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Monique Lobo
Publicado em 12 de julho de 2025 às 08:00
Após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometer impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, em um anúncio feito na última quarta-feira (9), os baianos começaram a fazer as contas, especialmente no setor industrial. O país norte-americano é hoje o terceiro maior comprador dos produtos industrializados do estado, atrás apenas da China e, recentemente, do Canadá. >
Para se ter uma noção, a indústria baiana exportou um montante de 440 milhões de dólares só no primeiro semestre deste ano, o equivalente a R$ 2,4 bilhões, revela o superintendente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Vladson Menezes. A previsão era chegar aos 900 milhões de dólares até o final do ano, cerca de R$ 5 bilhões, mas a tendência é que isso não aconteça caso a nova tarifa passe a valer a partir do dia 1º. A expectativa do setor é de perdas. >
Em uma projeção feita pela Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia (SEI), com a imposição tarifária norte-americana, o estado deve amargar um prejuízo de aproximadamente 470 milhões de dólares só no primeiro ano da nova medida, o que daria R$ 2,6 bilhões convertidos, aponta o coordenador de Conjuntura Econômica da SEI, Arthur Cruz. Dano que recairia principalmente no setor indústrial que responde por quase 90% das exportações para os Estados Unidos, completa Vladson. >
“A indústria vai ser fortemente afetada. Quando olhamos a Bahia como um todo, as exportações para os Estados Unidos equivalem a 1% do PIB [Produto Interno Bruto] do estado. Só que a indústria de transformação, que é mais de 15% do PIB, é responsável por quase 90% dessas exportações”, explica o superintendente da Fieb.>
Indústria de celulose corre mais risco>
E em meio a esse cenário pessimista, o setor de celulose é o que mais preocupa. É dele que sai a maior parte das exportações baianas para o país de Donald Trump. “Em 2025, o que lidera as exportações para lá é a celulose”, dispara Arthur. Vladson Menezes acrescenta que 12% da celulose baiana que vai para fora tem os Estados Unidos como destino. “A celulose é um setor fortemente exportador, então boa parte do faturamento dela vem das exportações. Vai ser atingida de maneira significativa”, avalia. >
Fernando Branco, presidente do Sindicato das Indústrias de Papel, Celulose, Papelão, Pasta de Madeira para Papel e Artefatos de Papel e Papelão do Estado da Bahia (Sindpacel), lembra que o setor já estava driblando a tarifa de 10% aos produtos brasileiros, imposta desde abril também pelo presidente Trump. “Algumas empresas ainda estavam conseguindo negociar diretamente com os clientes americanos. Mas, com essa tarifa de 50% não tem como negociar com o cliente, fica inviável”, enfatiza.>
O resultado provável disso é a falta de competitividade e a perda de espaço no mercado internacional. “Existem outros países produtores de celulose como o Canadá e o Chile, que também podem exportar para os Estados Unidos e não estão com essas tarifas. Por mais que a gente trabalhe com o valor menor, com essa taxa vamos perder competitividade com esses outros países”, explica Branco. >
Mais grave que a perda de competitividade, a perda de mercado pode continuar mesmo com a derrubada posterior da taxação. “Porque o mercado é muito competitivo. Se você perde um cliente, mesmo depois que caia a tarifa, haverá dificuldade de voltar para esse cliente. Esse é o principal problema”, conta o presidente do Sindpacel.>
De frutas à pneus>
Mas não são só as indústrias de celulose que vão lidar com a desvantagem. As indústrias de derivados do cacau vêm logo atrás na previsão de prejuízo. Segundo Vladson Menezes, só no primeiro semestre este setor exportou para os EUA o equivalente a 47 milhões de dólares, ou R$ 261,8 milhões. >
“Os Estados Unidos são um mercado demandante relevante e, ao não entrar lá, vai precisar de uma oferta maior desses produtos e uma redução de preço. Imagine você reduzindo suas exportações dos derivados de cacau: as empresas vão comprar menos ou a preço menor para colocar em outros mercados, pode afetar fornecedores, fazendeiros, região cacaueira. Isso considerando que não vá ter alteração, o que a gente sabe que, se tratando do comportamento de Donald Trump, não podemos garantir que vai acontecer”, fala o representante da Fieb.>
A lista não para por aí, de acordo com o coordenador de Conjuntura Econômica da SEI, ainda são grandes exportadoras para os Estados Unidos as indústrias de pneus, óleos combustíveis, frutas, café e bioquímicos. A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) aborda a preocupação do setor com a nova medida em um comunicado divulgado à imprensa. “Representa um grave retrocesso nas relações comerciais entre os dois países que pode gerar impactos extremamente negativos e relevantes para toda a cadeia produtiva do café brasileiro, comprometendo a competitividade das exportações e pressionando os custos operacionais em um momento de reorganização do mercado global”, aponta a entidade.>
Veja os setores da indústria baiana que mais serão afetados pela taxação de Trump
Desemprego à vista >
A justificativa dada por Donald Trump para a sua decisão foi que a relação comercial com o Brasil é "muito pouco recíproca". Dá até pra dizer que é, mas com a vantagem do lado norte-americano. Há pelo menos cinco anos o país do norte tem superávit nas relações comerciais com os fornecedores baianos, revela Arthur Cruz. Só de janeiro a junho deste ano, os EUA conseguiram um excedente de 774 milhões de dólares, o equivalente a R$ 4,3 bilhões. “Ano passado, foi 1,9 bilhões de dólares só com a Bahia”, completa o coordenador de Conjuntura Econômica da SEI. >
Isso significa que o prejuízo não vai ser só do lado de cá. “Não faz sentido nem pros Estados Unidos. Porque o consumidor de lá vai pagar mais caro. Porque a gente não vai vender, vão procurar outros fornecedores que são menos competitivos. Isso aumenta a inflação lá. A racionalidade de Trump está longe de ser econômica”, avalia Vladson Menezes. >
Mas, sem dúvida, o infortúnio será muito maior por aqui. E não vai ficar só na conta das indústrias. Vai afetar diretamente os cidadãos baianos. Caso as exportações do estado caiam, um efeito dominó vai prejudicar vários outros setores da economia e a previsão é de aumento do desemprego. >
“Há um efeito em cadeia. Porque, se houver redução da exportação, haverá redução das movimentações logísticas. Se não conseguirmos buscar outros mercados, vão reduzir a produção e isso pode causar desemprego”, lembra Fernando Branco. >
E com menos gente empregada, menos são aqueles com poder de consumo no estado. “Quando reduz a produção, tem uma redução no nível de atividade econômica, gera menos emprego, menos renda para os trabalhadores. Vai impactar no comércio, vai afetar o câmbio, aumentar a inflação. É uma série de desdobramentos ruins para a economia”, destaca Cruz. >
Nessa disputa, pondera Vladson, a nossa derrota pode ser muito maior. “Perdemos duas vezes. Porque não conseguimos exportar para os Estados Unidos, as indústrias intermediárias não vão conseguir comprar, pode gerar desemprego, reduzir a demanda da economia, fazer com que lojas e serviços também sejam impactados com a redução do consumo. É um impacto bem maior que simplesmente o valor exportado”. >
Tiro pode sair pela culatra>
Por isso, todos eles são cautelosos quando o assunto é retaliação. A possibilidade de usar da reciprocidade de tarifas para produtos americanos pode também respingar nos fornecedores baianos. A indústria petroquímica depende do nafta dos EUA, um composto derivado do petróleo que é usado para a fabricação de combustível. Já as empresas de celulose importam a sua matéria-prima de lá. Até setores primários, como a agricultura, podem sofrer o impacto já que boa parte dos fertilizantes importados são dos Estados Unidos. >
“Eles são mais fortes economicamente que o Brasil. Diferente da China, que tinha força pra isso. Importamos óleo bruto de petróleo, nafta, só isso gera dificuldades significativas para setores como refino e petroquímica. Painéis solares, alguns produtos alimentícios, fertilizantes que afetam a agricultura… Se isso ocorrer, não vai ser bom para a Bahia”, estima o superintendente da Fieb. >
O presidente do Sindpacel espera o diálogo. “Que o governo sente pra conversar e que cheguem a um entendimento comum, aparem as arestas, para que a gente possa ter essa tarifa derrubada”, aponta Fernando. >