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Chocólotras: conheça baianos que plantam cacau e produzem chocolate longe da Bahia

Em 2024, o maior estado produtor no país respondeu por 154 mil toneladas da fruta

  • Foto do(a) author(a) Tharsila Prates
  • Tharsila Prates

Publicado em 6 de julho de 2025 às 05:00

Conheça baianos que plantam cacau e produzem chocolate longe da Bahia
Oficina de culinária durante o Chocolat Xingu 2025 Crédito: Alberto Monteiro/ Divulgação

Diz a brincadeira que nove em cada dez pessoas gostam de chocolate e a décima mente. O doce tem até um dia mundial para chamar de seu - todo 7 de julho - e eventos onde é a estrela.

Um deles começa no próximo dia 17, em Ilhéus, no sul do estado. A 16ª edição do Chocolat Bahia 2025 vai reunir produtores de cacau e marcas que expõem suas gostosuras durante quatro dias de feira.

Na semana passada, foi a vez do Chocolat Xingu, em Altamira (PA), o município mais extenso do país, às margens do rio Xingu, a 800 km de Belém, no estado que é o maior produtor de cacau do país. Em 2024, foram 154 mil toneladas da fruta cuja amêndoa se transforma nesta incrível guloseima.

Passaram pelo Centro de Eventos Vilmar José Soares cerca de 195 mil visitantes, que tiveram à disposição 220 expositores e ajudaram a movimentar R$ 14 milhões em negócios.

Foi em Altamira que a reportagem conheceu o produtor Elias Rodrigues dos Santos, 54 anos, baiano de Alcobaça. Filho de pais agricultores, ele e a família (12 irmãos) chegaram de pau de arara em Brasil Novo, às margens da Transamazônica, em 1979, em busca de terras. Antes, tinham tentado a sorte no Paraná e em Goiás, sem sucesso. Elias tinha apenas 11 anos quando começou a fazer diárias nas propriedades de terceiros.

Em uma cidade vizinha, Medicilândia – que hoje ostenta a maior produção no Pará –, o dono da terra deu condições à família de Elias para criar porcos e foi com a venda de 17 cabeças que eles deram entrada num pedaço de terra. Pagaram o restante em 1 ano e plantaram as primeiras 5 mil mudas de cacau. Não renderam.

Elias conta que o pai, Antonio Rodrigues dos Santos, passou a criar gado e plantava a subsistência da família: arroz, feijão, alface, mamão, mandioca brava, macaxeira, milho... “Meu pai nunca quis ficar rico. Se tivesse o que comer e em paz com os outros, estava tranquilo”, comenta Elias.

O filho saiu da propriedade para ser empregado na área de transporte e logística e, nos anos 1990, junto com dois irmãos, comprou um lote na frente do pai. Mas foi na terra de seu Antonio que Elias aprimorou a plantação de cacau, com o estudo do plantio e da genética da semente.

Com os primeiros 3,8 mil pés, colhem anualmente seis toneladas. Com mais 1,8 mil plantados, que davam meio quilo por pé, hoje produzem dois quilos de cacau por planta. Fazendo as contas, as seis toneladas anuais rendem a Elias e família cerca de R$ 300 mil.

No Pará, ele preside a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores e Produtoras de Brasil Novo e Medicilândia (Coopabaam), com 51 associados que vendem o cacau diretamente para as moageiras (grandes empresas que moem/ trituram o cacau). Elias tem cinco filhos, está no segundo casamento e comemora ter vencido na vida. “Não quero mais trabalhar como empregado, consigo viver da minha plantação de cacau.”

Este ano, as mulheres da cooperativa passaram a fazer chocolate. “Estamos nascendo, criando a marca ainda. Quem sabe estaremos com os produtos em Ilhéus ano que vem [no Chocolat Festival Bahia]”, projeta Elias. No deste ano, não dá mais tempo.

Um dos sonhos dele era voltar ao estado natal com os pais para rever o lugar onde nasceu. Mas, aos 87 anos, os velhos, como ele chama, não querem ir.

Rio Xingu por Tharsila Prates/ CORREIO

Quem também faz planos de voltar à Bahia e vender seu chocolate paraense por estas bandas é Mariete Conceição de Oliveira, 43 anos, há 34 no Pará. Acompanhando pais, tios e primos, ela saiu de Camamu, foi para Salvador aos 2 anos e depois chegou ao Pará para trabalhar nas lavouras de cacau. Um dos tios comprou um lote e na sequência foi a vez do pai de Mariete, com um pequeno plantio de cacau e farinha.

A família foi ficando, não sem antes dar um pulo em Roraima atrás de maior produtividade, mas acabaram retornando ao Pará. Mariete tem sua própria roça no município de Senador José Porfírio, com 8 mil pés de cacau que rendem cerca de 5 toneladas anuais e sonha em expandir a produção. Participou pela primeira vez, com seus produtos, da feira em Altamira, mas desde pequena é fera em fazer doces e criar receitas.

Mesmo longe da Bahia, ela garante que o vatapá e o camarão na moranga que prepara são ótimos. Provocada, diz que se sente mais baiana do que paraense, o que gera um olhar de reprovação do marido paraense, meio na brincadeira, com quem tem três filhos. “Quero ser uma grande chef e ir para Ilhéus, no Festival de Chocolate, com meus produtos. A culinária é um sonho.”

Sotaques

Além desses “oxentes” entre os nativos, há também os que vieram do Sul do Brasil para povoar a Transamazônica. E eles são muitos. Entre os 3 mil produtores de cacau em Brasil Novo, está o casal José Renato Preuss e Verônica Preuss, nascidos em Santa Catarina. O estado sulista dá nome ao sítio de 100 hectares, onde eles colhem até dez toneladas de cacau por ano.

E não é qualquer produção. A amêndoa da família, que chegou ao Pará nos anos 2000, está entre as melhores do país. Quem atesta é o Centro de Inovação do Cacau (CIC), em Ilhéus, que realiza concursos anuais para valorizar o cacau brasileiro. No próprio sítio, Verônica transforma essa beleza em chocolates artesanais e muito saborosos da marca que batizaram de Kakao Blumenn (flores do cacau, em alemão).

Uma receita imperdível é o Mesclado, junção de cacau 70% com manteiga de cacau. E o segredo para ser premiado? “Sombreamento adequado, tratos culturais e poda bem feita”, comenta Renato.

Perto dali, em Medicilândia, no sítio Ascurra (nome de uma cidade catarinense), Sarah e Robson Brogni são menos artesanais, mas igualmente premiados. Conquistaram a 3ª colocação no concurso do CIC no ano passado, e as premiações estão exibidas nas mesas e paredes da casa. Eles trabalham no sistema de parceria agrícola (são donos das 47 mil plantas de cacau, divididas entre nove famílias na hora da colheita) que rende cerca de 300 toneladas por ano. A marca Ascurra tem 27 sabores de chocolate e quase 300 produtos diferentes, incluindo a cerveja de cacau.

Orgulhosos de seu Paraíso Orgânico, o casal João Araújo e Jiovana Lunelli – ela também catarinense – são os responsáveis pela marca Cacau Xingu, 100% orgânico. São apenas 11 hectares, seis mil plantas e 500 gramas colhidos por pé, mas a experiência de Jiovana, que fez seu primeiro chocolate aos 9 anos, resulta em delícias de cacau fino, em barras com gengibre, castanha-do-pará, cumaru, cupuaçu desidratado e até babaçu – árvore que muitas plantações derrubam e eles aproveitam, inseridos na filosofia que gostam de repetir: floresta viva é diferente de floresta em pé. E olha que até para ficar de pé é uma luta.

Apesar das dificuldades comuns a todos, há também cuidado nos detalhes: ilustram as embalagens do chocolate de Jiovana desenhos de animais e plantas que remetem à sua história. No chocolate branco, um lindo beija-flor lembra o dia em que um desses miúdos esbarrou na parede próximo à cozinha. Estava cambaleante, mas a catarinense fez um carinho no peito do animal e ele voou novamente. Paraíso.

A jornalista viajou a convite da organizadora MVU.