Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Thais Borges
Publicado em 17 de maio de 2025 às 05:00
Bolo de chocolate, brownie e ganache de chocolate meio amargo. Essa era a receita de uma das guloseimas preferidas do administrador Mário Costa, 53 anos: a famigerada torta Black, da Doces Sonhos. A lembrança ainda é forte de quando ia às lojas até uma vez por semana. Por isso, o fechamento da única remanescente da doceria, nos últimos dias, o pegou de surpresa. >
"Fui duas vezes na loja da Rua Pernambuco (na Pituba), na semana passada e na semana retrasada, na tentativa de encontrar a torta black e não tinha. Estava bem fraco e acabei saindo sem consumir nada. Parecia fim de festa", disse, quando conversou com a reportagem na última terça-feira (13). >
De fato, a loja da Rua Pernambuco, uma das mais antigas da Doces Sonhos (ao lado da filial da Rua Paulo VI, também na Pituba), parece ter se despedido dos clientes nesta semana. O CORREIO esteve no local em três dias diferentes, durante o que seria o horário de funcionamento da loja, e o espaço estava fechado em todas as ocasiões. No Ifood, onde o delivery funcionava até recentemente, também não está mais disponível, assim como o telefone divulgado não responde mais aos contatos. >
Sem uma despedida oficial até então, a Doces Sonhos parece ter encerrado um capítulo de uma história que marcou a memória afetiva de baianos e ajudou a moldar a cultura de ‘tortas’ que é tão forte em Salvador - seja com as tortas bolo, seja com as versões salgadas. >
Nas redes sociais, o perfil do Instagram da marca ainda indicava, nesta sexta-feira (16), que a loja da Rua Pernambuco continuava operando. No entanto, nos comentários das postagens mais recentes, clientes questionavam o possível encerramento. "Gente, por que está fechando? A melhor doceria. Estou em choque. Sou cliente assídua. Vilas fechado, Paralela fechado, Paulo VI fechado. Reformulem e reabram, por favor", escreveu uma usuária da rede social. "Tiraram do cardápio as melhores tortas, estão fechando as lojas... Nós amamos a Doces Sonhos, o que está acontecendo?", postou outra mulher.>
Histórias>
Em Salvador, não é incomum que as pessoas elejam uma confeitaria como sua preferida. Na família da médica Lizy Morais, 29, esse posto era da Doces Sonhos há nove anos, quando conheceu a marca. Moradora de Feira de Santana, foi apresentada à doceria pelo marido. "Tem um valor sentimental para mim porque foi quando eu comecei a namorar meu esposo, em 2016. Em Feira, não tem Doces Sonhos. E eu gostei muito do bolo, em especial de Ninho com Nutella", lembra, citando a torta que virou seu pedido de sempre. >
Há pouco mais de um mês, os dois vieram a Salvador e foram à loja da Pernambuco em busca do sabor. Não encontraram. A menor quantidade de opções disponíveis, em comparação a outros momentos, também chamou atenção. "Nesse dia, eu até comentei com meu marido: ‘será que vão fechar? Tomara que não’. Agora eu descobri que eles não vão mais funcionar e realmente estou muito triste". >
Se histórias de amor como a de Lizy começaram na Doces Sonhos, a da marca teve início com uma família conterrânea dela - de Feira de Santana, apesar de nunca ter havido loja lá. O site atual da Doces Sonhos, ainda no ar, não tem nada sobre aquele princípio, mas versões antigas da página, acessadas com o auxílio de ferramentas como a Wayback Machine, contam um resumo do surgimento: foi em 2001, com "dois irmãos que viram nas receitas da família uma oportunidade de negócio e um resgate às tradições das guloseimas de um outro tempo", segundo um texto disponível em 2016. Na época, a apresentação dizia que eram sete lojas - a de Vilas do Atlântico não existia. >
Houve, contudo, uma separação de sociedade nos últimos anos. Os antigos sócios foram procurados para falar sobre a trajetória da marca, mas declinaram ou não responderam aos convites. >
Instrutor pâtissier do Senac, o chef Tenesser Vila Flor, explica que o impacto do encerramento das lojas é porque a Doces Sonhos foi uma das pioneiras na área de tortas decoradas em Salvador. "Mas acho que um dos motivos para essas casas mais antigas fecharem é o processo de não acompanhar as tendências e a capacitação profissional. É um dos maiores pecados. Hoje, o doce muito doce não vende tanto. Os mais antigos usam muito chocolate, muito leite", analisa.>
Lojas>
Agora, a maioria das lojas - ou dos espaços delas - já abriga outras marcas. Uma das últimas a fechar foi outra das mais icônicas: a da Avenida Paulo VI, na Pituba. Lá, será a ampliação da Cazolla, hamburgueria e restaurante que, desde 2017, já dividia parte do prédio com a Doces Sonhos Conceito (uma das vanguardistas na produção de doces e salgados diet, sem glúten e sem lactose). >
Naquele início, a trajetória das duas empresas pareceu dar um ‘match’. Os sócios da Cazolla procuravam um ponto e os da Doces Sonhos queriam ocupar a área que antes era seu espaço de eventos, mas que não estava sendo utilizado. "A gente saiu da varanda de casa, onde atendíamos 50 clientes, para lá. E eles compraram super a ideia. Acho que não iriam entregar o ponto se não fosse para algo com propósito. Acho que por ser uma história parecida com a deles, ficaram tranquilos", lembra a chef e sócia Carla Marzolla. >
Desde aquela época, não era incomum que os clientes da Cazolla já pedissem por uma ampliação. No início do negócio, porém, era difícil pensar na possibilidade. Oito anos depois, com o fechamento gradual das lojas da Doces Sonhos, ter um diálogo sobre o que aconteceria com o prédio - que, até hoje, pertence aos donos da doceria - foi um passo natural. >
As conversas entre as duas partes começaram há cerca de dois meses e foram fechadas há um. Há 20 dias, começaram as obras da Cazolla, que deve aumentar a capacidade de atendimento de 70 para 95 pessoas, mas terá também um novo mezanino de convivência para os funcionários, ampliação da cozinha e expansão do salão. Haverá, ainda, um estacionamento exclusivo para os entregadores de plataformas digitais, com estruturas como bancos e cafezinho. >
"Hoje, a gente não faz reservas, mas vamos agora conseguir grupos maiores. Apesar do salão da Doce Sonhos ser maior, a gente não vai dobrar (o salão). Optamos por ter cadeiras maiores e mais confortáveis, com mais espaço entre elas, para dar mais conforto aos clientes", acrescenta Carla. >
Desde março, o espaço da antiga unidade do Corredor Vitória, abriga a sede da Mairoca, confeitaria especializada em produtos sem glúten, sem lactose e sem açúcar. A marca foi fundada no ano passado justamente por uma das antigas sócias da Doces Sonhos, após se afastar do negócio. >
Já nos shoppings, a última loja a fechar foi a do Paralela, que estava em funcionamento até recentemente. Por isso, o espaço ainda não foi ocupado. No Bela Vista, o local agora recebe a Milk Lab. E, em outubro de 2024, foi a vez da que ficava no Salvador Shopping. Depois de 15 anos, ela deu lugar ao Di Liana. Enquanto isso, a do Shopping Barra foi a primeira a fechar. No local, já houve outra marca, mas, atualmente, a operação é da Healthy by Victoria Cintra, especializada em comida saudável. >
Ainda que, depois de mais de duas décadas, novas confeitarias tenham surgido, a Doces Sonhos ainda vai deixar muitos amantes de tortas saudosos. "Vou ficar órfão da black. Lamento porque eu frequentava há muito tempo, desde 2006, por aí. Já ia direcionado para ela ou para a torta de camarão. A gente começa a descobrir novos lugares, mas acho que vai fazer falta. Gostaria que voltassem", diz o administrador Mário Costa. >