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A história do Amayo: após 17 anos fechado, prédio vai virar escola em Feira de Santana

Edifício foi construído para ser um apart-hotel, mas nunca foi ocupado e virou alvo de lendas na cidade

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 23 de agosto de 2025 às 05:00

O Amayo será a sede do novo colégio Gregor Mendel em Feira de Santana
O Amayo será a sede do novo colégio Gregor Mendel em Feira de Santana Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Visíveis até da entrada da cidade, os 14 andares do edifício Amayo, em Feira de Santana, poderiam ter sido um símbolo da expansão imobiliária no município. Com um design arrojado e totalmente espelhado, o prédio se destacava entre as construções da Avenida Getúlio Vargas, a principal via feirense. No entanto, projetado para ser um apart hotel e cogitado até para hospedar alguma seleção estrangeira na agora longínqua Copa do Mundo de 2014, o Amayo nunca foi ocupado.

Desde o lançamento oficial em 2008, o edifício não funcionou - nem como apart hotel, nem como condomínio normal e muito menos como hospital, como chegou a ser cogitado depois. Por 17 anos, o Amayo fichou fechado e virou quase um personagem. Logo começaram os rumores e as lendas: havia quem dissesse que o prédio não podia ser ocupado porque Feira não podia ter construções altas por um suposto lençol freático, mas também houve quem propagasse outros mitos por aí, como de que os materiais usados na obra não eram de boa qualidade e até de que o local era assombrado.

Agora, a história do prédio parece finalmente ter um desfecho: pela primeira vez, o Amayo deverá ser usado. A partir de 2026, o prédio será a sede do Colégio Gregor Mendel, que vai inaugurar sua primeira sede na cidade. Fundada em Salvador, a escola já tinha um curso pré-vestibular em Feira desde o início da década passada. No perfil @mendelfsa no Instagram, o colégio tem mostrado os bastidores da reforma para o próximo ano letivo e chegou a brincar com a fama do prédio para anunciar que o espaço será equipado por locais como teatro e quadra poliesportiva.

"Assombrado nada! O único barulho que vocês vão ouvir aqui é o som da transformação", diz a apresentadora em um vídeo que já tinha tido mais de 195 mil visualizações até a última sexta-feira (22). "Também falaram que não podia funcionar por conta da estrutura. Pois, temos arquitetos, engenheiros e tudo aprovado para receber nossos alunos", acrescenta.

"Eu fico contente em realmente dar uma função para aquilo. Como feirense, quero que a (Avenida) Getúlio Vargas cresça, para não ficar só sendo passagem para carro e ônibus. Agora, tem que habitar", avalia o arquiteto Luiz Humberto de Souza Carvalho, responsável pelo projeto inicial do Amayo, no início dos anos 2000.

O Amayo será a sede do novo colégio Gregor Mendel em Feira de Santana por Arisson Marinho

Construção

A novela do Amayo começou há quase 20 anos. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de Feira de Santana (Sedur), o alvará de construção é de 2004. O plano de seu idealizador, o empresário e ex-vereador Oyama Figueiredo, era criar um apart hotel de alto padrão. O nome do empreendimento é uma homenagem ao criador: ou seja, Oyama ao contrário.

Tinha apartamentos de diferentes tipos e tamanhos. E, apesar dos mitos de que não teria estacionamento, há sim vagas subterrâneas e rotativas, segundo o arquiteto Luiz Humberto de Souza Carvalho. "Foi um boato que surgiu à toa e o dono deixou levar isso para a frente. Mas considero que foi um bom projeto, muito bem localizado. Já teve várias tentativas de utilização. Tentaram vender para hotel, para hospital mesmo e assim por diante. Mas foi deixado praticamente pronto", acrescenta.

Em 14 de abril de 2008, a imprensa local noticiou o primeiro evento de lançamento, que teria contado com a presença de empresários influentes e políticos da cidade. No entanto, reportagens de 2011 mostram citam outra inauguração do prédio naquele ano.

"Ele teve vários lançamentos. Não sei o que houve com ele, porque não vingou. Não sei se não teve estratégia, não sei se o mercado não absorvia. Mas eu gostava muito do projeto e gosto até hoje. Ele causa impacto, porque tem um visual interessante e diferenciado na cidade. O Amayo é uma referência, porque você consegue ver desde o Anel de Contorno", afirma Carvalho, referindo-se à pista construída nos anos 1970. Naquela época, a área urbana de Feira ficava praticamente toda dentro da circunferência na Avenida Eduardo Fróes da Mota.

Ainda segundo o arquiteto, a estrutura original contava com pátio central e elevadores, além de uma piscina na cobertura. "Eles têm que ver o que vai sobrar para as áreas comuns. Fico contente de ver aquilo funcionar, mas, ao mesmo tempo, fico com um pouco de ciúme de não terem me procurado para continuar", brinca ele, que não está envolvido com as obras do colégio.

O Amayo foi projetado em uma época em que não existia AirBnB e que o setor hoteleiro em Feira de Santana era considerado carente, em comparação a outras cidades de porte semelhante, como Aaracaju e Campina Grande. Carvalho também rechaça os rumores de que a edificação tinha riscos ou de que o material não seria de boa qualidade.

"Um prédio desse, fechado esse tempo todo, lógico que tem um trabalho de dilatação. O Shopping Barra era feito com o mesmo material e teve muito mais (deterioração). O prédio (Amayo) era todo revisto de cerâmica Gail, com pouca coisa pintada. Os pisos de entrada eram de granito. As coisas eram todas boas. Nada ruim, nada armengado", enfatiza, citando a marca brasileira de cerâmicas que existe desde 1812.

Hospital

A partir de 2021, a imprensa feirense começou a anunciar que o Amayo seria transformado em um hospital. Naquele ano, o presidente do Grupo Nobre, Jodilton Souza, chegou a anunciar que tinha adquirido o prédio e que a unidade de saúde teia 16 andares, cada uma destinada a uma especialidade médica. "Tenho certeza de que, possivelmente em junho (de 2022), o Grupo Nobre vai inaugurar mais um grande empreendimento em Feira de Santana, que vai ser este hospital. Com certeza vai ser o maior e o melhor hospital do interior da Bahia", declarou, em um evento naquele ano, ao site Acorda Cidade.

O responsável pelo projeto do hospital foi o arquiteto Ivan Rocha, que assina outros importantes empreendimentos de Feira de Santana. Foi naquele momento que Ivan teve contato com o edifício. "O prédio já tem muito tempo ali construído, sem uso. Fizemos o projeto e foi aprovado pelo proprietário. Estava tudo certinho. Mas tivemos que abortar", lembra.

A ideia era de que fosse um hospital geral, inclusive com salas de cirurgia e Unidade de Terapia Intensiva. O problema é que a construção de um hospital tem especificidades que exigiriam mudanças na estrutura do prédio. "A questão dos pilares impedia a implantação de um hospital. Pilar não pode ser demolido, mas, para circulação de maca e essas coisas, ficou muito estreito. Outra questão era a implantação de um elevador para macas, que levaria ao rompimento de lajes", explica Rocha.

De acordo com ele, esses aspectos - e a consequente dificuldade para operar um hospital - foram o único impedimento. "Mas quanto a esse folclore de ter fantasma e de não ter estacionamento, é coisa de quem não conhece o prédio. Anos atrás eu fui ao lançamento dele, mas não tinha tido contato nenhum com o interior. Me surpreendi quando fui em 2022, porque tem uma estrutura muito bonita. O lobby é muito interessante. Esse conceito de rooftop contemporâneo, com piscina, ele já tinha. Era muito visionário", avalia.

O colunista e jornalista Ailton Pitombo acompanhou o que se falava sobre Amayo ao longo desses anos. Cansou de escutar sobre os rumores de o prédio ter sido construído de outra forma. "A gente achava que era um elefante branco e que não teve como dar prosseguimento ao projeto. A gente achava um absurdo ter essa construção edificada, esperando o que fazer na principal avenida de Feira".

Nesses 17 anos, ele chegou a se questionar se o prédio seria demolido. Para Pitombo, na época do lançamento, não houve tanto interesse de compradores por se tratar de um apart hotel. "A única pessoa que tinha se prontificado a alguma coisa foi justamente Jodilton (Souza, presidente do Grupo Nobre). Quando saiu essa notícia de que ele ia montar um hospital, a gente ficou aguardando para ver. Agora, estou vendo que se tomou uma iniciativa", comenta.

A esperada ocupação do prédio tem sido comemorada pelos feirenses. Para o arquiteto Ivan Rocha, era necessário dar destino ao prédio. "Ele está na principal avenida da cidade, então o uso é fundamental. Tem que ficar atento ao impacto que uma escola pode causar ali, mas como tem acesso pela rua lateral, esse estudo deve ter sido feito. Fora isso, é um prédio bonito e que merece ter a vida que nunca teve", completa.

O presidente do Grupo Nobre, Jodilton Souza, foi procurado, mas não teve disponibilidade para entrevista.

Escola

Em Salvador, o Colégio Gregor Mendel tem duas unidades - uma na Pituba, outra no Itaigara -, além do curso pré-vestibular. Desde o início dos anos 2010, o cursinho preparatório tem uma unidade em Feira de Santana, mas a chegada do colégio só foi anunciada nos últimos meses.

A página da escola no Instagram fez a primeira postagem no dia 2 de junho. Desde então, nas postagens, o grupo já anunciou que o colégio terá mais de 20 mil m² de área construída. Desse total, mais de mil m² serão destinados a laboratórios de química, matemática, física, ciências e redação. Nos comentários, moradores da cidade se dividiram entre comemorar a notícia e comentar algumas das lendas que envolvem o prédio.

"Falaram que esse prédio estava afundando e não tinha condições de alugar ou vender para ninguém. Mas que bom que esse mito acabou", publicou uma usuária. "Essa menina realizou meu sonho, que era entrar nesse prédio aí para ver como era dentro", disse outro, no vídeo em que a apresentadora mostra os bastidores da obra. "Menos um elefante branco em Feira de Santana", escreveu uma mulher.

A diretoria do colégio foi convidada a dar entrevista desde a terça-feira (19), mas não teve disponibilidade até o fechamento da reportagem, no fim da manhã desta sexta. Oyama Figueiredo, o construtor que idealizou o Amayo, não foi localizado pela reportagem. O espaço segue aberto.

Lençol freático que impediria construção de prédios em Feira é folclore, diz arquiteto

Quem mora em Feira de Santana já escutou, pelo menos uma vez, que a cidade tinha uma restrição a prédios altos: um suposto lençol freático que faria com que construções com muitos andares fossem inseguras. Isso, contudo, não passava de um ‘folclore’, segundo o arquiteto Neilton Dórea, conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

"Atuei em Feira por muitos anos e fiz muitos projetos de prédios relativamente altos lá. Feira sempre teve esse folclore, mas isso nunca foi um problema de construção. Claro que, se tem um lençol freático alto e um terreno que não tenha tanta resistência, tem que ter obras com mais cuidado e tecnologia", explica.

Até duas décadas atrás, quando o Amayo começou a ser construído, Feira de Santana tinha mesmo poucos prédios com mais do que 10 andares. Atualmente, contudo, a cidade já tem um aspecto mais verticalizado. "Nenhum prédio, até hoje, tem problema. Criaram essa lenda urbana, que não tem nenhum respaldo técnico para dizer que é real. Não sei se o problema (do Amayo) na época foi econômico, de estruturação de condomínio ou de construtora, porque deve ter tido algum problema desse tipo", pondera.

Se o terreno onde for construído for diferenciado - tipo massapê ou areia -, a construção vai ser diferente de uma construção num solo formado por elementos rochosos. "São diversas tecnologias possíveis e vai depender do terreno. Mas qualquer técnico sabe que tem que fazer furos diversos em um terreno para ver onde tem mais ou menos estabilidade. Qualquer projeto ou construção tem que ter estudo de solo em todo o terreno, porque pode ter diversidade de fundações", diz o arquiteto.

Embora os edifícios tenham aumentado, nos últimos anos, Feira de Santana continua crescendo horizontalmente, com o surgimento de mais condomínios de casas. "O pessoal prefere comprar casa, porque a casa você amplia", diz o arquiteto Luiz Humberto de Souza Carvalho.

Para ele, isso é motivado também pela facilidade para ampliar uma casa, em comparação a um apartamento. "É uma cidade com muitos condomínios de casas. Mas, de certa forma, você amplia também os problemas. Se você horizontaliza uma cidade, também significa que está prolongando os problemas dela para a administração", avalia.