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Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2023 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Houve um tempo em que quase todos os produtos transportados no país eram levados por trilhos metálicos, o que mudou a partir da década de 1930, quando veículos de quatro rodas passaram a ser sinônimo de modernidade. Porém, a autorização para a construção de uma ferrovia que ligará Minas Gerais à Bahia pode mudar o rumo dessa história. Além de mais rápida, a malha ferroviária também pode reduzir os custos de transporte em até 30%.>
A autorização para construção e exploração da estrada de ferro que fará a ligação entre Caravelas, no sul baiano, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, foi publicada no Diário Oficial da União, na terça-feira (7).>
O prazo é para que a empresa MTC - Multimodal Caravelas comande a via por 98 anos. A deliberação foi feita pela Agência Nacional de Transportes (ANTT) e a MTC deve assinar o contrato de adesão em até 30 dias. A empresa foi procurada para comentar o projeto, mas não se manifestou. Projeto da ferrovia mostra cidades contempladas (Foto: Reprodução) A ligação entre o sul baiano e o centro de Minas não é novidade. Há 57 anos, a Estrada de Ferro Bahia-Minas foi desativada por não garantir mais o lucro esperado no transporte de madeira e café. No imaginário brasileiro, a estrada ficou eternizada na canção Ponta de Areia (1975), do cantor Milton Nascimento. A música leva o nome do local onde a estrada ficava na época.>
Hoje, o que ainda resta do sistema ferroviário serve como rota de cicloturismo. O mesmo percurso da primeira via será utilizado, dessa vez com a inserção de outras cidades, como Teixeira de Freitas e Mucuri.>
Diferentemente de 1882, quando o ramal ferroviário foi implantado pela primeira vez, a nova ligação deve ser facilitar o transporte de eucalipto, de Minas Gerais, para a cidade de Mucuri, onde a empresa Suzano realiza a produção de celulose. Um estudo realizado pela startup Canopy Remote Sensing Solutions, em 2021, apontou que o eucalipto é responsável por 96% da cultura agrícola do estado. Desse total, 13% está localizado no Vale do Jequitinhonha. >
O lítio de Minas Gerais também deverá ser exportado e, ao chegar em Caravelas, seguirá viagem para Ilhéus. Há a expectativa que o trem tenha vagões destinados a passageiros, o que deve favorecer o turismo nas duas regiões.>
Quando o assunto é transporte de produtos, as ferrovias são importantes meios de reduzir o preço do que será exportado, como explica Antônio Carlos Bonassa, professor de cadeias de suprimentos do curso de Administração da ESPM. >
“O retorno da utilização de uma estrada que liga Bahia à Minas é importante porque as maiorias dos produtos produzidos no interior têm que ser transportados de caminhão. Além de um custo muito maior que aumenta o preço do produto, há uma sobrecarga do sistema rodoviário”, esclarece o professor. Entre os produtos estão minério de ferro, celulose, grãos e álcool.>
Há ainda alimentos do próprio sul da Bahia que deverão ter seu escoamento facilitado, como lembra o prefeito de Caravelas, Sílvio Ramalho (PP). “Nós temos exportação de muitos produtos locais, como melancia e mamão, que são exportados para o Sudeste e depois para a Suíça. A ferrovia vai facilitar a vazão de produtos com um custo mais baixo”, analisa.>
Segundo o prefeito, o porto e o terminal marítimo da cidade estarão prontos para receber o incremento de cargas. Além do fator econômico, a ferrovia deve proporcionar benefícios sociais, com a abertura de postos de trabalho, e ambientais, por reduzir a emissão de gás carbônico. >
O investimento estimado para que a obra seja realizada é de R$ 12 bilhões e ainda não há data para o seu início. O professor Antônio Carlos lembra que a autorização para que a empresa explore a nova via precisa ser bem analisada. Como o contrato é de quase 100 anos, pode ser que no futuro outras malhas ferroviárias surjam e é importante que ocorra integração entre elas. >
“Quem ganha a licitação é dono da via e pode decidir quem pode usar. Mas quando a malha começa a crescer pode ser que aquele pedaço construído fique importante para ligar dois ramais de donos diferentes. Então, pode ser criado um gargalo, já que quem ganhou a licitação decide”, explica. >
Muito produto para pouco espaço>
Apesar de a Bahia ter grande produção agrícola e estar em crescimento no segmento de minérios, os produtos não se tornam muito competitivos no mercado externo e nacional justamente pela dificuldade em serem transportados até os portos do Brasil. É como se o estado fosse uma bateria cheia de energia que não tem como ser descarregada, analisa Antônio Carlos Bonassa. >
Para se ter ideia do problema, o algodão plantado em São Desidério, no extremo-oeste, precisa percorrer uma distância de mais de 1,6 mil quilômetros até o porto de Santos, em São Paulo. “A ferrovia é necessária para o escoamento da produção agropecuária do estado, assim como para o transporte de fertilizantes, defensivos e combustível”, defende Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb). >
Fundação apresenta Plano Estratégico Ferroviário para a Bahia>
A modernização de ferrovias do estado e a realização de investimentos em novas malhas ferroviárias são os pilares que sustentam o Plano Estratégico Ferroviário da Bahia, realizado pela Fundação Dom Cabral (FDC), e que foi apresentado na na quarta-feira (08). O evento foi promovido pela Federação das Indústrias da Bahia (FIEB), representada pelo Conselho de Infraestrutura (COINFRA), e a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM). >
O estudo considera que para que a Bahia deixe de estar isolada nesse segmento, é preciso investir na Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), com os trechos entre Ilhéus, Brumado e Caetité. Além dos avanços da FIOL II e I em cidades como Guanambi e Barreiras. Para Paulo Resende, coordenador do núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, é preciso que setores públicos e privados apostem na malha ferroviária do estado. >
“Não é uma questão apenas financeira, a grande dificuldade é termos uma aposta no estado da Bahia por parte da iniciativa privada e do governo como uma região que necessita de um sistema ferroviário integrado ao resto do país”, analisa. >
Antonio Carlos Tramm, presidente da CBPM, defende o tema como um dos mais urgentes para o desenvolvimento da Bahia. “Por muitos anos tivemos a conversa de que faltava carga. O estudo mostra claramente o contrário, precisamos ter agora a vontade política de levar este projeto adiante”, enfatiza.>
*Com orientação de Monique Lôbo.>