.

De janeiro a 4 de setembro, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (Seagri) contabilizou 2.018 animais mortos por ataques de cães no estado - a maioria deles de caprinos e ovinos. Os maiores contingentes foram nos municípios de Cansanção, Ipirá e Monte Santo, com 301, 222 e 147 vítimas fatais, respectivamente.

“Começamos a ouvir alguns relatos de ataques de cães a rebanhos e eles começaram a se intensificar. Lá na Seagri, a gente não tinha recebido qualquer pedido de ajuda, mas houve uma reunião na Assembleia Legislativa e, assim, a gente percebeu que o número já estava maior do que a gente imaginava”, conta a assessora técnica do gabinete da pasta, Waleska Viana.

Diante desse cenário, a partir deste mês, 36 municípios da região do semiárido (especificamente os territórios da Bacia do Jacuípe e do Sisal) passaram a fazer parte do programa de controle populacional de cães da Bahia. As medidas devem ser dedicadas à proteção do bem-estar animal e dos rebanhos.

“A superpopulação de cães é um problema muito comum. Não é só nosso, mas alguns estados já estão à frente (nas estratégias de manejo)”, diz a médica veterinária Lívia Peralva, secretária-geral do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA) e atuante tanto nas áreas de clínica de cães e gatos quanto na saúde pública.

Mais de dois mil animais mortos já foram contabilizados este ano pela Seagri
Mais de dois mil animais mortos já foram contabilizados este ano pela Seagri Crédito: Reprodução

Perdas

Inicialmente, não havia número de prejuízos ou de ataques, mas técnicos da Seagri começaram fazer questionários com secretários de agricultura dos municípios, com apoio do Fórum de Gestores Municipais da Agricultura.

“Cada secretário começou a fazer pesquisas em seus municípios e a entrar em contato com os produtores. Eles descobriram que cada ataque tinha perda de 10, 12, às vezes até mais animais. São números muito significativos para pessoas que são, em grande parte, da agricultura familiar e que têm um plantel pequeno. Isso gerava um impacto imediato na diminuição do plantel", explica Waleska Viana, assessora técnica da Seagri.

Desde maio, é possível registrar os ataques na Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), seja no escritório local ou no próprio site. Ainda que o foco principal do órgão seja proteger o rebanho de doenças e pragas, a avaliação dos gestores foi de que era o melhor canal para registrar e acompanhar essas ocorrências.

A responsabilidade quanto ao manejo ético de cães e gatos é dos municípios, mas nem todos têm serviços estruturados para isso. Em Capim Grosso, o prefeito Sivaldo Rios conta que as castrações começaram há três anos.

Ainda assim, entre os 15 municípios do consórcio da Bacia do Jacuípe, a situação ainda é considerada alarmante. “Além do prejuízo financeiro, tem aquele impacto do criador que, mesmo que crie para consumir, faz isso com carinho. Ele se assusta até por ver as criações sendo atacadas, com muitas feridas, e não quer mais continuar. Isso tem elevado o preço do ovino e do caprino aqui na região. Daqui a pouco, ninguém mais vai querer criar, além dos grandes produtores, que vão criar confinados. O quilo do carneiro vai virar artigo de luxo”, enfatiza. Lá, o quilo do caprino tem custado, em média, R$ 30 - antes, ficava entre R$ 10 e R$ 12.

O presidente da FEC diz que é difícil saber o prejuízo total no estado, já que outras localidades passam pelo problema, mas já calculam perdas de R$70 milhões em cinco anos, apenas no território do Jacuípe. “Acreditamos que 65% dos rebanhos tenham sido afetados por cães, nos municípios da Bacia do Jacuípe. Essa é uma média, mas a do Sisal pode ser ainda maior”.

Manejo

O programa de manejo de cães e gatos da Bahia pretende promover 10 mil cirurgias de castração em seis meses, vacinação preventiva, identificação por microchip e campanhas educativas sobre guarda responsável, entre outubro deste ano e março de 2026. Haverá parcerias com clínicas credenciadas para o mutirão, mas dois castramóveis devem percorrer os municípios que serão atendidos. Ao todo, serão R$5 milhões destinados aos municípios envolvidos.

Serão contempladas as cidades de: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano, Valente, Baixa Grande, Capela do Alto Alegre, Capim Grosso, Gavião, Ipirá, Mairi, Nova Fátima, Pé de Serra, Pintadas, Quixabeira, Riachão do Jacuípe, São José do Jacuípe, Serra Preta, Serrolândia, Várzea da Roça e Várzea do Poço.

De acordo com a assessora técnica da Seagri, Waleska Viana, outros oito territórios já foram mapeados para ampliar o programa, a exemplo da Chapada Diamantina, o Sudoeste baiano e o Vale do São Francisco.

“Tem ataques isolados, mas a gente viu registros de vídeos de ataques de matilhas, que são mais agressivos. Por isso, é tão importante fazer esse manejo populacional, porque existem animais que, após o abandono, se unem em matilhas e passam a viver de forma independente”.

O manejo deve ser feito pelos consórcios de municípios a partir de diretrizes do programa. Ainda segundo Waleska, há uma meta de castrar 70% das fêmeas, mas também estão previstas esterilizações de animais de médio porte com potencial maior de ataque. O programa inclui tanto cães da zona rural quanto das áreas urbanas.

“Essa é uma necessidade porque provoca perdas na agropecuária. Tudo isso ainda está subestimado, porque nem todas as pessoas que sofreram ataques registraram”.

Crescimento

Os ataques a rebanhos têm sido associados à superpopulação de cães nesses municípios. Nesse contexto, um dos principais motivos é a guarda não responsável de cachorros e gatos. Segundo a médica veterinária Lívia Peralva, do CRMV, os responsáveis por esses animais, por vezes, não restringem gestações indesejadas e podem estar envolvidos em situações de abandono (que, por sua vez, configuram maus tratos).

“Outro ponto é que, em alguns lugares, ainda faltam políticas públicas eficientes de manejo da população, porque a gente não fala só de castração, mas identificação, microchipagem e ações educativas”, explica Lívia.

Em muitas das situações em que os cachorros atacam os rebanhos, não é para se alimentar. Assim, não necessariamente os animais são mortos durante o ataque (ainda que venham a morrer depois, pelas feridas).

“Tem a questão do instinto predatório, que mesmo animais domesticados mantêm esse comportamento herdado. Eles formam matilhas e têm a questão da defesa territorial”, diz a médica veterinária. “Muitos são possivelmente animais semidomiciliados, com falha na guarda responsável e acesso à rua. Uma coisa importante desmistificar é que não são animais passando fome. Eles predam por comportamento de predação ou diversão”.

Além do aspecto econômico com os rebanhos, há outros desdobramentos, porque os cães podem atacar também animais silvestres. “Tem um impacto para o meio ambiente. E quando se fala em formação de matilhas, com animais que querem, com essa formação, defender um território, podem ter agressões direcionadas a crianças, idosos e pessoas na fase adulta”.

Atualmente, há um projeto de lei na Alba para instituir o programa estadual de controle populacional de cães e gatos. No âmbito federal, foram lançados este ano o Sinpatinhas, programa para o registro unificado e gratuito de animais, e o Propatinhas, que é para o manejo e proteção de cães e gatos.