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Donaldson Gomes
Publicado em 27 de julho de 2025 às 05:00
A cerimônia de posse da empresária Isabela Suarez como presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB) vai acontecer na próxima segunda-feira (dia 28), mas ela já está em casa na mais antiga entidade de representação empresarial do Brasil. Na última quinta-feira (dia 24), a nova presidente recebeu a reportagem do CORREIO para uma entrevista e deixou claros os seus objetivos à frente da entidade. >
Em meio aos preparativos para a posse, a empresária fez questão de apresentar o prédio histórico, de uma ponta à outra. “A partir daqui tudo já foi mar”, aponta em determinado trecho do subsolo. Mais adiante, mostra fotos históricas, como uma da guarda do comércio, grupo que chegou a ter 200 homens, mantido pela ACB até meados da década de 1950 e tinha poder de polícia no Comércio. >
Recuperar o prédio histórico, de 1811, é uma das prioridades e os primeiros passos já foram dados com um convênio para a captação dos recursos necessários, estimados entre R$ 15 e R$ 20 milhões. Reforçar a importância da atividade empresarial para a sociedade, também. Mas o grande legado que a segunda mulher a presidir a ACB pretende deixar ao fim do seu mandato é outro. “Se ao deixar a presidência eu tiver contribuído para que o setor produtivo seja ouvido antes das decisões do poder público, minha missão terá sido cumprida”, avalia.>
Quem é >
Isabela Suarez é empresária, formada em direito. É presidente da Fundação Baía Viva, organização social que há 25 anos trabalha pela preservação e revitalização turística da Baía de Todos-os-Santos. É considerada uma das grandes autoridades quando o assunto é Baía de Todos-os-Santos. Antes de assumir a presidência atuou como vice-presidente do Núcleo de Sustentabilidade Empresarial da Associação Comercial da Bahia (ACB).>
O que representa a sua chegada à presidência da Associação Comercial?>
É uma reunião de sentimentos maravilhosos. Antes de qualquer coisa, representa uma preservação da tradição, porque como eu já disse eu tenho uma história com a casa. Meu avô, Manuel Meijon, imigrante espanhol foi um grande associativista e participou como presidente ou colaborador de várias instituições na Bahia. Mas eu destaco a inovação também, porque eu sou uma liderança conectada com os novos tempos. Além da minha condição de mulher, a segunda em 214 anos. Eu acho que é ao mesmo tempo a preservação da tradição com inovação. >
Você chegou ao ápice da sua trajetória, ou este é mais um passo?>
Eu diria mais um passo porque sempre queremos continuar crescendo, mas é também o ápice porque eu chego a este cargo com entregas muito significativas. Sempre tive essa preocupação de entregar o máximo possível. Sempre estive na Fundação Baía Viva, primeiro como colaboradora, depois como presidente. Colaboro com a organização social desde 2008 e fui convidada a me juntar à Associação Comercial a partir de um portfólio de ações para o segmento turístico. Então, cheguei aqui com entregas, resultados efetivos. Por isso que eu considero este momento confortável, mas realizador e gratificante. É a consolidação de um trabalho que faço há muito tempo, mas a condição humana me coloca em um lugar de querer sempre mais e mais. Nunca imaginei ser presidente da ACB um dia, vou me concentrar no mandato, que dura dois anos, tentar fazer o melhor por esta casa e entregar o que eu tiver de mais valioso e tudo o que estiver ao meu alcance para o setor produtivo baiano. >
Quais serão as suas prioridades?>
É difícil reunir em um vetor só, mas construímos um planejamento estratégico baseado em três diretrizes. A primeira delas é a recuperação nos locais que forem necessários do nosso palácio histórico. Hoje temos um acervo de documentos e mobiliário que conta a história econômica do Brasil e do desenvolvimento do nosso estado. O Brasil foi discutido aqui dentro. A primeira bolsa de valores do país funcionou aqui. Todas as commodities que hoje são o principal produto de exportação brasileiro foram discutidas e precificadas aqui. Aqui aconteceram as transições da cana para o cacau, do cacau para o petróleo. O documento que oficializou a criação do Polo Industrial de Camaçari foi assinado aqui. Acredito que é uma entrega importante para o povo baiano e a cidade de Salvador. Além disso, vamos reforçar os serviços que já são oferecidos pela casa para o setor empresarial. Muita gente não conhece, mas temos aqui o certificado digital, certificado de origem, declaração de exclusividade... E vamos conversar com instituições do poder público para ampliar estes serviços, no que for efetivamente possível para trazer renda e ajudar o empresário a desburocratizar. O terceiro ponto é que vamos reforçar o nosso papel como instância de articulação para o empresário, nos colocando sempre à disposição para ver no que o empresário precisa ser ajudado. Isso é o que a associação sempre fez e precisa continuar a fazer. Se ao deixar a presidência eu tiver contribuído para que o setor produtivo seja ouvido antes das decisões do poder público serem tomadas, minha missão terá sido cumprida.>
Existe uma ideia muito forte no turismo de que a gente ama e cuida daquilo que conhece. Está nos seus planos abrir mais a ACB para a sociedade como um todo?>
A entidade já tem diversas iniciativas neste sentido. A gente não restringia a nossa atuação apenas para os empresários. O resgate desta parte histórica vai fortalecer ainda mais isto. Ao recuperar o palácio, teremos a possibilidade de mostrar ao povo baiano um pouco da construção do Brasil. Eu acho que a gente cumprirá esta função se colocarmos efetivamente em prática o projeto de recuperação. Isso além de outras ações que não ficarão restritas ao setor empresarial. Nós temos uma característica muito interessante que é a da transversalidade. A gente leva o nome de comércio, mas não significa que nossas pautas se restringem apenas a um setor, ou mesmo apenas à atividade empresarial, embora nossa atuação seja de fato voltada a apoiar o setor produtivo. Somos uma casa transversal. Com a recuperação do palácio, teremos a possibilidade de convidar escolas, alunos da rede pública e a população de forma geral um pouco da história do Brasil. >
O momento atual é desafiador para o setor produtivo. Internamente vemos notícias de medidas como a elevação do IOF e no cenário externo o tarifaço de Trump está perto de entrar em vigor. Como você pretende usar a força da ACB para defender os interesses do setor produtivo?>
O momento é realmente desafiador por várias razões. A gente vem fazendo um movimento de reconstrução do prestígio da casa desde 2020, com a eleição de Mario Dantas. Eu sou parte de uma construção coletiva iniciada lá. O primeiro desafio é reagrupar o setor empresarial, só assim conseguiremos ser uma instância de articulação empresarial. A gente percebe hoje um cenário muito fragmentado. Nós temos as federações, que são muito focadas em desenvolver capacitações, promovendo a formação técnica e a defesa dos interesses de cada setor, mas quem sempre defendeu o setor produtivo como um todo foram as instituições independentes. Além disso, com o tempo, houve uma fragmentação, os empresários se reuniram em grupos próprios, que hoje se tornaram basicamente clubes de relacionamentos. Não que os clubes de relacionamento não sejam importantes, mas a gente precisa ter uma instituição que fale das feridas e das dores do empresariado como um todo. Precisamos reagrupar, porque hoje está fragmentado. Só vamos ter voz assim. E aí, vamos utilizar o nosso prestígio para articular, sempre na civilidade, com o perfil que sempre foi da Associação, dialogando, com dados e fatos. Enfrentar as desigualdades e oferecer um ambiente mais digno significa fortalecer a atividade empresarial. >
Como você avalia o ambiente de negócios no Brasil e qual é o maior desafio?>
Eu acho que o grande desafio é a gente superar a insegurança jurídica. Para que a gente se torne uma nação atrativa para a atividade empresarial, precisamos apresentar previsibilidade. Por exemplo, se você decide fazer a implementação de um empreendimento hoteleiro, vai passar muito tempo aguardando uma licença. Aí depois de dez anos, a sua licença é cassada, suspensa ou embargada. Isso afasta o empresário. Temos que olhar para este ambiente com muito cuidado. O empresário vai onde tem previsibilidade e onde sabe que será bem tratado. >
Por que o brasileiro enxerga o empresário de forma tão negativa?>
Este é um desafio. A classe empresarial é sempre vista com desconfiança, temos tentado quebrar isso. Eu acho que o caminho é informação, explicar melhor o que é a atividade empresarial, mostrar o papel que as empresas exercem. Um ambiente sem empregabilidade, onde as pessoas não tenham autonomia financeira, acaba se tornando um ambiente de pobreza. Quem é o agente capaz de quebrar isso, de fazer com que um cidadão em situação de vulnerabilidade tenha renda e acesso ao crédito? É o empresário. A gente tenta fazer esta construção, que sempre foi reverberada, mas é algo ainda muito forte na cabeça dos brasileiros. >
O Comércio já não é mais o bairro que concentra a atividade empresarial. Qual é o futuro desta área?>
Esta é a pergunta que temos nos feito continuamente, é um tema sobre o qual estamos nos debruçando bastante. Veja, uma cidade com vocação turística como a nossa, precisa prestigiar a sua história. Eu acredito que precisa ter um olhar mais atento das autoridades, porque este bairro foi construído com as premissas de outro século e as demandas de hoje não são mais as mesmas. Um exemplo disso é o trânsito e a mobilidade urbana. Preservar a história requer atenção para não acontecer o que estamos vivenciando hoje, um afugentamento das empresas para outros locais por razões diversas. Mas nós somos otimistas e, como instância de articulação, estamos vendo boas iniciativas, como o projeto Renova, de autoria da Prefeitura Municipal de Salvador, que incentiva e dá créditos a empresários que quiserem vir para cá. Tem aspectos básicos que precisam ser superados, para que o Comércio não se torne um bairro fantasma. Eu destaco a segurança pública. É muito importante que os órgãos da administração pública ocupem a região para que este bairro se mantenha vivo. O futuro depende da atenção e do entendimento deste bairro como um ativo turístico e histórico. >
Você tem uma trajetória conectada com as discussões sobre sustentabilidade. Quais os desafios desta pauta?>
Eu sempre fui uma defensora da preservação aliada ao desenvolvimento, porque entendo que uma população carente e sem acesso a renda não pode dispensar a oportunidade de usar os recursos naturais com inteligência e de forma sustentável. Não é justo que todos os recursos que o Brasil tem sejam simplesmente desprezados em função de uma militância que quer manter as pessoas num retrocesso. Esta é uma posição muito firme que eu tenho e já cheguei à ACB com esta postura. Uma coisa que merece destaque, e que iremos fazer muito mais, é o apoio aos municípios em relação ao licenciamento ambiental. Defendemos uma descentralização da política ambiental. Uma política ambiental mais efetiva precisa ser mais descentralizada. Hoje já somos um braço para municípios que queiram melhorar seu corpo técnico e sua governança nesta área. Quando um município tem uma secretaria saudável, certamente isto vai ajudar o setor produtivo. Quanto melhor for a política pública, menores serão os problemas com a preservação do meio ambiente, crescimento desordenado das cidades e aumento de pobreza. >
Quais são as maiores dificuldades dos municípios?>
Desconhecimento, carência de recursos para formar uma boa equipe técnica e a propagação de fake news. Criamos inclusive um corpo técnico para desmistificar algumas coisas. Neste mundo de redes sociais, em que se diz qualquer coisa sem nenhum embasamento técnico, a casa vai funcionar como uma instância de racionalidade, com equipes para esclarecer tudo. >
Qual é o legado que você pretende deixar na ACB?>
A recuperação absoluta do palácio e a consolidação absoluta deste trabalho de conscientização sobre a importância do empresário. Quem produz precisa ser mais ativo na definição de políticas públicas. Se eu sair daqui percebendo que esta compreensão foi alcançada, terá sido um trabalho muito gratificante. Esse trabalho de resgate do prestígio empresarial é muito importante para o Brasil, precisamos trabalhar bastante esta compreensão. Nós podemos ajudar mais, queremos ser consultados. Nossa classe acaba sendo um instrumento na execução de diversas ações. Se ao final do meu mandato eu tiver conseguido essa compreensão, cumpri o meu dever. >