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Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2019 às 17:35
- Atualizado há 2 anos
O Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento Bahia (IAB-BA) empossou sua nova diretoria para o triênio 2020-2022. O arquiteto e urbanista Luiz Antônio de Souza, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, é o presidente eleito. As informações são da assessoria do órgão.>
Estudioso do desenho urbano de Salvador e da cultura negra, Luiz destaca para sua gestão o compromisso de se aproximar mais da sociedade e das demandas por habitação social e arquitetura inclusiva. >
“O reconhecimento da arquitetura será sempre conferido pelos mais diversos agentes sociais, incluindo aí segmentos que vem cobrando uma atuação comprometida com o meio ambiente, com a melhoria na qualidade do espaço construído, na eficiência energética e nos valores éticos e projetuais que contribuam com Uma Vida Digna para Todos”, afirma. Foto: Márcio Costa e Silva/Arquivo CORREIO Confira íntegra do discurso de Luiz Antônio>
“Agradeço e cumprimento, inicialmente, a Presidente Solange Souza Araújo e aos demais colegas que compuseram, até então, a Diretoria do IAB/BA, muitos dos quais nos acompanharão no próximo espaço de três anos, renovando responsabilidades.>
Cumprimento a todos os presentes, associados do IAB/BA, às autoridades, representações, professores, colegas arquitetos, alunos e aos amigos que encontraram um tempinho para estarem conosco, o que transparece para nós como uma prova de confiança para o desafiador e gratificante trabalho coletivo de ajudar a conduzir uma instituição que se aproxima dos 65 anos de existência. Evidente que não estamos frente a uma solenidade de núpcias – onde se celebraria “Bodas de Pérola Negra” – contudo, é um momento público de renovação dos compromissos político profissionais com a história do IAB e de manter, renovar ou trocar alianças.>
Estamos aqui para celebrar, celebrar uma aliança que consolidou o IAB como uma instituição nacional que conforme a narração faz a nossa entidade, centenária ou nonagenária. Com tantos anos sobre os ombros, privilegio de poucas entidades, estamos construindo os nossos caminhos sem querer ser jovens mesmo porque não podemos viver a cada dia como se o amanhã não existisse, mas sempre estamos dispostos e restituir a juventude e as utopias, tão necessárias nestes tempos de retrocessos de toda ordem. Se a origem de nossa instituição remonta a República Velha, nos renovamos na Era Vargas, nos reconstruímos na resistência à Ditadura Militar, ensaiamos passos largos na Nova República – ajudando a construir a cultura do “Direito à Cidade” – e ensaios no fortalecimento da democracia participativa, bem como da condição da arquitetura como manifestação cultural e, seguramente, estamos inquietos frente à retomada do arreganhado autoritarismo que invade o nosso cotidiano e solapa os poucos direitos e conquistas sociais.>
Mas estamos aqui, também, para deixar patente que toma posse uma diretoria que assegura que não há intenção – nestes tempos do EU e MEU, da exacerbada competividade e desmedidas frustações que sustentam as raízes ideológicas do neoliberalismo – ter o IAB/BA para si. Com a vigilância de todos não se sucumbirá ao exercício do poder ao bem do interesse próprio.>
Na apresentação da nossa plataforma política na forma de um manifesto nos referimos a fortalecer o IAB/BA, o sentido que procuramos conferir foi o de atuar para renovar, em um esforço de todos nós, pois o grande desafio será o de renovar as mentes no pensar e fazer arquitetura. Atuando na perspectiva de expressar as nossas características, autenticidade e construção de credibilidade, aproximando cada vez mais a arquitetura da sociedade da qual fazemos parte. Ampliar a atuação de nossa entidade é uma estratégia de fortalecimento, contudo ressalve-se não seremos vendedores de óleo de cobra ou do elixir da longa vida.>
Uma sociedade intrincada, complexa que muitas vezes se deixa enganar. Passados mais de 130 anos da abolição da escravatura as camadas populares, maioria da população constituída por negros está fadada, predestinada a exclusão social. A população negra não só tem os salários mais baixos, como representam 80% dos analfabetos no país e 40% dos homicídios na faixa etária de 15 a 29 anos atingem os negros. Com todos os avanços técnicos agrega-se a esta vergonhosa estatística a falta de uma moradia para grande parte de nossa população. Que para ter acesso a onde morar e inserção urbana só resta o expediente da ocupação.>
Não creio estar fazendo proselitismo e ainda usando o nome dos colegas que dividirão conosco a “posse”. Se anunciamos à sociedade o slogan, que “Projetamos e Construímos o Habitat Humano” e “Planejamos e desenvolvemos Cidades”, nos cabe uma dupla responsabilidade na superação das alarmantes estatísticas, seja na condição de cidadãos esclarecidos seja na condição de portadores de domínio técnico.>
Ao longo de 65 anos de existência, o IAB/BA procurou refletir sobre o melhor saber arquitetônico e seu nome está associado a ideias e imagens, a princípios e compromissos sócias e éticos ou mesmo decência mínima. Por esta razão, muitas vezes somos taxados de “gente do contra”, de sermos obstáculo ao progresso e ao desenvolvimento e no passado de colar as ideias modernistas aos princípios bolchevistas. Temos credibilidade e saber técnico para discernir como e de que modo se recorre ao bom uso da arquitetura e do urbanismo.>
De que modo estão sendo tratadas as nossas cidades vistas na maioria das vezes como Capital fixo ou locus privilegiado da operação de ativos financeiros que podem se configurar na forma de pontes, elevados, viadutos, tuneis, complexos esportivos, complexos hoteleiros, apropriação privada dos centros históricos, entre outras formas, entre as quais as legislações urbanísticas fulanizadas e excludentes.>
Nos preocupa sim as normativas urbanísticas, arquitetônicas e de preservação, para a capital Salvador e outros centros urbanos baianos, nos preocupa a falta de planejamento físico e territorial ou a imposição deste à revelia dos interesses da sociedade. Nos deixa perplexo a fragmentação dos projetos da centralidade urbana e metropolitana de Salvador.>
É preocupante sim não se agir em sintonia com as regras da boa arquitetura e do urbanismo e essa tem sido a bandeira de luta do IAB, que parece ter se antecipado às ferramentas do compliance de conformidade na produção e gestão da cidade, na qualidade do urbanismo, na qualidade da arquitetura.>
Atualizemo-nos! Não há mais lugar para virarmos os olhos e fingir que não vemos!>
Precisamos sim, de mudança de paradigmas de ação. Precisamos fomentar um maior intercâmbio e eficiência nos nossos propósitos como portadores de conhecimento técnico. Muitos enxergam o IAB/BA como uma instituição de cultura assistencialista, quase filantrópica, assentada no esforço meritocrático individual que busca promover os indivíduos.>
Por mais qualificada a ação de uma entidade, assoberbada pelas demandas do cotidiano, não pode focar sua atenção no que se desenrola dentro dos seus muros, limitando o contato com seus pares.>
Por mais qualificada que seja a ação ou a excelência de ação, o referencial de sua atuação perde sentido se a sociedade não perceber e valorar a sua atuação.>
Os apoio e articulações são necessários para fortalecimento institucional e do tecido social, impõe que atuemos em rede de relações, ampliando não só o exercício da cidadania, mas aumentando a possibilidade de articulação política e canalizando fluxos de informação, no exercício de ouvir, conhecer, aprofundar e refletir sobre as condições objetivas de vida, seja no campo, seja nas cidades.>
O reconhecimento da Arquitetura será sempre emanado do relevo conferido pelos mais diversos agentes sociais, incluindo aí amplos segmentos que vem cobrando uma qualidade de arquitetura comprometida que dialogue com o meio ambiente e enfrente questões como a melhoria na qualidade do espaço construído, na eficiência energética e nos valores éticos e projetuais que contribuam, por exemplo ao enfrentamento dos desafios dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, aqui resumido como Uma Vida Digna para Todos. Um conjunto de objetivos a serem cumpridos pela sociedade civil, governos e aspirações de todos cidadãos na jornada coletiva para o ano horizonte 2030.>
Faz tempo, em 1966, o poeta e também diplomata João Cabral de Melo Neto, em seu poema “Fábula de um Arquiteto” já nos alertava (reproduzo a primeira estrofe)>
A ARQUITETURA COMO CONSTRUIR PORTAS, DE ABRIR; OU COMO CONSTRUIR O ABERTO; CONSTRUIR, NÃO COMO ILHAR E PRENDER, NEM CONSTRUIR COMO FECHAR SECRETOS; CONSTRUIR PORTAS ABERTAS, EM PORTAS; CASAS EXCLUSIVAMENTE PORTAS E TETOS. O ARQUITETO: O QUE ABRE PARA O HOMEM (TUDO SE SANEARIA DESDE CASAS ABERTAS) PORTAS POR-ONDE, JAMAIS PORTAS-CONTRA: POR ONDE, LIVRES: AR LUZ RAZÃO INCERTA.>
Na primeira estrofe, o arquiteto recusa o aprisionamento e a segregação, e considera “portas” como vias de acesso e não como impedimento, o que equivale a enunciar a arquitetura como forma de libertação”.>