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Moyses Suzart
Publicado em 11 de outubro de 2025 às 05:00
Não, não bate onda. Na nova moda dos famosos, até o cogumelo se tornou um suplemento tentador e quase milagroso: mais foco, energia, memória afiada e até reforço para a imunidade. É como comer aquele cogumelo do Mário Bros e ficar grandão sem medo. Os complexos nutricionais feitos com cogumelos medicinais têm ganhado cada vez mais espaço no mundo todo. No Brasil, a comercialização ainda é tímida, mas está ganhando força, principalmente quando alguns famosos, como a ex-modelo Gisele Bündchen, resolveram aderir aos cogumelos e alegam o milagre do bem-estar. Claro, resolvemos experimentar também… >
Tudo que é prometido chega a ser um convite irrecusável para quem trabalha, estuda e tenta lutar contra a preguiça na tentativa de ter uma vida minimamente saudável e fitness. Nos sites de compra, há um cardápio imenso de produtos do gênero e de diferentes espécies. Obviamente, não temos a beleza da top model Gisele Bündchen, tampouco sua conta bancária. Ela, em suas redes sociais, mostra o produto da marca Gaia Herbs, que custa, em média, R$ 360. Escolhemos uma marca com a mesma promessa, mas pagando R$ 169, o chamado Life Pro. Uma promoção no Mercado Livre dava R$ 60 de desconto, o que tornou ainda mais convidativo. >
A escolha foi o cogumelo juba de leão, que promete foco, memória e saúde do cérebro. Desde 2023 Bündchen utiliza cápsulas de compostos do cogumelo Lion’s Mane Mushroom, o nome em inglês. “Há algum tempo que tomo e ele realmente me ajuda na concentração e a aumentar a minha energia”, garante Gisele. >
Contendo 90 cápsulas, o “manual de instrução” sugere duas pílulas por dia. Foram pouco mais de duas semanas utilizando a juba de leão. No terceiro dia, algumas mudanças foram perceptíveis, principalmente na disposição para fazer as coisas. Nos estudos, a concentração melhorou, assim como o aspecto intelectual na parte criativa. Contudo, nada absurdo. Como usava pela manhã, o efeito começava a ser perceptível depois das 10h e era possível sentir um pique até 18h. Não dava nem vontade da soneca pós-almoço. >
Nos estudos, foi possível perceber a produtividade em números. Antes do terceiro dia de uso, a média era assistir duas aulas online de especialização, com uma hora cada. No terceiro em diante, conseguia acompanhar cinco videoaulas, sem cansar as vistas e assimilando bem os assuntos. >
Outro ponto importante foi a falta de preguiça na hora de praticar exercícios físicos. Deu até vontade, inclusive. Consegui correr uma média de três quilômetros a mais do que de costume. Como faço assessoria esportiva, algumas pessoas perguntaram o motivo de tanta agitação, se estava tomando alguma coisinha diferente. Mas não batia onda, repito, viu. Só me deixou mais agitado e até conversador. Também não adianta achar que melhora o desempenho. Mantive o famoso pace fofoca na velocidade da corrida. Só o pique melhorou, mas o desempenho foi o mesmo. >
O que também chamou atenção foi a queda de energia após 12 horas de uso do produto. É como se o tanque de energia entrasse na reserva de forma súbita. O cérebro começa a cansar, uma sensação de exaustão toma conta, além de um sono descontrolado. É o corpo querendo desligar. Também foi possível perceber uma dificuldade de acordar cedo. Antes do cogumelo, o meu despertar era por volta de 6h30. Com ele, só conseguia acordar depois das 8h, justamente na hora de tomar café e voltar a tomá-lo.>
Não foi possível sentir dependência do produto. Mas, depois de 10 dias com ele, fui sentindo que aquele pique do início foi diminuindo. Contudo, manteve uma boa produção. Um ponto fora da curva também foi o aumento do apetite. À noite, queria comer até o concreto da cozinha. O resultado? Ganhei quase dois quilos nesta brincadeira. Mas é bom ponderar, pois a experiência aconteceu num período em que consumimos o tradicional caruru, que pede uma coquinha, que acaba na cervejinha. Exagerei algumas vezes.>
Por se tratar de um produto natural, orgânico, 100% vegano e sem glúten, fizemos a experiência com segurança. Mas o produto não é recomendável para gestante, criança ou quem tem alergia a cogumelos. É sempre bom consultar seu médico ou nutricionista antes.>
“Assim como qualquer outro suplemento, o consumo destes produtos sem a prescrição pode ocasionar reações alérgicas, interações com medicamentos, toxicidade por excesso, agravamento de condições de saúde preexistentes, e ausência de garantia sobre a segurança do produto devido à grande variedade de espécies de cogumelos. É imprescindível a prescrição do nutricionista ou médico para a garantia da segurança”, garante a nutricionista Renata Oliveira, professora do curso de Nutrição da Unijorge e doutora em ciência de alimentos.>
Renata também recomenda cogumelos frescos, in natura, do que algum processado, mesmo que naturais. Contudo, é preciso saber o que está consumindo. “Nenhum produto processado substitui os alimentos in natura, devido às perdas de nutrientes, contaminações, mesmo que apresentem o ‘rótulo limpo’”, disse a doutora, que também indica como escolher um produto natural.>
“É importante sempre consumir apenas cogumelos comestíveis e frescos. Deve-se ter atenção ao selecionar e evitar os que apresentam sinais de mofo, manchas ou odor desagradável, e atenção à higiene e ao teor de sódio dos cogumelos em conserva. Como nem sempre é possível garantir os cuidados referidos, é interessante que pessoas com imunidade debilitada, grupos de risco, indivíduos que fazem uso de anticoagulantes, evitem, se não tiverem confiança quanto à procedência e o preparo”, completa. >
O cogumelo juba, entre outros cogumelos, são comestíveis e possuem compostos que prometem tudo que já foi citado aqui. Boa parte dos consumíveis que apontam uma tendência para habilidades motoras e intelectuais precisam de certo manejo para se tornarem o suplemento prometido. >
No caso do juba de leão, os compostos Hericenonas e Erinacinas são as promessas para turbinar o cérebro e o pique para enfrentar o dia a dia. Mas nosso corpo não consegue pegar todo seu poder. É aí que entra a manipulação. Os fabricantes prometem extrair estes componentes, utilizando técnicas que envolvem até álcool. O suplemento que escolhemos tem outros cinco cogumelos disponíveis para a venda: Reishi, Cordyceps, Chaga, Turkey Tail e Maitake, cada um com sua característica peculiar. Eles podem ser vendidos em cápsulas, pós e extratos líquidos.>
O Reishi é associado ao fortalecimento do sistema imunológico e ao combate ao estresse, enquanto o Cordyceps ganhou fama entre praticantes de atividade física pela promessa de maior energia e resistência. Mesmo assim, este ano a Anvisa proibiu a comercialização de alguns produtos da marca Mushdrops, por não atender às exigências do órgão regulador. Todos os lotes com os cogumelos foram retirados de venda, mas ainda é possível encontrá-los no Mercado Livre e Shopee. De acordo com a Anvisa, os produtos vinham sendo comercializados como medicamentos.>
Os suplementos de cogumelos medicinais que utilizamos não são proibidos nem controlados pela Anvisa ou pelo Ministério da Saúde porque se enquadram na categoria de alimentos e suplementos alimentares, e não de medicamentos. De acordo com uma resolução do próprio órgão, produtos como fungos com histórico de consumo seguro podem ser comercializados sem necessidade de prescrição médica, desde que não contenham substâncias com efeito farmacológico, psicoativo ou tóxico. No caso dos cogumelos funcionais, como o juba de leão, suas formulações utilizam extratos naturais sem psilocibina, justamente o composto que ‘bate onda’. >
Segundo o farmacêutico Gibran Sousa, diretor do Sindifarma, é fundamental compreender que os suplementos naturais, como os feitos a partir de cogumelos, não se enquadram na mesma categoria dos medicamentos. “O medicamento tem um propósito claro de tratar ou prevenir uma condição e passa por estudos clínicos controlados, com doses definidas e indicações específicas. Já o suplemento atua mais como um complemento, que pode auxiliar o organismo, mas sem a pretensão de substituir um tratamento”, explica. >
Pesquisas recentes apontam potenciais efeitos neuroprotetores de diversos tipos de fungos, incluindo os cogumelos, como antioxidantes e até regenerativos sobre células nervosas, levantando a hipótese de benefícios para memória, foco e concentração, como já mencionamos. Ainda assim, os estudos em humanos são pequenos e insuficientes para comprovar todas as alegações, apesar do avanço sobre descobertas de benefícios dos fungos, principalmente em tratamentos da saúde mental. Ainda assim, a ciência ainda não chegou a bater o martelo sobre tais benefícios, ao menos nos dois principais aspectos dos suplementos: foco e saúde. >
“Nenhum desses suplementos tem comprovação científica dos seus efeitos, significando que os poucos estudos são pequenos e sem qualidade metodológica que possa sustentar a sua utilização, dentro da lógica do uso de medicamentos com evidência científica dos seus efeitos”, revela o psiquiatra Esdras Cabus Moreira, coordenador do CETAD, da Ufba, se referindo ao uso como suplementos. >
No fim das contas, os cogumelos funcionais ocupam um espaço curioso entre ciência em andamento, tradição milenar e marketing moderno. Se para Gisele Bündchen o Lion’s Mane se tornou um aliado de energia e concentração, para o público em geral ainda prevalece o convite à reflexão: até onde vai o real benefício comprovado e onde começa o poder da influência cultural e do desejo coletivo por soluções rápidas para os dilemas de uma vida acelerada? Eu senti a diferença. Talvez até prolongue um pouco mais o uso. Vamos ver onde vai dar?>
Tipos de cogumelos utilizados em suplementos