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Roberto Midlej
Publicado em 26 de abril de 2025 às 05:00
Morto na segunda-feira passada, dia 21, o papa Francisco só será sepultado neste sábado, 26, depois da realização de um longo ritual, de tradição milenar. São cinco dias em que o corpo permanece exposto e intacto, livre da ação de bactérias ou fungos. E mais: da mesma forma que ocorreu com os papas anteriores, o corpo será permanentemente conservado, após ter passado por um processo de embalsamamento, correspondente à mumificação, que egípcios realizavam há milênios. >
Na Antiguidade, os cadáveres eram enrolados com ataduras embebidas em natrão, uma sal com altíssima concentração de sódio que existe em regiões do deserto. Além disso, os órgãos eram retirados e, depois de receberem tratamento, eram colcoados de volta. De lá para cá, no entanto, as técnicas evoluíram bastante e o processo se tornou bem menos agressivo.>
Este conjunto de técnicas para retardar a decomposição é conhecida como tanatopraxia. O carioca Carlos Magno Alves dos Reis, especialista e instrutor de tanatopraxia, lembra que a técnica começou no Egito, mas evoluiu nos Estados Unidos: >
Carlos Magno Alves dos Reis
especialista e instrutor de tanatopraxiaA técnica foi adotada nos Estados Unidos durante a Guerra Civil, a partir de 1861, para conservar os corpos dos americanos mortos em conflitos. Assim, os cadáveres eram entregues à família de forma intacta, para serem sepultados. Agora, mais de 150 anos depois, houve muita evolução, segundo Magno: “Atualmente, há fluidos que, quando injetados, permitem que o corpo nunca entre em decomposição. A diferença do tempo de conservação está no volume desses produtos injetados. A depender do volume, nunca haverá decomposição”. Conforme o especialista, atualmente não é mais necessária a retirada das vísceras para tratamento. Tudo ocorre com a injeção de substâncias.>
Magno diz que a tanatopraxia é acessível a todos e, a depender da região do país, pode ser realizada a partir de R$ 250, para que o corpo seja conservado por um curto período, de 24 a 48 horas. Quanto maior o tempo de conservação desejado, mais caro fica o processo. A mumificação - conservação por um período extremamente longo ou até permanente -, no entanto, não é permitida pela legislação brasileira.>
Em Salvador, um dos técnicos que oferece o serviço de tanatopraxia é o mineiro Alisson Torres, proprietário do Laboratório de Somatoconservação DFlores. No entanto, o pedido não é feito diretamente à empresa dele, mas através de uma funerária. A tanatopraxia custa de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil. O embalsamamento, que é um processo mais complexo e conserva o corpo por mais tempo, varia de R$ 10 mil a R$ 25 mil. Neste segundo caso, a variação do preço está sujeita ao tempo de preparo.>
Outro fator que interfere no valor do embalsamamento é o destino que o corpo vai ter. Se for transportado para outro país, o serviço encarece, porque tem que atender a exigências internacionais e a questões burocráticas. Quando um estrangeiro morre em território brasileiro e a família deseja o envio do corpo para o país de origem, recorre-se ao embalsamamento, para que haja o traslado. >
“Se formos mandar o corpo, por exemplo, para a Inglaterra, há uma documentação específica, de acordo com as leis de lá. Até concluir o processo, são cerca de 20 dias. Então, preciso preparar o corpo para ser conservado por no mínimo 30 dias”, observa Alisson.>
Para colocar a sua empresa em funcionamento, Alisson precisou atender a uma série de exigências da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pois não há uma lei municipal que regulamente a atividade. “A Anvisa exige que o espaço seja configurado adequadamente: é preciso ter uma determinada metragem, uma arquitetura específica e uma fossa também adequada. Porque o líquido vai para a rede fluvial somente após um tratamento. Além disso, há uma equipe médica que me presta serviço e assina pelo laboratório”, diz o empresário.>
O Papa>
O cortejo fúnebre do papa acontece neste sábado, às 10h (5h de Brasília), em um trajeto que percorre cerca de seis quilômetros pelas ruas de Roma. O destino final é a Basílica de Santa Maria Maior, onde ocorrerá o sepultamento. O ritual fúnebre começou na segunda-feira, 21, às 15h, quando houve a celebração da constatação da morte do papa, feita pelo camerlengo irlandês Kevin Joseph Farrell. >
Alexandre Varela, diácono da arquidiocese do Rio de Janeiro, observa algumas mudanças realizadas nesta etapa do ritual: “Antes, a tradição mandava que o camerlengo batesse com um martelo de prata por três vezes na cabeça do papa. Se não respondesse, seria declarado como morto”. >
Na terça-feira, houve o tratamento do corpo do papo. Francisco pediu que o tratamento fosse mínimo, sem muitas intervenções. Pediu também que fosse usado somente um caixão de madeira, além de um de zinco. Normalmente, são dois caixões de madeira e um terceiro, de zinco, sendo que um vai dentro de outro.>
A maioria dos papas fica sepultada na cripta de São Pedro, embaixo do altar do Vaticano. Francisco, no entanto, pediu que seu corpo fosse para a Santa Maria Maior, porque era muito devoto da imagem de Virgem Maria, que fica naquela capela. >