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Donaldson Gomes
Publicado em 23 de agosto de 2025 às 05:00
A fome em Gaza é real. O cenário que já vinha sendo apresentado através de relatos e denúncias foi oficializado pela primeira vez na última sexta-feira (dia 22) pela Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com o relatório Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), que monitora a insegurança alimentar no mundo, há 500 mil pessoas em “condições catastróficas” na região. O documento descreve condições de fome extrema, miséria e risco elevado de morte. As autoridades das Nações Unidas afirmam que o cenário poderia ter sido evitado por Israel e acusam o governo de Benjamin Netanyahu de usar a fome para fins militares, como um crime de guerra. O governo israelense, que iniciou uma nova ofensiva militar na região esta semana, classificou o anúncio como uma “mentira descarada”. >
O relatório ressalta que a crise é “totalmente provocada pelo homem” e pode ser revertida caso haja acesso amplo e imediato à ajuda humanitária. O documento também prevê que, até o fim de setembro, a escassez grave se estenderá para as áreas de Deir al-Balah e Khan Younis. O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que o cenário em Gaza é “um desastre provocado pelo homem, uma acusação moral e um fracasso da própria humanidade”. Além das 500 mil pessoas em condições catastróficas, o relatório ainda aponta outras 1,07 milhão em “emergência”, a 2ª categoria mais grave da escala.>
Ele reforçou que Israel tem obrigações claras pelo direito internacional de garantir alimentos e suprimentos médicos à população. “Não podemos permitir que isso continue impunemente. O tempo de agir é agora”, declarou.>
O coordenador de emergências humanitárias da ONU, Tom Fletcher, disse que a fome em Gaza “deveria envergonhar o mundo” e que precisa levar a uma resposta urgente. Em apelo direto ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pediu a abertura dos pontos de passagem para a entrada de alimentos e suprimentos “na escala massiva exigida”.>
A nova avaliação foi elaborada por cerca de 50 especialistas de 19 organizações, que combinaram levantamentos por telefone, medições de circunferência dos braços de crianças para avaliar desnutrição e informações sobre mortalidade em um contexto sem dados oficiais confiáveis.>
Três critérios precisam ser constatados para que a situação de fome seja reconhecida oficialmente pelo padrão internacional: pelo menos 20% dos domicílios da área avaliada devem enfrentar extrema falta de alimentos, 30% das crianças precisam apresentar sinais de desnutrição aguda e duas pessoas a cada 10 mil devem morrer diariamente em casos não decorrentes de trauma. Outras regiões do enclave já se enquadram em pelo menos um dos fatores, mas não dos três simultaneamente. >
O IPC destacou que não conseguiu analisar toda a Faixa de Gaza. Rafah foi excluída por estar em grande parte despovoada e o norte do território por falta de evidências suficientes, embora a gravidade ali seja considerada “igual ou pior” à da Cidade de Gaza.>
O relatório alerta ainda para o agravamento de doenças, como diarreias, infecções respiratórias, sarampo e até pólio, favorecidas pela combinação de desnutrição, superlotação e falta de saneamento. A previsão é de que, mesmo com algum aumento na entrada de ajuda humanitária até setembro, a assistência continuará insuficiente diante das necessidades.>
Agências da ONU — FAO, Unicef, Programa Mundial de Alimentos e OMS — divulgaram um comunicado conjunto exigindo cessar-fogo imediato e acesso sem restrições para que a ajuda chegue à população. Segundo o texto, mais de 12 mil crianças já foram identificadas em estado de desnutrição aguda em julho, sendo que uma em cada quatro apresentava a forma mais grave da condição.>
O Ministério da Saúde administrado pelo Hamas afirma que 271 pessoas já morreram de fome ou desnutrição desde outubro de 2023, incluindo 112 crianças. A organização Médicos Sem Fronteiras relata que uma em cada cinco crianças atendidas em suas clínicas sofre de desnutrição severa ou moderada e denuncia que até hospitais têm dificuldade para alimentar pacientes.>
Israel, por sua vez, rejeita o relatório do IPC e acusa a organização de usar “dados parciais e enviesados” baseados em informações fornecidas pelo Hamas. O Ministério das Relações Exteriores israelense chegou a classificar o documento como “fabricado” e “parte de uma campanha de mentiras”, afirmando que já enviou cerca de 100 mil caminhões de ajuda a Gaza desde o início da guerra.>
Netanyahu tem insistido que a política de seu governo é evitar uma crise humanitária, acusando o Hamas de provocar deliberadamente a fome. Recentemente, o líder político afirmou que se o país estivesse implementando uma política de fome, “ninguém em Gaza teria sobrevivido após dois anos de guerra”>
Um outro relatório publicado nesta sexta, assinado pela Forensic Architecture (FA) e pela World Peace Foundation (WPF), concluiu que Israel aumentou a fome com o “modelo militar” de distribuição de ajuda — marcado pelas cenas de caos em centros de entrega de alimento, incluindo civis mortos a tiros. O relatório examinou dois modelos de distribuição de ajuda em Gaza, revelando como, desde 18 de março deste ano, Israel desmantelou o “modelo civil”.>