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Thais Borges
Publicado em 5 de julho de 2025 às 05:00
Por 10 anos, um terreno na Avenida Sampaio, em Feira de Santana, abrigou a primeira sede da antiga Escolinha do Sol, criada em 1981. O casal de fundadores, Maria Luiza e Teomar Soledade, tinha voltado de uma temporada morando na França, mas ela tinha o sonho de desenvolver um projeto de educação. Até ali, Maria Luiza trabalhava com urbanismo e Teomar era professor de Física na Universidade Federal da Bahia. >
Com o tempo, as famílias dos alunos - da educação infantil até então - começaram a pedir que a escola oferecesse mais do que os anos iniciais, passando para o Ensino Fundamental. Uma vez que o espaço era restrito, o casal comprou um terreno no fim da Avenida Getúlio Vargas, uma das principais da cidade. Ano após ano, as séries foram implementadas, à medida que a turma mais velha fosse concluindo. O Ensino Médio veio nessa esteira, em 2001, tal qual a mudança do nome: a Escolinha do Sol se tornou o Colégio Helyos (Sol, em grego), para abrigar os alunos mais velhos. >
Desde então, o Helyos se tornou uma das melhores escolas da Bahia, tendo figurado entre os mais bem colocados do país a partir dos anos 2000. Até 2017, tinha as melhores notas do estado no Exame Nacional do Ensino Médio. Atualmente, só fica atrás do Colégio Bernoulli, em Salvador - a instituição, porém, é de um grupo mineiro. Nesse período, não seria exagero dizer que o colégio se tornou um dos símbolos de Feira. Mesmo quem não conhece ou conhece pouco do município provavelmente identifica alguns dos ícones pelos quais a cidade ficou famosa e que só existem lá: o Feiraguai, a Caixa D’Água do Tomba e o Helyos. >
Recentemente, ma batalha judicial fez com que o nome do colégio aparecesse no noticiário além dos resultados educacionais: a saga da implementação de duas passarelas que ligam o prédio principal aos anexos, que funcionam em ruas diferentes de um mesmo cruzamento. Construídos em 2017, os equipamentos receberam ordem de demolição em junho, depois que o juiz Nunisvaldo dos Santos, da 2ª Vara Pública de Feira de Santana, acatou um pedido do Ministério Público (MP-BA). Na última quinta (1), o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) suspendeu a demolição.>
O relatório do desembargador José Cícero Landin Neto trouxe um pouco mais de tranquilidade para a comunidade escolar, diante de um tema que provocou polêmica desde o início. “O que é Feira hoje em dia? Uma cidade com problemas de violência, mobilidade urbana precária, lagoas sendo aterradas por grandes empresas. Não tem motivo para focar numa coisa que não está incomodando a ninguém. A quem interessa isso?”, questiona a pedagoga Juliana Moraes, 48 anos, mãe de Heitor e Giulia, que estudaram no colégio a vida toda. >
Interferência>
O questionamento dela ecoa o de outras famílias e moradores da cidade. A dentista Sarah Mascarenhas, 40, diz que é comum que os pais se perguntem se essa disputa vai ser levada a frente. “É uma coisa já construída e que a gente não vê interferência no desenvolvimento da cidade. Só vai agregar no vínculo e no desenvolvimento das crianças, na segurança delas. Me parece ser uma briga de poder, porque eu nunca vi a escola vinculada a coisas políticas. Tem de tudo lá - todos os partidos políticos, jurídicos. Mas me parece ser uma questão de interesse, porque não está interferindo no desenvolvimento da cidade ou de terceiros”, diz.>
Entre os amigos, a empresária Lara Cavalcanti já foi questionada sobre a situação. Ela é mãe de Pedro, 13, e Liz, 8, ambos alunos da escola. “Um amigo que perguntou disse que não via mal nenhum. Depois que expliquei, ele ficou ainda sem entender e discordava ainda mais da demolição”. Mas, para ela, há incômodo por parte dos moradores. “É triste, mas são pessoas que não conhecem a história e já estão ali para criticar, dizer que é um colégio elitizado. Porque já estão com falas prontas. Vi alguns comentários (na internet) falando que ia atrapalhar o helicóptero, que ia tirar a privacidade dos moradores. Mas e quantos prédios ao redor? O colégio não é perfeito. Tem seus defeitos e seus problemas, mas, nesse caso, não vi nenhuma justificativa”. >
Não é incomum que as pessoas tenham uma visão bem definida do que é o Helyos. Para a pedagoga Juliana Moraes, o colégio se tornou uma referência para muita gente - o que pode ser bom ou não. “A base é boa, mas a escola é conteudista. Os meninos precisam estudar totalmente. Isso é uma contribuição latente para a cidade”. >
Resultados >
Logo em 2001, quando a primeira turma de Ensino Médio foi formada no Helyos, os primeiros resultados começaram a aparecer. Vieram as aprovações em instituições pouco comuns até então na cidade, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Estadual de Campinas (Unicamp). Naquele início dos anos 2000, o Enem, cuja primeira versão foi criada em 1998, começou a divulgar o desempenho das escolas e o Helyos chegou a ficar entre os cinco melhores em todo o país. >
“Isso foi se cristalizando. Boa parte dos nossos professores do Ensino Médio vêm de Salvador. Nossa pretensão é sempre oferecer o melhor ao aluno e adotar uma pedagogia voltada para o mérito”, explica o diretor da escola, Teomar Soledade. >
As atividades implementadas incluíam rotinas com jogos de xadrez, jogos de raciocínio e, mais recentemente, com inteligência artificial e simuladores de voo. Nos anos 2010, a escola implementou o programa bilíngue e o programa internacional, que incentiva que os estudantes apliquem para universidades estrangeiras. Alguns exemplos famosos são o de Georgia Gabriela, que descobriu uma forma de diagnóstico mais barato para endometriose e foi aprovada na Universidade de Stanford (Califórnia), em 2015, e Pedro Aníbal, que conseguiu uma das maiores notas do mundo no SAT (o equivalente ao Enem americano), em 2021. >
“O que a gente fez na cidade é uma mudança total de paradigma. Antes do colégio, muitos alunos iam para Salvador para concorrer melhor no vestibular. Agora é o contrário”, acrescenta Soledade.>
Com o crescimento das atividades do colégio, contudo, uma ampliação do espaço físico era necessária. Daí vieram os anexos e, como consequência, a ideia de construir passarelas ligando os três prédios. Os equipamentos de 17 metros, instalados a nove metros de altura do chão, ficaram prontos em 2017. A escola afirma que decidiu construí-las depois que passou um ano esperando pela liberação das licenças, por parte da prefeitura de Feira de Santana. >
“Temos uma sala de aula só para fazer júri, por exemplo. Precisávamos de muito espaço para construir essas salas e a opção que nos restou foram os terrenos do outro lado da rua. Pedimos à prefeitura a licença para não deixar os alunos atravessarem a rua, pelo trânsito e por segurança física mesmo”.>
Teomar defende que as passarelas, do jeito que estão, não causam prejuízo à comunidade próxima. “Não dá para pensar em crianças atravessando a rua. As passarelas não incomodam ninguém. Até do ponto de vista estético, elas são uma coisa muito bonita”, argumenta. >
Justiça>
Houve polêmica na época e a administração municipal alegava que não tinha dado autorização para a obra. O caso foi parar na Justiça e, em novembro de 2021, município e escola assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que indicava que a situação seria resolvida. Ficou acordado que a prefeitura concederia as licenças e, como compensação à cidade, a escola pagaria pelo projeto de urbanização da Lagoa do Subaé (orçado em R$ 280 mil). >
Em caso de não cumprimento, foi estabelecida uma multa diária de R$ 5 mil para cada obrigação não realizada. No entanto, a prefeitura de Feira não emitiu as licenças e nem lançou edital de licitação para o projeto. Três anos depois, o MP-BA pediu a anulação do TAC. Em novembro do ano passado, o promotor Anselmo Lima Pereira afirmou que a ausência do MP na elaboração do TAC implicaria na nulidade do documento. Além disso, o promotor alegou que o órgão desconhece a existência de uma lei municipal que autorize a utilização do espaço público. Isso, contudo, foi contestado pelas outras partes, que se referiam à lei de uso do solo de Feira de Santana, aprovada em 2018. Já em 4 de junho deste ano, o juiz Nunisvaldo dos Santos acatou o pedido do MP e determinou a demolição das passarelas. >
Muitas cidades não têm leis que tratem especificamente da construção de passarelas de instituições privadas sobre ruas, assim como Feira de Santana não tinha, até 2018. Em Salvador, por exemplo, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) informou que não existe legislação específica sobre o tema e que os empreendimentos são analisados “levando em consideração o espaço privado no qual serão inseridos, de acordo com as legislações urbanísticas vigentes”. >
Mas há casos que são referência no Brasil. A cidade que tem mais passarelas de estabelecimentos privados é São Paulo, onde elas passaram a ser uma realidade no fim dos anos 2000. A maioria liga prédios de hospitais, como o HCor e o Albert Einstein, mas há algumas em shopping centers. >
Estudantes>
Hoje, o Helyos tem cerca de 700 alunos. O número é menor do que já foi um dia, devido à pandemia da covid-19. De acordo com o diretor Teomar Soledade, a instituição perdeu 40% da receita na época e ainda trabalha para retomar. >
“Na pandemia, enquanto muitos colégios faziam aula remota com alunos da educação infantil, nós nos negamos a fazer isso, porque, didaticamente, não teria nenhum valor. Criança não aprende assim”, diz. A maior parte dos alunos que saiu foi justamente da educação infantil. “Estamos trabalhando para retomar essa base, porque ficamos sem ela. É uma idade que o aluno vai para outra escola e termina ficando por lá. Por outro lado, a gente tinha que manter o quadro de professores, porque são professores especializados”, completa. >
A escola já foi abordada por mais de 10 grupos empresariais grandes, até a pandemia. Em Salvador, colégios tradicionais, como Anchieta, o São Paulo, a Gurilândia e o Módulo são exemplos de escolas locais que foram compradas por grupos maiores de outros estados ou até internacionais. O Helyos, por sua vez, continua administrado pelo casal Maria Luiza e Teomar - hoje com 76 e 77 anos, respectivamente. >
“Esses grupos que compram escolas têm um objetivo: aumentar o número de alunos, aumentar a receita e depois fazer o que eles chamam de oferta pública de ações. Educação é um investimento muito interessante, mas a longo prazo, por pessoas que conhecem e vivem a educação, porque exige acompanhamento permanente”, avalia. >
De acordo com ele, sem as passarelas, o Helyos não poderia mais funcionar, devido ao risco de fazer as crianças atravessarem as ruas. “Seria uma irresponsabilidade muito grande. Da mesma forma que não fizemos o ensino infantil online e perdemos por não fazer isso, (não funcionaríamos sem as passarelas)”. >
Um TAC poderia ser anulado, dependendo do processo, se houver alguma ilegalidade no acordo, segundo o advogado Vitor Soliano, professor da Faculdade Baiana de Direito. >
"Olhando para a resolução de problema, certamente a demolição seria a última medida. Se, em tese, a construção foi ilegal, teria que haver a demolição. Mas é possível manter a edificação chegando a um consenso sobre alguma providência a ser adotada. O TAC serve para chegar a esse consenso e esse tipo de situação é muito comum", afirma. >
Para o advogado Marcelo Abreu, presidente da comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Bahia (OAB-BA), uma demolição realmente é uma medida extrema, considerando que as passarelas estão lá desde 2017. "Na minha opinião, duas questões são relevantes. A passarela cumpriu e cumpre todas exigências técnicas e legais de segurança? E o Município, que tem o poder-dever de fiscalizar e aplicar medidas, apresenta algum fundamento legal para não conceder o uso do espaço público?", argumenta.>
O procurador-geral de Feira de Santana foi procurado, mas não respondeu aos contatos. Já o Ministério Público do Estado foi procurado, mas também não deu resposta aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem. >