'Estão romantizando violência contra a mulher', diz leitora de dark romance

Para fãs do gênero literário, tem havido uma mudança na abordagem dos temas sensíveis nos livros mais recentes

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 7 de abril de 2024 às 05:00

Assombrando Adeline, um dos mais populares livros de dark romance
Assombrando Adeline, um dos mais populares livros de dark romance Crédito: Shutterstock

Tendência literária do momento, não é difícil encontrar debates sobre dark romance acontecendo quase semanalmente em diferentes plataformas. "Dark romance original eram livros de máfia e coisas do tipo, onde o cara matava e torturava pessoas, mas era sempre apaixonado pela mulher dele e lambia o chão que ela passava. O que estão fazendo agora é romantização da violência contra a mulher", escreveu uma usuária no X, em um post com 61,6 mil likes, em fevereiro.

Em fevereiro, um dos tweets da criadora de conteúdo Camila Jambeiro viralizou na comunidade literária justamente por fazer uma crítica a um livro que trazia um feminicídio. "Acabei de ver um reel (vídeo do Instagram) sobre um dark romance onde ele taca fogo e mata ela no final. Aí eu te pergunto: cadê o romance? Feminicídio não é dark romance, gente. E é por livros assim que o dark é tão crucificado", pontuou, na publicação que teve mais de 15 mil curtidas e despertou um debate na rede.

No TikTok, um dos maiores virais é Corrupt, livro da americana Penelope Douglas da saga Devil’s Night e que tem mais de 18 mil avaliações na Amazon e nota média de 4,5 (de 5 estrelas).

As reações são extremas: desde milhares de vídeos exaltando cenas dos protagonistas até alguns que vão no sentido oposto. Um dos vídeos críticos usa um áudio viralizado de outra situação em que uma mulher imita a voz de outra dizendo ‘ah, mas sabe que apesar de tudo isso, ele gosta de mim’. A mesma mulher responde: ‘Esse homem te odeia, minha filha. Ele odeia você’.

A estudante de direito Beatriz Gomes, 21, começou a ler dark romance aos 18 anos, mas foi iniciada na literatura aos oito anos, com a saga Harry Potter. "Sei que fui uma das poucas que leu (dark romance) já maior de idade", acredita, citando as idades de outras leitoras do gênero. Naquele momento, Beatriz queria ler livros sobre máfia e foi assim que conheceu a primeira obra - um nacional considerado ‘mais leve’ por ela. Na trama, o protagonista é traficante.

Beatriz define o gênero como um livro de romance em que o vilão e a mocinha se apaixonam. Debaixo desse guarda-chuva, porém, há uma grande divisão de temas, como os de tabu, os de harém reverso (em que muitos homens se apaixonam pela protagonista), os de stalker e os de ‘age gap’, que é a diferença de idade

"Tem livros normais, mas elas (autoras) estão perdendo a mão no tabu, que são os de incesto", avalia. "Acho que tem muitos livros, então algumas autoras tentam ousar para ter algo diferente e acabam fazendo com que fique demais".

No início, ela via o dark romance mais como uma literatura nichada. Algo mudou, contudo, quando a saga Devil’s Night, de Penelope Douglas, se tornou popular. "Isso fez com que adolescente lesse. Estourou a bolha e mais pessoas começaram a indicar outros livros, como Assombrando Adeline, até para crianças de 10 anos". Para ela, bons exemplos de dark romance são o nacional Nebulosos, de Tay Ferreira, e a série Twisted Love, de Ana Huang.

Já a criadora de conteúdo e leitora Camila Jambeiro, cita o livro Bad Lies, da brasileira Bianca Pohndorf. Para quem quer começar a ler livros do gênero, ela defende que a proposta do dark romance é incomodar e ser moralmente incorreto. Além disso, nesse universo, é possível amar alguns livros e desprezar outros. E, de forma geral, todos vão abordar temas polêmicos que incluem uso de drogas, sequestro, abuso sexual, abuso psicológico, tráfico e outros crimes.

"Mas, na minha opinião, hoje em dia estão vendendo terror psicológico como dark romance. Não é para o par romântico abusar sexualmente dela ou matá-la. É para ser um romance complicado e problemático, mas acima de tudo romance", enfatiza. "Em algum momento nos últimos anos perderam a mão deliberadamente e passaram a gabaritar o Código Penal nos livros. Pra mim, não há romance se eu não torcer para os dois ficarem juntos", acrescenta.

Essa mudança gradual no gênero também é apontada pelo pesquisador Matheus Lima, mestrando em Estudos de Linguagens e criador no perfil literário @desleitor. Saiu o foco na dinâmica entre o vilão e a mocinha para os aspectos apontados como normalização da violência contra a mulher.

"É uma mudança significativa e preocupante. Essa mudança pode refletir uma busca por narrativas mais intensas e provocativas, mas também levanta questões sobre a responsabilidade dos autores em retratar relações saudáveis e respeitosas, especialmente quando se trata de temas sensíveis", reflete.