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Mario Bitencourt
Publicado em 25 de dezembro de 2019 às 12:08
- Atualizado há 2 anos
(foto/divulgação) A Polícia Civil da Bahia informou que o inquérito que investiga a suposta apropriação indébita no caso do sumiço das sementes forrageiras (capim) no oeste da Bahia foi concluído sem a constatação de crime.>
Responsável pelas investigações, o delegado de Jaborandi (cidade da ocorrência do fato), Leyvison Rodrigues Silva, disse que o inquérito será encaminhado sem indiciamentos para o Ministério Público da Bahia (MP-BA) ao final do recesso natalino, pois nesse período só estão sendo atendidos procedimentos urgentes.>
A disputa das sementes em Jaborandi envolve a empresa Sementes Mineirão e a Fazenda Santa Paula, na zona rural de Jaborandi. Ambos estão em litígio por conta de uma dívida de mais de R$ 11,2 milhões que a Sementes Mineirão tem com a fazenda.>
A dívida é referente ao descumprimento de acordo por parte da Sementes Mineirão no contrato de arrendamento da Fazenda Santa Paula, que há dois anos vinha sendo usada para a produção das sementes por parte da empresa.>
Por conta da dívida, a Justiça autorizou a Fazenda Santa Paula a ficar como fiel depositária dos bens da Sementes Mineirão que ainda estão na propriedade rural, com autorização, inclusive, para que fosse feito o transporte.>
No dia 2 de novembro de 2019, o dono da fazenda, Paulo Roberto Marques de Souza, decidiu tirar parte das sementes que estavam em seu galpão e enviá-las para o galpão da empresa Safrasul, na cidade de Formoso (MG), a 100 km de Jaborandi.>
No dia seguinte, o gerente geral da Sementes Mineirão, Charles Aristeu Fuhr, prestou queixa de furto das sementes na Delegacia de Santa Maria da Vitória, sede da 26ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Corpin), que abrange a cidade de Jaborandi.>
Posteriormente, a queixa foi reformulada para suposta apropriação indébita. A suspeita era que as sementes tinham levadas para a Safrasul para que fossem vendidas, contudo o delegado Leyvison Rodrigues Silva disse que não foi constatado nada de que isso tivesse ocorrido. >
“Não achei nenhuma prova que levasse a conclusão de que a Fazenda Santa Paula tivesse vendido as sementes da Sementes Mineirão para a Safrasul. O que houve foi a transferência das sementes para a fazenda da Safrasul, mas amparado por decisões judiciais sequenciais”, disse o delegado Leyvison Rodrigues Silva.>
Segundo o delegado, um investigador da Civil esteve na fazenda da Safrasul e constatou que as sementes estão armazenadas no local e serão devolvidas.>
Procurados para comentar o caso, os advogados de defesa da Sementes Mineirão e da Fazenda Santa Paula não responderam. Dono da Safrasul, o empresário Talisson Muhl disse que “sempre tive consciência de que não estava cometendo crime algum”.>
“Nossa empresa nunca teve nada que desabonasse a nossa conduta, seja ética ou moral. Sempre estivemos abertos a investigação policial, sendo o mais transparente possível, e a conclusão do inquérito é mais uma prova do nosso trabalho honesto”, disse.>
Caso gerou grande repercussão e fake news>
A retirada de 2.040 toneladas de sementes forrageiras, avaliadas em cerca de R$ 2,4 milhões, seguido de uma queixa policial de suposto furto, gerou grande repercussão no agronegócio do oeste baiano e no mercado de sementes nacional.>
Diversas notícias falsas sobre o caso foram divulgadas em grupos de conversas, sobretudo no WhatsApp e nas redes sociais, dando conta de um roubo milionário.>
A história entre a Fazenda Santa Paula, que pertence a Paulo Roberto Marques de Souza, e a empresa Sementes Mineirão, que tem como sócio-administrador o empresário Orlando Carlos Martins, começou há dois anos.>
Foi quando a Sementes Mineirão arrendou a fazenda de Paulo Roberto para produzir as sementes e em troca pagar 11 sacas de soja por hectare. O contrato passou a vigorar na safra 2016/2017 e tinha prazo de término na safra 2020/2021.>
Na safra 2017/2018, contudo, os pagamentos não foram realizados, o que fez Paulo Roberto acionar a Sementes Mineirão na 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Coribe, que abrange Jaborandi.>
A ação judicial objetivou a rescisão contratual do arrendamento da fazenda, por via judicial, e reaver a posse da mesma, o que foi concedido pelo juiz João Batista Alcântara Filho, em decisão do dia 4 de outubro de 2019.>
O magistrado reconheceu nesta primeira decisão que a Sementes Mineirão devia a Paulo Roberto R$ 1.936.761,73, correspondente ao não pagamento de 25.069 sacas de soja. A Sementes Mineirão também reconhece no processo que não cumpriu o acordo.>
A reintegração de posse foi cumprida, mas a dívida não foi paga e os bens da Sementes Mineirão (maquinários diversos e sementes) continuaram na Fazenda Santa Paula.>
Em 17 de outubro de 2019, o mesmo juiz deu outra decisão favorável a Paulo Roberto, que pediu atualização da dívida, pois o valor que tinha sido colocado no início do processo era de há mais de um ano. Com a inclusão de multas, 50 mil sacas de soja, juros, correção monetária e honorários, a dívida foi a R$ 11.265.954,92, valor reconhecido pelo juiz João Batista Alcântara Filho como devido a Fazenda Santa Paula pela Sementes Mineirão.>
O magistrado determinou ainda que os bens da Sementes Mineirão que estão na fazenda e foram relacionados pelo oficial de Justiça no dia da reintegração de posse ficassem sob o poder da Fazenda Santa Paula, como fiel depositário, até que a dívida fosse paga.>
Sumiço>
A disputa seguia sem novidade, até que no feriado de Finados (2 de novembro), funcionários da Sementes Mineirão viram um movimento de caminhões e carretas na Fazenda Santa Paula.>
Por volta das 21h, o gerente geral da Sementes Mineirão, Charles Aristeu Fuhr, diz ter visto nove caminhões e três carretas saírem do local, e ele desconfiou que estivessem carregadas de sementes forrageiras, já ensacadas.>
No dia seguinte, Charles Aristeu Fuhr prestou queixa de furto das sementes na Delegacia de Santa Maria da Vitória, sede da 26ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Corpin), que abrange a cidade de Jaborandi. Ele disse que a carga “foi retirada sem autorização e sem notas fiscais”.>
As sementes foram parar em Formoso (MG), no galpão do empresário Talisson Muhl, dono da empresa Safrasul, que atua no mesmo ramo da Sementes Mineirão.>
Muhl disse que foi procurado por um advogado de Paulo Roberto “para armazenar as sementes, no intuito de preservá-las, haja vista que nas condições que estavam armazenadas corriam o risco de perecer, o que prejudicaria o Sr. Paulo, na qualidade de fiel depositário”.>
“As sementes estão aqui desde 3 de novembro, não estou cobrando nada por isso, foi apenas um favor que fiz a um amigo. Não foi vendida, nem sua posse transferida, nada. Já estamos em contato com a polícia e informamos que estamos com a sementes. Quem quiser, pode vir aqui ver”, disse.>
Muhl, que enviou à reportagem fotos das sementes armazenadas em sacas em seu galpão, afirmou que sua empresa “nunca fez nada que desabonasse a sua conduta ética e transparente, que trabalha em prol do fomento do agronegócio brasileiro e em busca do aprimoramento do setor”.>
No dia 5 de novembro, o juiz João Batista Alcântara Filho, deu outra decisão a favor da Fazenda Santa Paula, determinando que a dívida de R$ 11.265.954,92 seja paga pela Sementes Mineirão em 48 horas.>
Escreveu também o juiz que é “dever do exequente [Paulo Roberto], na qualidade de depositário fiel, zelar pelos bens que a ele foram dados em guarda, podendo, inclusive, transportá-los, caso seja necessário”.>
Outro processo>
Paulo Roberto Marques de Souza e a Sementes Mineirão já vinham discutindo pagamentos de dívidas do arrendamento em processo anterior, que tramita na 3ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais e Conflitos Arbitrais de Brasília desde 24 de abril de 2017.>
No processo, Paulo Roberto foi acionado pelo banco LAAD Américas NV por conta de uma dívida cujo valor total não foi informado nos autos judiciais a que a reportagem teve acesso.>
Ao saber do contrato de arrendamento da Fazenda Santa Paula e a Sementes Mineirão, os advogados do banco convenceram a Justiça a determinar que a dívida da Sementes Mineirão para com Paulo Roberto fosse para paga ao LAAD. A Sementes Mineirão entrou no processo como “interessada”.>
Em 6 de dezembro de 2017, a juíza federal Tatiane Iykie Assao Garcia determinou que a Sementes Mineirão depositasse em juízo, no prazo de 5 dias, “a parcela vencida no dia 30.11.2017, referente ao contrato de arrendamento mercantil mantido com os executados [Paulo Roberto e a esposa], no importe de R$ 752.070, sob pena de responder cível e criminalmente pela desobediência”.>
Em outra decisão, de 20 de setembro de 2019, dada pela juíza Jackeline Cordeiro de Oliveira, o valor acordado para pagamento pela Sementes Mineirão foi de R$ 1.779.899, o que deveria ser feito em 48 horas.>
Em 25 de setembro de 2019, mais uma decisão, desta vez da juíza federal Tatiane Iykie Assao Garcia, que escreveu que a “Sementes Mineirão aduziu não ter condições de cumprir a decisão por falta de fluxo em caixa”, e citou diversos acordos de pagamento não cumpridos.>
A Sementes Mineirão “deveria depositar, em Juízo, as parcelas do contrato de arrendamento que seriam devidas aos executados Paulo Roberto Marques de Souza e Eunice Barbosa de Andrade, o que, contudo, não fez”, observou a magistrada.>
“Desta forma, foi imposta multa devido a ato atentatório à dignidade da justiça em 15% sobre o valor inadimplido à época, referente à parcela de 30/04/2018, o qual resultou em outra obrigação”, continuou.>
“Como esse prazo transcorreu em 24/09/2019, imponho a multa no valor de R$ 355.979,80 à terceira interessada Diossed Agronegócios Ltda [Sementes Mineirão]”.>