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Carolina Cerqueira
Publicado em 23 de agosto de 2025 às 10:00
Depois de umas boas rodadas de bebida numa mesa de bar ou numa festa, o momento mais decisivo da noite não é a hora de pagar a conta. O ápice vem depois disso. É hora da pergunta: Vai para casa como? Se a resposta for “de carona, de táxi, de transporte público ou de aplicativo", vai ter um público que a aprove. Mas se a resposta for “dirigindo”, também vai... e aí está o problema. >
A Lei Seca (nº 11.705) completou 17 anos em 2025. O relatório publicado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) mostra que, de 2008 a 2025, 3,2 milhões de casos de direção sob efeito de álcool foram registrados no Brasil. >
Os casos seguem um padrão. O relatório da Senatran mostra que a maioria desses motoristas é formada por homens de 30 a 39 anos, com zero a 10 anos de habilitação. A maioria das infrações é registrada de madrugada, entre meia noite e 6h, aos sábados e domingos, com alta nos meses de fevereiro e dezembro, que compreendem o Carnaval e as festas de final de ano. >
As infrações ainda costumam ser associadas a cidades com maior presença de atividade noturna e eventos festivos. Lideram o ranking de capitais, em ordem: São Paulo (231 mil infrações), Brasília (198 mil), Rio de Janeiro (122 mil), Belo Horizonte (72 mil) e Salvador (55 mil). >
“Tem um perfil de pessoas. São homens jovens, de repente solteiros. Pode ser algo muito ligado a uma questão de status do carro. Motoristas que querem chegar com o próprio carro até o local. Vemos isso acontecendo menos entre homens casados. É o que eu observo no meu ciclo social”, contribui o ex-secretário de Mobilidade de Salvador e ex-superintendente da Transalvador Fabrizzio Muller. >
Um jovem de 25 anos que pediu para não ser identificado confessou que dirige sob efeito de álcool quando vai a lugares perto de casa ou que têm estacionamento fácil. “Eu prefiro ir com meu carro porque acho mais cômodo e não gosto de depender de aplicativo”, diz ele, que receberá o nome fictício de Rafael nesta reportagem. >
Rafael, que tirou carteira aos 20 anos, foi pego e multado em uma blitz este ano quando voltava de um restaurante acompanhado de uma mulher com quem havia tido um encontro. Naquele dia, sua tática usual de monitorar blitze por grupos de WhatsApp falhou. >
Outro jovem, de 28 anos, também compartilhou os hábitos de direção. Ele receberá o nome fictício de Lucas. Lucas tirou carteira aos 18 e diz que dirige quando bebe porque não quer pagar caro por transporte por aplicativo e não considera o transporte público satisfatório de noite e de madrugada. “Muitas vezes a soma do valor das corridas de ida e volta ultrapassa o valor que eu gasto no bar”, alega. >
Lucas só não escolhe dirigir quando vai para lugares distantes de sua casa e que têm no trajeto regiões com histórico de blitze ou então quando vai a um encontro com alguma mulher que não aprovaria a atitude de combinar álcool e volante. “Mas quando eu estou de transporte por aplicativo e não passo por nenhuma blitz, sinto que fui otário e que poderia ter ido de carro”, compartilha. >
Lucas conta que nunca foi pego, mas já passou por uma blitz quando tinha consumido álcool. Ligou a luz, abaixou o vidro e passou sem ser abordado. “Depois disso, fiquei seis meses sem dirigir depois de beber porque fiquei traumatizado, mas logo voltei a fazer isso”, confessa. >
Por fim, Lucas diz que não tem medo de causar acidente. “As ruas de Salvador de madrugada são desertas, não tem carro passando. É mais provável eu bater o carro em algum poste e aí eu mesmo me machuco. Quanto a machucar alguém, é mais provável que eu faça isso indo para o trabalho de manhã do que voltando de uma festa de noite”, argumenta. >
O presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Antônio Meira Junior, alerta que o estado de saúde do motorista é um dos principais fatores capazes de causar ou agravar sinistros de trânsito e que a atenção e a capacidade de tomada de decisões são elementos fundamentais para a direção. >
“A diminuição da capacidade de processamento de informações já começa com uma alcoolemia muito baixa. O álcool reduz a capacidade de percepção da velocidade e dos obstáculos, reduz os reflexos e reduz a habilidade de controlar o veículo. Além disso, diminui visão periférica e barreiras morais, junto com autocrítica. O condutor acaba fazendo o que não deveria ao volante, como a adoção de alta velocidade, negligenciando os riscos”, informa. >