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As filarmônicas que ensinaram o Brasil a tocar

A força das filarmônicas é tema de um minidocumentário publicado no canal do YouTube do CORREIO

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 11 de outubro de 2025 às 05:00

 Há 121 anos,  a filarmônica Lyra Popular de Belmonte foi criada por 17 músicos
Há 121 anos, a filarmônica Lyra Popular de Belmonte foi criada por 17 músicos Crédito: Reprodução

Em um casarão centenário na cidade de Belmonte, no extremo sul da Bahia, crianças, adultos e idosos levam à frente uma tradição que mudou a história local. Há 121 anos, funciona ali a filarmônica Lyra Popular de Belmonte, criada por 17 músicos, entre eles Julião São Pedro, músico negro nascido em 1892 — quatro anos depois da Abolição da Escravidão.

Bisneto de Julião, Allan Gabriel é quem perpetua o legado das filarmônicas na família e no município. O pioneirismo do músico remonta à centralidade de pessoas negras na formação das filarmônicas no Brasil e mostra como esses grupos transformaram a música brasileira e se tornaram grandes escolas do país, sobretudo nos interiores.

A força das filarmônicas, abalada por dificuldades financeiras que se acentuaram a partir dos anos 1930, e a participação de pessoas negras na continuidade delas são tema de um minidoc publicado no sábado (11) no canal do YouTube do Correio. Acesse youtube.com/@Correio24hBahia e inscreva-se no canal para acompanhar.

Com a criação oficial das bandas militares no Brasil colonial, em 1802, esse modelo se espalhou e inspirou o surgimento de agrupamentos civis: as sociedades filarmônicas, com bandas que se apresentavam em coretos, festas e comemorações cívicas. Na Bahia, há 328 filarmônicas mapeadas e 154 ativas, segundo o Mapa das Filarmônicas da Bahia.

“Então, as filarmônicas foram as primeiras bandas de música, né? Hoje, vemos algumas bandas famosas, como Chiclete com Banana, a de Ivete. Mas antes, quem fazia a animação dessas festas populares eram as bandas filarmônicas, com música instrumental”, explica Allan Gabriel.

No Brasil,  as primeiras manifestações de bandas são encontradas na Bahia, séculos  antes do sur- gimento das filarmônicas
No Brasil, as primeiras manifestações de bandas são encontradas na Bahia, séculos antes do surgimento das filarmônicas Crédito: Reprodução

Filarmônicas: a revolução na música

No Brasil, as primeiras manifestações de bandas são encontradas na Bahia, séculos antes do surgimento das filarmônicas. Em 1610, surgem registros, por exemplo, de que um capitão de Angola possuía uma banda com 30 pessoas, todas negras e escravizadas, regidas por um francês.

Em diferentes partes do Brasil, senhores de engenho também criavam bandas de escravizados para tocar em eventos, como recepções de visitantes. Para quem vivia em cativeiro, isso poderia ser visto tanto como mais uma submissão quanto como uma possibilidade de mudança.

No caso das filarmônicas, que reuniam músicos autodidatas e provenientes das forças de segurança, a inserção de pessoas negras teve a ver, em muitos casos, com uma busca por reconhecimento ou inserção social. Afinal, tocar em uma filarmônica representava prestígio.

Em certos momentos, as filarmônicas chegaram a fazer campanhas internas para comprar a liberdade de pessoas escravizadas. A primeira da Bahia foi a Filarmônica Erato Nazarena, fundada em 1863, em Nazaré das Farinhas.

Na Bahia, as ferrovias tiveram um papel decisivo na popularização das filarmônicas. No pós-abolição, elas se tornaram polos de emprego para pessoas negras. A partir desse convívio, muitos passaram a se reunir para tocar.

As companhias ferroviárias incentivaram a criação de bandas e, com o tempo, esses grupos se tornaram núcleos musicais que deram origem a filarmônicas que ainda funcionam.

Dois nomes são fundamentais para contar essa trajetória. O primeiro é Tranquilino Bastos, filho de português com uma mulher alforriada, que fundou, em 1870, a filarmônica Sociedade Orpheica Lyra Ceciliana, em Cachoeira. Ele foi precursor de mudanças nas composições musicais, trazendo tradições afro-brasileiras e o contexto da época, como a abolição da escravidão, para sua obra.

Outro nome é Heráclio Paraguassú Guerreiro, que incorporou aspectos do Recôncavo Baiano, como instrumentos africanos e ritmos típicos, a exemplo do tangado.

Para manter essa tradição, as filarmônicas vivem de pagamentos em eventos, quadro de sócios e apoios privados. Se no início do século 20 as filarmônicas estavam em evidência, a partir dos anos 1930 as coisas mudam. Desde então, elas enfrentam dificuldades financeiras, acentuadas pela ascensão de movimentos autoritários, como o integralismo e o fascismo.

Nas décadas seguintes, a popularização da música pop mundial contribuiu para que as filarmônicas passassem a ser vistas, por alguns, como ultrapassadas ou fadadas a desaparecer. No cotidiano, a Lyra Belmontense ultrapassa o anacronismo dessa visão.

Em Belmonte, a missão atual é atrair jovens para as filarmônicas. “Eu acho que a música transforma a mente do ser humano. A música é o remédio da alma. É o remédio da alma, sem dúvida”, afirma João Reis Fontes, maestro da Lyra Belmontense.