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Linda Bezerra
Donaldson Gomes
Publicado em 16 de novembro de 2025 às 05:00
Roberta Godoy cresceu observando a resiliência de quem empreende, aprendeu com o esporte a lidar com derrotas e vitórias, e descobriu que sua voz poderia ir além do próprio sucesso. Hoje, como a primeira mulher a ocupar a cadeira de CEO em uma empresa do setor de telecomunicações, ela não fala apenas de tecnologia — fala de gente. De propósito, de vulnerabilidade, de coragem e de como cada salto profissional foi dado antes de se sentir totalmente preparada. Nesta conversa, ela revela como essa mistura de disciplina, fé e ambição impacta sua liderança e molda o futuro da Claro no atendimento às pequenas e médias empresas (PMEs).>
Quem é >
Roberta Godoy é paulistana, formada em Ciências Contábeis, pós-graduada em Administração Contábil e Financeira, e MBA em Gestão Empresarial. Foi atleta e é formada em teatro. Começou a trabalhar com 17 anos. Iniciou sua carreira na área financeira, mas foi em negócios, na área comercial, que encontrou a sua vocação: encantar clientes. Tem 27 anos de carreira na área de negócios, a maior parte dedicados ao mercado de telecomunicações. Como Diretora Comercial e de Comunicação ajudou a construir o case NET. Com a integração da NET com a Claro e Embratel, ajudou a construir a nova fase da Claro, como Diretora do Claro empresas (segmento PME). >
Você é a primeira mulher a ocupar o cargo de CEO numa empresa de telecomunicações. Como foi a sua caminhada? >
Teve um pouco de tudo, não dá para ser tão negativa e dizer que todos os momentos foram de superação, mas houve situações em que precisei reafirmar a crença em mim mesma, acreditar que eu estava fazendo as as escolhas corretas e ir adiante. Em muitos momentos, as coisas que aconteciam eram mais na linha de fazer desistir do que impulsionar. Uma coisa muito legal, e eu sempre falo para os meus liderados, para prestar atenção nas pessoas que te rodeiam, porque todo mundo tem alguma chance de te ajudar. Nem falo para se preocupar com quem não vai ajudar, tenta entender o que cada um pode fazer para ajudar. Eu tive muita gente que me ajudou, me impulsionou, pegou na minha mão e me puxou, que acreditou em mim em momentos onde eu não tinha tanto repertório. Nos momentos em que eu fui promovida, eu posso te dizer, que eu não estava 100% preparada. Mas, eu aceitei, eu me joguei e alguém confiou. Foi uma jornada de muitas versões, a Roberta que está aqui hoje não tem absolutamente nada a ver com a que começou há 30 anos. Também não vai ser a mesma que vai voltar a falar com vocês daqui 5 anos. Eu tô em construção. Uma coisa que eu acho que é muito importante dizer é que chegar na posição de CEO é maravilhoso, mas o mais importante agora é como eu me mantenho. Eu virei uma referência. Eu tenho que honrar esse título e principalmente abrir espaço para muitas outras ocuparem. >
Existe alguma barreira para as mulheres no mercado de tecnologia?>
Eu acho que é a dificuldade mesmo do preconceito em relação à mulher. Mas também acho que nós mulheres temos uma coisa de colocar uma régua muito alta. Nós mesmas nos impomos uma dificuldade e os homens encaram isso de uma outra forma. Às vezes eles nem estão tão preparados, mas vão. E a gente muitas vezes quer gabaritar em 100%. Como o mercado de tecnologia é muito masculino, você tem aquela necessidade de ser muito boa. Talvez a gente, em algum momento, tenha uma uma síndrome de impostora. Mas eu lido com muitas empresas de tecnologia, e vejo cada vez mulheres em posições de comando, trazendo projetos muito interessantes, disruptivos, desenvolvendo produtos incríveis. Percebo um movimento positivo e isso me dá uma alegria enorme. >
Qual é o segredo da gestão, é saber a técnica ou gerir pessoas?>
É claro que as hard skill (habilidades técnicas) são importantes. Hoje, depois de 30 anos nessa estrada, com 25 anos de telecom, eu posso dizer que conheço um pouquinho desse mercado, apesar de saber que ele se transforma e que jamais vamos poder dizer que sabemos tudo. Mas para mim o grande segredo está nas soft skills, está em como é que você consegue engajar. Cada vez mais as pessoas estão movidas por propósito. É preciso saber montar boas equipes. Então, para mim liderança é muito sobre gente, sobre decodificar pessoas, compreender. E aí isso depois você também transfere para o para o cliente. Como é que eu vou conquistar a cliente se eu não gostar de gente e não tiver interesse em decodificar o que as pessoas sentem, o que elas estão buscando? >
Quais foram as transformações mais significativas que você acompanhou?>
Como tenho tenho muitos anos, eu vi de tudo acontecer. Eu comecei minha jornada na antiga NET. Quando eu cheguei, a NET já era líder de TV por assinatura, mas tinha uma base mínima de banda larga, não tinha telefone fixo, era TV. A partir dali, eu vi esse mercado se transformar. Eu vivi essa coisa toda do crescimento da banda larga, desde a discada e a de 128 KBPS. Tem um monte de gente que vai ver essa nossa conversa e falar: ‘Mas o que é isso?’. Teve, né, internet discada. Eu lembro de quando lancei a primeira campanha da NET falando de 1 MB, que nós fomos a primeira empresa no Brasil a oferecer isso. Hoje a gente está falando de giga. Eu vi tudo, tecnologias de celular, 2G, 3G, o 4G e agora a gente tá experimentando o 5G. Vi os produtos se combinarem. Outros negócios foram aparecendo, outros setores foram desruptando em função da tecnologia, da digitalização. Hoje está tudo pavimentado. Na Claro, estamos vivendo uma super transformação. Eu vou falar do mercado de PME, que acho que fica muito fácil de vocês compreenderem. Eu quero sim ser a conectividade e a mobilidade nesse mercado. Mas eu tenho plena consciência que não é só nisso que eu vou me diferenciar. O que que acontece? Há até pouco tempo atrás uma série de soluções que estão disponíveis para as PMEs só eram possíveis para grandes empresas. Quando a gente falava de CRM, ERP, cyber segurança, você estava falando de tecnologias complexas, caras que você comprava de vendors externos para implementar a um custo razoável e que só grandes corporações tinham acesso. >
Muitas vezes você precisava ter setores dedicados para cada uma dessas ferramentas.>
Não era para pequenas e médias. E o que que a gente está fazendo na Claro? Estamos pegando tudo isso em que a gente é muito bom e entrega para governo e para grandes empresas, simplificando para poder entregar para a pequena e média empresa. Essa é uma grande disrupção. Eu até brinco, que a gente é até uma telecom, mas a grande ambição é ser realmente uma empresa que participa do negócio. Só para vocês terem uma ideia, nesse momento nós temos 80 produtos diferentes já sendo oferecidos para pequenas e médias empresas. Estamos numa transformação, saindo de uma empresa de infraestrutura para uma outra camada. A infraestrutura é meio e a gente vai seguir investindo muito para que esse meio seja muito robusto, mas queremos entregar aplicações. Eu não sei se vocês sabem, mas a Claro tem uma empresa que é desenvolvedora de soluções de IA, que é a Global Hitss. As empresas de telecomunicação caminham para se tornarem grandes concentradoras de soluções, que vão colaborar com os clientes no que eles precisarem em suas jornadas de transformação e evolução. >
Qual é a grande dor das PMEs na área de tecnologia? >
Estamos falando de um espectro muito grande de clientes que vão desde o médico que é autônomo, o jornalista autônomo, a empresas que têm 500 funcionários. Uma empresa que tem 500 funcionários, muitas vezes, produz insumos para a cadeias de valor, para grandes empresas, ou são exportadoras. As necessidades em relação à tecnologia são muito diferentes. A gente tem desde um grupo que sequer entrou no mundo digital e outros grupos com grandes necessidades. Em geral, uma PME tem rotinas muito corridas e concentradas nos sócios. Imagina se essas empresas puderem contar com uma consultoria para as suas demandas tecnológicas? >
As PMEs são a faixa mais complexa para trabalhar, já que as micro contam com simplificações, enquanto as grandes têm tamanho para resolver os próprios problemas. >
É um público que algumas vezes se comporta como pessoa física, que às vezes mistura a vida pessoal com a profissional. É comum vermos empresas que contratavam alguns serviços no CPF do dono. Só que esta empresa começa a precisar de soluções diferentes. O que você contrata para sua casa não é o que vai funcionar no CNPJ. O próprio suporte à internet é diferente. >
O que te motiva? >
Eu venho de uma família de empreendedores. O meu pai sempre foi empreendedor, meu pai não não foi executivo. Então eu vi isso acontecer na minha casa, eu vi as diversas vezes em que ele caiu, faliu, quase faliu e se reergueu. Então tenho essa coisa de enxergar os desafios, o quanto é difícil ser empreendedor. Sei o quanto você não tem ajuda. Meu marido também é empreendedor. Tenho essa a motivação, a coragem, o querer ser hoje melhor do que eu fui ontem, aquela coisa toda. No meio deste caminho eu encontro também com os temas femininos. Eu confesso que durante um bom período da minha carreira, era muito voltada para mim, para como é que, como que eu ia crescer, eu tava pensando muito no meu caminho, mas chegou a um determinado momento, antes até de virar CEO, que eu me dei conta que tinha uma voz, força para pode ajudar outras pessoas. Saí daquela vibe da competição e me dei conta de que eu podia ter o super poder de ajudar outras pessoas. >
Você deve ter estudado bastante as PMEs. Como você identifica as que têm um bom caminho pela frente? >
Quando o empreendedor tem uma visão clara do que é o negócio, normalmente é mais fácil a gente ajudar. Quando ele está perdido, é um pouco mais difícil. Quando a gente não sabe muito bem o que quer, qualquer vento nos leva, mas quando a gente sabe onde quer chegar, a energia está focada. Quando a gente encontra empreendedores que já re-significaram seus planos, já quebraram a cara e já pivotaram (mudaram a direção), percebemos que é alguém que já criou anticorpos, conhece as suas capacidades e fragilidades e tem mais chance de de prosperar, vamos dizer assim.>
Na hora de contratar, quais são as qualidades indispensáveis? >
A primeira coisa para estar no meu negócio é gostar de gente. Tem que gostar de se relacionar e hoje em dia todo mundo se esconde atrás disso daqui (aponta para o celular) e não atende mais o telefone, não conversa mais. É um desafio encontrar pessoas que tenham isso já no já no seu DNA. Às vezes não me importo muito que venha com pouco conhecimento em telecom, isso a gente ensina. Eu gosto muito das pessoas que querem de verdade fazer acontecer, que olham para o projeto e falam: ‘vamos lá, eu quero isso daí para mim’. >
Recentemente, vocês anunciaram um investimento de R$ 1 bilhão em cloud. Qual é a importância disso para o negócio de vocês? >
Quando a gente pensa numa empresa de infraestrutura, espera-se que ela pegue R$ 1 bilhão, que é dinheiro para caramba, e coloque onde? Em rede, né? Poderia reforçar o seu 5G. Veja, não tiramos dinheiro da rede, inclusive ampliamos os investimentos, mas pensamos também em investir no futuro. Cloud é um dos negócios do futuro, tudo está indo para a nuvem. Vamos ali no Pelourinho daqui a pouco e vamos tirar um monte de fotos. Para onde vai aquela imagem imediatamente? Como pessoa física, quase tudo da nossa vida vai para a nuvem, certo? As empresas grandes já não tem mais nada dentro de casa. Os servidores estão todos na nuvem. As pequenas e médias, ainda não fizeram essa migração. Então, tem aqui uma oportunidade, tanto nas grandes, obviamente, à medida que vão adotando cada vez mais inteligência artificial, e precisam de mais capacidade de processamento. Mas vai atender as PMEs também. Não tem ninguém com uma plataforma mais robusta que a nossa. Temos as principais marcas do mercado conosco, fizemos acordos e trouxemos para dentro da nossa plataforma. Para os pequenos, fazemos negociações em lotes com as plataformas. Sem contar que nós temos uma capacidade infinita de processamento. A empresa não precisa mais comprar servidores. Acabou aquela história de que para expandir vai ter que comprar infraestrutura. >
O que você traz da sua experiência como atleta para a vida profissional?>
Eu fui jogadora de vôlei quando criança e fui parar com 25 anos. Tenho uma base esportiva muito forte. Eu sou formada também como atriz. Também fiz e sou maratonista. Na verdade, eu sou um grande emaranhado, porque sou contadora de formação. Sou essa mistura, mas o esporte é maravilhoso, e a maratona em especial, porque você aprende muito a ler o seu corpo, a interpretar as suas emoções e o seu funcionamento, a saber a hora que você aperta o pace, a hora que você diminui. Correr uma maratona exige que você aprenda a planejar, pensar nos primeiros quilômetros, no calor. É preciso ter um plano, aprender a ler este plano e alterar sempre que preciso. Outra coisa que você aprende é que tem dias em que você vai ganhar e tem dias que vai perder. E no dia seguinte você tem que continuar. Esse conhecimento é muito importante para quem é vendedor e eu falo que, no final das contas, sou uma vendedora. Em vendas, a gente não tem passado. O que fiz hoje foi legal, mas amanhã eu já tenho outra meta. Então, trago muito a disciplina e o comprometimento.>
Qual é o seu livro de cabeceira? >
Sou muito de fases. Eu sou católica e o meu livro de cabeceira é a Bíblia. >
Qual o livro da Bíblia?>
Eu agora estou muito nos Salmos. Mas eu gosto muito de biografias esportivas. Já li tudo que vocês podem imaginar. Gosto muito dessa coisa do esporte. Gosto muito de romances também. Eu tô lendo tudo de Carla Madeira. >