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Disponível no SUS, antiviral usado para HIV pode ser o primeiro remédio contra HTLV

Pesquisa da Ufba identifica o que pode ser o primeiro remédio contra o vírus com alta incidência na Bahia

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 7 de abril de 2024 às 05:00

Jacyra e Laurides convivem com o vírus HTLV
Jacyra e Laurides convivem com o vírus HTLV Crédito: Marina Silva/CORREIO

A primeira vez em que a então cuidadora de idosos Laurides Farias, 48 anos, escutou falar sobre HTLV foi em 2016. Depois de doar sangue, ela recebeu, em casa, uma cartinha do Hemoba que dizia que ela não poderia mais ser doadora porque tinha o vírus. "Não sabia dos riscos. Guardei a carta e só comecei a ter sintomas em 2019, quando passei a ter dificuldade de locomoção. Eu não sabia o motivo de estar perdendo os movimentos", conta.

Laurides levou quase um ano para ter um diagnóstico fechado, depois de passar por seis ortopedistas e um neurologista. Descobriu que tinha paraparesia espástica tropical, uma das doenças mais graves provocadas pelo HTLV (vírus linfotrópico de células T humanas).

Sem nenhum remédio aprovado para o tratamento no mundo, ela e ao menos outros 130 mil baianos, de acordo com a última estimativa da Fiocruz, têm convivido com o vírus - e doenças provocadas por ele - sem antivirais específicos. A Bahia tem o maior índice de casos da doença no país. De  2018 a 2023, foram 3.707 casos, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab). Neste ano, até o momento, foram 93 notificações. Agora, quase 50 anos após ter sido descrito pela primeira vez, cientistas baianos caminham para o que pode ser o primeiro medicamento já usado contra o vírus.

Pioneiro no mundo, o estudo é liderado pelo médico infectologista Carlos Brites, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Virologia do Hospital Professor Edgard Santos (Hupes/Ufba).

"Estamos estudando se pacientes com HTLV podem se beneficiar de medicamentos e tratamentos para HIV", explica ele, citando o vírus da imunodeficiência humana, apontado como um ‘primo’ do HTLV e que provoca a aids.

Considerada promissora, a medicação que está sendo estudada é o dolutegravir, um antiviral que faz parte da terapia combinada do HIV e é oferecido pelo SUS. Neste caso, ele não cura a infecção que é provocada pelo vírus, mas consegue manter a presença do HIV em níveis baixos no organismo enquanto promove aumento em um dos tipos de glóbulos brancos que garante a estabilidade do sistema imune.

Dolutegravir
Dolutegravir Crédito: Agência Fiocruz

"Embora o estudo seja pequeno, há uma evidência sugerida que os medicamentos que usamos hoje na primeira linha para HIV podem reduzir a carga viral para os pacientes com HTLV", explica Brites.

Os primeiros resultados da pesquisa serão apresentados em junho, em um congresso na Inglaterra. O que tem sido observado é que, após seis meses de uso, há redução significativa da chamada neuropatia periférica, que são dores e dormência nas mãos e nos pés.

Semelhança

A possível eficácia do medicamento de HIV para o HTLV provavelmente está ligada à semelhança entre os vírus. Ambos são classificados como retrovírus - um tipo que é de RNA e tem uma enzima chamada transcriptase reversa. Essa enzima é responsável por transformar o material genético RNA em um DNA complementar.

Até as formas de transmissão são semelhantes: pode ser através da mãe infectada para o recém-nascido, com a amamentação; pela via sexual, com relações sem uso de preservativo ou até com o compartilhamento de seringas e agulhas. Estudos qualitativos indicam que o perfil mais provável das pessoas que convivem com o vírus é de mulheres pretas ou pardas, solteiras, com baixa escolaridade e cristãs.

Segundo o infectologista Carlos Brites, os participantes do estudo que usaram o medicamento apresentaram até mesmo melhora da composição corporal, com menos gordura e mais massa magra. "É o oposto do que se esperava. Nós encontramos a melhoria significativa com o uso", diz.

Os dados ainda não estão completos, mas as evidências são positivas no geral. O último paciente deve terminar o uso no segundo semestre. "Pode ser o primeiro medicamento disponível para HTLV. Pode ser o primeiro para essa população que até hoje não tem um medicamento".

Além disso, a perspectiva é otimista até mesmo para que pacientes assintomáticos tenham menos risco de desenvolver sintomas. Isso poderia bloquear o avanço da doença e a transformação em quadros mais graves.

Uma das participantes do estudo é a dona de casa Jacyra Moreira, 61. Diagnosticada com HTLV há pouco mais de uma década, ela tem usado a medicação. "Eu tinha muitos choques, que são os espasmos. Era como um choque de tomada, o tempo todo. E melhorou", conta.

Jacyra tem um quadro considerado mais leve das consequências do vírus. O principal sintoma eram as dores frequentes, que pioram em temperaturas mais frias. Hoje, ela faz acompanhamento na Ufba e também na Escola Bahiana de Medicina e no Hospital Sarah. "Se realmente vier o medicamento, vai ser uma maravilha, porque outras pessoas vão poder usar", avalia.

O grupo de pesquisadores da Ufba também concluiu, em 2022, a pesquisa para o primeiro teste rápido para HTLV - tal qual acontece com vírus como HIV e sífilis. De acordo com o professor Carlos Brites, neste momento, o teste está em fase de padronização para ser produzido em larga escala pelo Ministério da Saúde.

Jacyra Moreira participa do estudo
Jacyra Moreira participa do estudo Crédito: Marina Silva/CORREIO

Doenças

A depender da doença provocada pelo HTLV, toda a vida do paciente pode mudar. Foi o que aconteceu com Laurides Farias, desde que os sintomas da paraparesia espástica tropical se intensificaram. Além da dificuldade de locomoção, é comum a urgência para urinar e constipação constante.

Com a confirmação do diagnóstico, ela chegou à equipe multidisciplinar da Bahiana, onde passou a ser acompanhada também por psicólogos. Lá, conheceu também a HTLVida, associação que discute políticas públicas e de acolhimento para a população com o vírus.

"Eu estava com um nível alto de depressão, porque estava trabalhando e tudo estava normal. De repente, tive que parar minha vida. Não tinha mais condição de sair sozinha", lembra.

Com a parapastesia, a tendência é reduzir cada vez mais os movimentos até que a pessoa fique acamada de vez. Por isso, é tão importante fazer fisioterapia. Laurides usa andador, mas, a depender da distância, precisa da cadeira de rodas. Morando com a filha, o genro e a neta de 9 anos, ela considera que tem uma rede de apoio que inclui amigos e vizinhos.

Para controlar a urina, ela faz cateterismo de forma rotineira. Assim, conseguiu ter uma vida social. "Eu não queria sair de casa porque era constrangedor sair e urinar. Hoje, consigo sair e ir numa praia. Temos bons profissionais de fisioterapia que também ajudam nas nossas necessidades e consegui ter mais equilíbrio. Se não fosse esse acompanhamento, eu já estaria acamada".

Para ela, a possibilidade de um medicamento vai fazer grande diferença principalmente para quem tem a doença e ainda não tem sintomas. "Essas pessoas podem ter acesso e barrar um pouco desse sofrimento. Não é fácil para a gente que vive com HTLV. Nós sentimos muitas dores, mas não só as físicas. Existem dores psicológicas também".

Outras doenças que podem ser atribuídas ao vírus são a leucemia-linfoma de células T do adulto (ATLL), a dermatite infecciosa e a uveíte, que é a inflamação na camada média do olho (a úvea).