Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Clausuras secretas do Convento das Mercês são mostradas pela primeira vez na história

Andares nunca abertos ao públicos e Colégio das Mercês receberão ambientes da CASACOR, que acontece a partir do dia 8 de julho; veja como visitar

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 7 de julho de 2025 às 05:00

Pátio do convento: paredes têm mais de 60 cm e resfriam o ambiente interior
Pátio do convento: paredes têm mais de 60 cm e resfriam o ambiente interior Crédito: Divulgação

Pela primeira vez na história, ambientes antes secretos do antigo Convento e Colégio Nossa Senhora das Mercês, no centro de Salvador, serão abertos ao público. O espaço estava fechado desde 2022 e, a partir desta terça-feira (8), recebe a CASACOR, maior mostra de arquitetura e design da América Latina.

Fundado em 1735, o Convento das Mercês é um dos edifícios mais antigos da cidade de Salvador. Lá dentro, até o fechamento, acontecia também uma vida misteriosa a todos: as freiras ursulinas viviam em clausura.

“É um mundo novo", diz Luisinha Brandão, arquiteta e ex-aluna do Colégio das Mercês, fundado pelas freiras em 1897. "Nunca imaginei que existia isso aqui, incrível mesmo", completa, ao entrar nos antigos quartos das freiras, no segundo andar.

Os ambientes da CASACOR foram dispersos pela maioria dos espaços do antigo convento e escola, como salas de aula, alas da administração e o primeiro pavimento, onde dormiam as internas. O segundo andar, onde começava a clausura, no entanto, não foi incluído na mostra, para garantir a acessibilidade do público.

O CORREIO foi a primeira equipe de reportagem a entrar no local, acompanhada por Magali Santana, arquiteta e diretora da CASACOR, e Luisinha, que ocupou essa função por 20 anos. No ano passado, a CASACOR aconteceu em outro marco arquitetônico e cultural de Salvador, o Hotel Othon, na Avenida Oceânica.

“A gente preservou ao máximo o que a gente pôde, as portas, os números das portas, do que cada ambiente significava nesse local, para que as pessoas tivessem alguns spoilers do que era e o que a gente tinha dentro desses lugares", diz Magali.

Como era a vida secreta das freiras das Mercês?

No térreo do antigo convento, Magali mostra as antigas salas de aula, já decoradas com ambientes da CASACOR, enquanto caminha para uma escada de madeira. “Tudo começava aqui", aponta ela.

“Os alunos não tinham mais acesso ao primeiro pavimento, que é onde a gente está chegando agora. Todas as ex-alunas falavam: você subiu a escada?", ri. "Sim, eu subi. Ninguém sabia o que acontecia lá em cima, sempre era uma curiosidade muito grande".

O Colégio das Mercês se tornou, ao longo dos dois séculos de existência, um dos mais tradicionais da cidade. Na primeira metade do século 20, era um dos colégios que matriculavam sobrenomes conhecidos da cidade. Boa parte das estudantes morava perto: algumas precisavam apenas atravessar a rua, deixando para trás os sobrados onde moravam na Avenida Sete, para chegar à escola.

“Quando eu estudava aqui, tudo era casa residencial, atravessavam e vinham para cá. A família Cravo toda morava aqui. Muita gente morava aqui defronte", conta Luisinha.

Foi ela quem sugeriu a Magali que a CASACOR acontecesse, neste ano, no antigo convento e colégio. A estrutura, chamada “Casa das Mercês”, não estava abandonada, só passou por intervenções na parte elétrica e pinturas para receber o evento de arquitetura.

O colégio fechou em 2022, segundo pais de alunos, por problemas financeiros, e as 13 freiras que ainda moravam lá se dispersaram para outros conventos, como o da Soledade. Já a capela, que integrava o edifício, foi dessacralizada: ou seja, a Igreja Católica retirou o teor sagrado do espaço, o que significa que ele pode ganhar outros usos.

a capela, que integrava o edifício, foi dessacralizada: ou seja, a Igreja Católica retirou o teor sagrado do espaço, o que significa que ele pode ganhar outros usos
A capela, que integrava o edifício, foi dessacralizada Crédito: Divulgação

Ao subir as escadas que levam ao segundo pavimento e encontrar a porta para as clausuras aberta, Luisinha está prestes a cruzar uma fronteira. “A gente não sabia como era nada. Naquele tempo, ninguém questionava nada. No meu tempo, era aquilo, era. Ficava na imaginação da gente. Aonde eu ia imaginar que aqui ia ter essas arcadas jônicas”, diz ela, ao avistar colunas onduladas no topo, típicas da arquitetura clássica.

Os cômodos estavam vazios, exceto por alguns rastros deixados para trás, como cadeiras e mesas de madeira antigas, flores de plástico, apagadores e faixas escolares, e um quadro com o salmo 37 impresso. Mas outros indícios sugerem o antigo modo de vida lá dentro, como as janelas, posicionadas acima da altura de 1,60 metro.

“Eram altas as janelas para as freiras não ficarem tentadas a ver o mundo lá fora", diz Luisinha.

As marcas da reclusão aparecem em outros detalhes: os quartos eram divididos por estruturas de madeira, nas quais há pequenas portas com ferrolhos. As aberturas, que aparecem em outros conventos, servem tanto para a comunicação entre as freiras como para manter algum nível de vigilância.

Conforme caminhávamos, surgiam mais rastros de uma vida secreta e simples, como uma pequena cabine telefônica, o único contato imediato entre o mundo interno e externo, enquanto as freiras viveram por lá. O único evento externo era ir ao médico. “A gente vai deixar preparada uma ceninha aqui, para as pessoas terem uma ideia de como era", explica Magali.

Mesmo com o isolamento, o mundo lá fora nunca deixou de chegar. Apesar da espessura das paredes (elas têm mais de 60 cm e resfriam o ambiente interior), por exemplo, o ruído da Avenida Sete, em dias mais movimentados, é ouvido dos cômodos. A via comercial e histórica não só avizinha o antigo convento, como o conecta com o mundo: ele mudou sua história.

Em 1913, parte da fachada original do edifício foi demolida para a abertura da avenida. O prédio ganhou, então, uma nova fachada em estilo neogótico, com elementos inspirados no gótico medieval, como os arcos e torres pontiagudas, vitrais e uma ornamentação mais elaborada, em contraste com o estilo clássico.

Em 1913, parte da fachada original do edifício foi demolida para a abertura da avenida
Em 1913, parte da fachada original do edifício foi demolida para a abertura da avenida Crédito: Divulgação

Dentro da capela, esses símbolos também estão visíveis e poderão ser vistos pelo público. A antiga capela será o endereço dos eventos realizados pela CASACOR, como palestras e apresentações — no último domingo (6), por exemplo, a orquestra NEOJIBA se apresentou no espaço.

“Não houve nenhum tipo de invasão religiosa. A gente não tem mais igreja, elas já não estão aqui, elas foram para se agregar a outras irmãs. Esse local era muito grande. E a gente precisava cuidar disso, e elas entenderam que a gente podia fazer isso honrando o passado delas. A nossa ideia foi realmente desconstruir essa imagem, assim como acontece em outros lugares do mundo, que igrejas viram lugares públicos de todo tipo de evento", afirma Magali.

Depois da visita, a reportagem tentou descobrir algo sobre o futuro do antigo convento, que está num perímetro que passa por um processo de transformação turística, com abertura de hotéis e outros empreendimentos. A administração da Casa das Mercês, no entanto, não se pronunciou sobre o assunto.

“O prédio faz parte da cidade. A ideia foi ativar culturalmente um local que não sabemos o que vai ser no futuro, e, se Deus quiser, preservado no futuro", torce Magali, que já recebeu uma enxurrada de mensagens de ex-alunas e alunos do Colégio das Mercês, ansiosos para ver os cômodos secretos das freiras. “É uma memória afetiva muito grande”.

Luisinha concorda. Dentro do antigo convento e escola, ela retorna à primeira infância e desfaz os mitos de uma vida. “A clausura era o mistério do meu tempo. Principalmente as ex-alunas vão ficar embasbacadas, porque nada disso era permitido para a gente”, diz. Para quem chega agora, é como descobrir uma ilha escondida no coração da cidade.

SERVIÇO

Onde: Casa Nossa Senhora das Mercês – Av. Sete de Setembro, 1105, Salvador, Bahia

Horários de visitação: Terça a domingo, 15h às 22h

Preço: R$ 100 / R$ 50

Assista no canal do CORREIO no Youtube reportagem sobre os espaços secretos do convento