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Thais Borges
Publicado em 23 de junho de 2025 às 05:00
Logo que começou a produzir os kits de quitutes juninos que vende todos os anos, a confeiteira Lilian Mariah notou a diferença nos preços dos insumos. “O que mais subiu foi o amendoim. Preferi não trabalhar com ele, porque a qualidade não está boa e o preço está alto”, avalia ela, que é responsável pelo ateliê que leva seu nome. >
Não se trata apenas da percepção dela. Em comparação ao ano passado, a ceia junina ficou mesmo mais cara graças a pelo menos dois itens - além do amendoim, o coco também teve o maior crescimento no preço, segundo o boletim de preços do Centro de Abastecimento da Bahia (Ceasa-BA). >
Enquanto o cento do coco seco médio era vendido, em média, a R$280 em 17 de junho de 2024, o valor máximo chegou a R$500 um ano depois, na pesquisa feita no dia 16 de junho de 2025. A média foi de R$450 pela mesma quantidade - o que corresponde a um aumento médio de 60%. Já a saca com 25 quilos de amendoim com casca ficou por R$380 este ano (sem variações para mais ou para menos), num aumento de 15% em comparação à média de R$330 do ano passado. >
Por outro lado, outros dois ingredientes importantes para a maioria das receitas ficaram mais baratos este ano: o aipim e a laranja. Enquanto a saca de 30 quilos saía por um preço médio de R$80 no ano passado (também sendo este o valor mais alto), a mesma quantidade agora provavelmente vai custar a R$ 60, ainda que possa ser encontrada numa variação que vai de R$50 a R$100. Já 25 quilos de laranja pera eram vendidos por R$65 no ano passado e agora estão custando R$40.>
O milho, que é considerado o principal alimento da festa, não teve muita variação. O preço médio para o cento continua sendo R$80. Contudo, no ano passado, era possível encontrá-lo por até R$60. Este ano, o mínimo também é de R$80, mas há quem venda por até R$100. >
A variação de preço desses insumos costuma ser multifatorial, sendo a produção apenas um desses aspectos, como explica a superintendente de disseminação de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mariana Viveiros. >
“Tem uma série de outros fatores, como a própria sazonalidade, que muitas vezes favorecem o aumento de preço. Vai ser um produto bastante demandado, que as pessoas vão querer comprar num determinado momento. Quando os comerciantes sentem que existe margem para aumentar o preço, porque você tem uma situação econômica um pouco melhor e as pessoas estão um pouco mais de renda, então há espaço para o aumento de preço”, pondera. >
Produção>
No entanto, no caso específico dos produtos da ceia junina, há também uma relação com a produção. De acordo com o IBGE, tanto a laranja quanto a mandioca tiveram previsões de aumento de safra, tanto na Bahia quanto nacionalmente, em outros estados produtores. A Bahia é o quarto maior produtor de laranja e o sexto principal produtor de mandioca do Brasil. A previsão de crescimento na safra é 4,9% para a laranja e 6,6% para a mandioca. >
Na Bahia, a variação positiva da laranja é menor - de apenas 0,3%, alcançando 632 mil toneladas. Na mandioca, contudo, o aumento frente a 2024 é o maior, entre os produtos pesquisados anualmente pelo órgão federal. Serão 14,7% a mais do que no ano passado, com a previsão de chegar a 907 mil toneladas em 2025. >
“Todos os principais produtores de laranja estão com previsão de aumento e, no caso da mandioca, só São Paulo, que é o terceiro maior, não tem previsão de crescimento. O crescimento da produção favorece, de alguma forma, preços mais baixos porque você tem produto em oferta no mercado”, acrescenta Mariana. >
Entender o amendoim, porém, é mais complexo do que apenas observar a produção, já que há uma previsão nacional de maior safra. Na Bahia, deve haver uma queda considerada discreta: de 3.799 toneladas no ano passado para 3.793 este ano. Na avaliação dela, não é um número que, sozinho, justifique o aumento de preço. Outros estados, como São Paulo, que é quem mais produz, tiveram safras até 30% maiores agora.>
"Pode ser que tenham outros fatores aí interferindo de forma mais importante a própria sazonalidade, como perdas que os produtores tenham tido em anos anteriores, que estão de alguma forma tentando compensar. É possível que, diante de um cenário econômico mais favorável, de menos desemprego, de mais renda, se esteja buscando compensar anos anteriores que não foram tão positivos para o amendoim", analisa Mariana. >
O milho verde, por sua vez, já era esperado algum aumento, ainda que pequeno. No início do mês, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda, explicou ao CORREIO que houve uma estiagem no período do plantio em parte das cidades produtoras. A Bahia é o quinto estado que mais produz milho verde no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). >
“O milho do São João é plantado no mês de março. Nessa época, estávamos passando por um ‘veranico’, com boa parte do semiárido sem chover. Na região de Irecê, por exemplo, que produz bastante milho, o pessoal estava passando pela seca e não teve milho. Pode ser que tenha um pouco de dificuldade, que o preço suba um pouco pela demanda, mas nada que vá faltar milho no mercado", pontuou, na ocasião. >
Mudanças >
O coco, contudo, foi o que mais assustou os consumidores. Se até poucos anos atrás a Bahia era o maior produtor de coco seco do país, hoje, o estado reduziu bastante o plantio e já não figura entre as primeiras posições, segundo entidades do setor. >
“A gente tomou um susto com o valor do coco, que praticamente triplicou o valor", conta o chef confeiteiro Deyvis Nascimento, da CamuCaju Confeitaria. Ele chegou a pedir que a mãe comprasse em sua cidade natal, Cipó, e enviasse congelado para Salvador. Lá, um coco ralado estava custando R$2,50 contra R$10 na capital. “Só que acabou e a gente teve que comprar mais aqui e isso impactou tanto que a gente teve que aumentar o preço dos bolos e foi sentido por alguns clientes", conta. >
Este ano, a marca teve que reajustar os preços finais dos bolos em 17%. “A maioria dos bolos leva coco e é um ingrediente que a gente usa muito nesse período. Alguns clientes sentiram, tanto do coco quanto do amendoim". >
A confeiteira Lilian Mariah também aponta o coco como um dos maiores impactos que sentiu. Ela estima que, a depender do produto, teve que aumentar o valor dos produtos em até 10% e também teve que fazer outros ajustes. >
“Mantive a qualidade dos bolos, mas não investi na decoração. Antigamente, tinha embalagem, fita, essas coisas. Agora, se o cliente quiser a embalagem decorada, tem que pagar a mais. Os clientes estão sentindo e alguns até comentam, até porque eu faço algumas promoções e, esse ano, não consegui manter”, diz ela, que trabalha com menu junino há 20 anos. >
Já os produtos que caíram de preço na Ceasa, como a laranja e o aipim, ela não notou a redução. “Se teve redução, não repassaram para a gente, porque continuam os mesmos do ano passado”. >
Mesmo para quem vai fazer a ceia em casa, para a família, não deixou de perceber o aumento. A bioquímica Sônia Reis, 78 anos, identificou até um aumento entre as cidades. Conseguiu encontrar um quilo de carimã em Salvador, onde mora, por R$13, mas, em Feira de Santana, onde foi passar o feriado, estava por R$7. >
Para baratear os custos, uma dica que ela adota às vezes é comprar nos últimos dias. “Minha irmã foi na feira de Água de Meninos ontem (sábado) e já estava mais barato do que na quarta-feira. Como já estava quase na véspera, ela achou carimã para mim por R$9”, contou, quando conversou com a reportagem neste domingo (22). >
Ela fez o bolo de carimã e o de aipim no sábado, mas planejava fazer arroz doce, bolo de tapioca e bolo de milho verde no domingo. “Acho que, se for para comprar amanhã (segunda), o milho provavelmente vai baratear um pouquinho mais, assim como o amendoim, que ficou muito caro. Como já vai ser véspera de São João, eles não vão guardar para depois”, sugere. >
Ainda assim, ela não deixa de fazer os quitutes. “Como é tradição e somos só nós da família, não deixo de fazer. Minha mãe fazia, minha avó fazia. Cada festinha tem que ter aquilo que faz parte dela. É uma forma de fazer um dengo para a família”. >