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Donaldson Gomes
Publicado em 14 de abril de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A descoberta do pré-sal e a operação Lava Jato modificaram irreversivelmente a indústria de petróleo no Brasil. Aqui na Bahia, a Petrobras estuda a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), em São Francisco do Conde, e o arrendamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), em Camaçari, onde outra mudança significativa está em curso. >
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Com a iminência das vendas, o controle de ativos, que respondem por aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, pode mudar de mãos nos próximos anos. Sozinha, a Rlam responde por aproximadamente 20% do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado. Com a necessidade de fazer caixa para explorar o petróleo na região do pré-sal, a Petrobras deu início ao que chama de plano de desinvestimentos – nada mais nada menos que a venda de alguns de seus ativos no país. >
Além da preocupação quanto ao controle acionário das unidades, o cenário de incerteza aumenta em relação ao futuro operacional das plantas, principalmente no que diz respeito à Fafen, que segue em funcionamento atualmente por força de uma medida liminar. >
Nos últimos quatro anos, o volume de produção na Rlam, nas margens do Rio Mataripe, caiu seguidamente, segundo levantamento com base em dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). No ano passado, a unidade processou 12,6 milhões de metros cúbicos (m³) de petróleo, o que representou uma queda de 28% em relação aos 17,5 milhões de m³ e o maior volume registrado nos últimos 20 anos. Em 2018, a produção retrocedeu ao mesmo patamar registrado em 2009, quando a economia mundial passava pelos momentos mais agudos da crise internacional. >
Com capacidade de carga instalada para processar 381,2 mil barris de petróleo, a refinaria é a segunda maior do país, atrás apenas da Replan, em Paulínia. Entre os principais produtos fabricados no local estão diesel, gasolina, QAV, asfalto, nafta petroquímica, gases petroquímicos (propano, propeno e butano), parafinas, lubrificantes, GLP, óleos combustíveis (industriais, térmicas e bunker) e enxofre.>
Antes da Petrobras Toda a estrutura de Mataripe começou a ser construída em 1949, quatro anos antes da criação da Petrobras. A sua implantação tem relação direta com a descoberta dos primeiros reservatórios de petróleo no Recôncavo Baiano. A capacidade inicial de produção no local era de 2,5 mil barris de petróleo por dia. A construção formou uma classe operária egressa do trabalho com a pesca e a agricultura, e inaugurou um novo ciclo econômico, com a atividade industrial do refino virando a página da até então reinante agroindústria da cana-de-açúcar, segundo a Petrobras. >
Com a criação da Petrobras, a refinaria foi incorporada ao patrimônio da companhia. A Rlam e a refinaria de Cubatão (SP) foram os dois primeiros patrimônios da Petrobras no Brasil. >
No ano passado, a Petrobras anunciou o plano de vender 60% de sua participação na Rlam, a pernambucana Refinaria Abreu e Lima (RNEST), uma das grandes vedetes da Operação Lava Jato, além de duas unidades no Sul, a Repar, no Paraná, e a Refap, no Rio Grande do Sul. >
Junto com as estruturas de refino seriam vendidos também os canais de distribuição, o que aqui na Bahia incluiria o Terminal Madre de Deus (Temadre), que no ano passado movimentou 19,2 milhões de toneladas de combustíveis, mais do que a soma das cargas de todos os outros portos baianos. >
Questionada sobre os planos de vendas da Rlam, a Petrobras informou que “o pacote de desinvestimentos das refinarias ainda está em estudo”. Em um documento publicado em 8 de março, chamado de Plano de Resiliência, a empresa fala sobre a ampliação de seu plano de desinvestimentos. >
Com a mudança de governo voltou-se à discussão sobre quais seriam os ativos a ser vendidos e qual seria o percentual. Ou seja, neste momento não haveria definição sobre a venda da Rlam. Tampouco se, em caso de negócio, a oferta seria mesmo por 60%, ou a totalidade da estrutura. >
Definição O presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB), Adary Oliveira, pesquisador na área de petróleo e gás, acredita que o mais importante para a Bahia é que a Rlam siga funcionando a plena carga. “Se a refinaria não é interessante para a Petrobras, o que eu tenho dito é que a empresa tem mais é que cair fora e deixar outra no lugar”. >
Para Oliveira, além dos ganhos com uma possível modernização da Rlam, bancada por novos investidores, a possibilidade do uso do Temadre por outras empresas resolveria os problemas portuários do estado. >
O economista Rodrigo Pimentel, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), acredita que as possibilidades da venda de ativos nas áreas de petróleo precisam ser analisadas à luz de seus impactos nas cadeias produtivas em que estão inseridas. “Há um equívoco na maneira de olhar o setor de óleo e gás. Os investimentos necessários são altos, então é preciso que se encontrem interessados que tenham escala suficiente para substituir”, aponta. >
A Petrobras foi questionada a respeito de possíveis interessados na Rlam, mas a empresa respondeu que a situação ainda está sendo analisada. Representantes dos trabalhadores dizem que há conversas adiantadas com a francesa Total.>
Situação da Fafen depende do gás A fase de pré-qualificação para o arrendamento das Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) na Bahia e em Sergipe foi concluída no último dia 1º, informou, em nota, a Petrobras. Três empresas, a Acron, Formitex e a Proquigel, atenderam aos requisitos exigidos para participar do processo de arrendamento das unidades. Questionada sobre um prazo para a conclusão do processo, a companhia informou que o processo licitatório vai acontecer de acordo com os ritos e atos previstos na Lei das Estatais. >
Há pouco mais de um ano, a Petrobras anunciou os planos de encerrar as atividades das Fafen, alegando um prejuízo anual de R$ 200 milhões na Bahia e de R$ 600 milhões em Sergipe. A empresa alegou as sucessivas altas no preço do gás natural para explicar o prejuízo e a decisão de deixar o negócio, mas sem uma solução quanto ao preço do gás, dificilmente a operação vai se tornar viável para um investidor privado, avalia o superintendente de Desenvolvimento Econômico da Bahia, Paulo Guimarães.>
“A dificuldade para viabilizar a atração de um interessado em assumir a fábrica é a mesma que levou a Petrobras a querer sair do negócio: o preço do gás natural”, destaca Guimarães. Para ele, a situação é criada por um equívoco da companhia. “Como é que uma empresa que produz uma matéria-prima utilizada por ela mesma considera o valor de mercado e não o custo de produção, se está vendendo aquilo para ela mesma?”, questiona. >
Segundo Paulo Guimarães, além da insistência em fornecer o gás pelo preço de mercado, a Petrobras ainda teria se recusado a liberar o terminal de regaseificação, instalado na Baía de Todos-os-Santos, para permitir que as empresas interessadas importem a um custo menor. “O terminal está lá parado, fizemos a proposta, porque a Fafen é importante para outras empresas, mas eles não aceitaram”, diz o secretário. >
Segundo a SDE, cinco fábricas baianas seriam fechadas sem os insumos fornecidos pela unidade.>
Trabalhadores da Rlam estão apreensivos Entre idas e vindas, já se passaram 19 anos desde que o operador industrial Claudio Bonfim, 39 anos, esteve pela primeira vez na Refinaria Landulpho Alves (Rlam). O que não mudou em nenhuma de suas passagens foi a qualidade do trabalho, segundo ele, acima da média para o setor. A oferta de serviços, por outro lado, caiu de maneira drástica. >
“Já participei de paradas de manutenção com trabalhadores de todos os lugares da Bahia. Infelizmente, não tem sido mais assim atualmente”, lembra. Claudio diz que, mesmo como terceirizado, é melhor estar dentro de uma empresa da Petrobras. “Temos os 30% de periculosidade, que muitas empresas não pagam, há maior preocupação com a segurança e os salários são melhores”, enumera.>
De acordo com dados do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA), há cinco anos, havia mais de mil trabalhadores próprios da Petrobras na unidade e outros cinco mil terceirizados. Atualmente, são 851 próprios e 1,2 mil terceirizados. >
“ A redução na atividade da refinaria é ruim para a economia baiana como um todo”, acredita o diretor do Sindipetro-BA, Attila Barbosa, 42, que é funcionário da Rlam há 12 anos. Segundo ele, a queda na produção da Rlam não teria qualquer relação com problemas na unidade ou a necessidade de investimentos. >
“Isso é decorrência de uma decisão corporativa. Ano passado, houve momentos de a refinaria operar com 53% da carga, porque a empresa alegava não ter onde estocar combustíveis, mas isso aconteceu por uma decisão dela de importar o que poderia ser fabricado aqui”, lembra. >
Funcionária da Petrobras, Christiane Barroso, 47, trabalha no laboratório da Rlam e demonstra preocupação com a possibilidade de venda da unidade. “Uma empresa privada não terá a preocupação que a Petrobras tem com o desenvolvimento do trabalhador e com a pesquisa”, acredita.>