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Segregação estrutural: eleições mostram desigualdades de raça e gênero na Bahia

Mulheres e negros ainda são minorias em cargos eletivos nas câmaras e prefeituras municipais

  • D
  • Da Redação

Publicado em 20 de novembro de 2020 às 15:12

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Reprodução/Pixbay/TSE

As eleições municipais conseguem falar muito mais do que apenas os resultados que definirão os próximos gestores e legisladores de cada cidade. Na Bahia, os pleitos eleitorais evidenciam as permanentes diferenças de cor e gênero, mesmo em um estado onde as mulheres são maioria, compondo 51,6% do total da população, e onde negros compõem 81,1% de todo o povo, ambos os dados segundo o IBGE.

Segundo dados extraoficiais obtidos pelo CORREIO através da API do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes a 411 dos 417 municípios do estado da Bahia, entre os prefeitos eleitos, apenas 47 são mulheres, número que equivale a apenas 11,4% do total. Homens ocupam um total de 364 vagas no executivo municipal, cerca de 88,6%. Nas três maiores cidades do estado, homens venceram a disputa ou estão no segundo turno: em Salvador, Bruno Reis (DEM); em Feira de Santana, Zé Neto (PT) ou Colbert Martins (MDB); e em Vitória da Conquista, Zé Raimundo (PT) ou Herzem Gusmão (MDB).

As questões de gênero não estão sozinhas, sendo acompanhadas por questões raciais de perto, inclusive com estas se cruzando em diversos momentos. No estado, apenas 28 prefeitos eleitos se autodeclararam pretos, cerca de 6,8% do total. O número de prefeitos brancos é de 149, uma porcentagem de 36,2%, enquanto o número de pardos é de 228, 55,4% do total. Somando pretos e pardos, definição classificada como negros pelo IBGE, o total é de 256 líderes municipais, que resulta em 62,2%, percentual ainda distante dos 81,1% de negros na população baiana. Cruzando os números de gênero e cor, a situação mostra-se ainda pior para as mulheres pretas. Há apenas três prefeitas mulheres eleitas que se autodeclararam pretas em todo o estado, que resulta no percentual mínimo de 0,7% do total. Considerando as prefeitas negras, o número total sobe para 29, condizente a 7% do número de eleitos. Por outro lado, há 18 prefeitas mulheres eleitas que se autodeclaram brancas, resultando em 4,3%. 

Entre os homens, a situação é semelhante: apenas 25 eleitos se autodeclaram pretos, um total de 6,1%. O número total de prefeitos brancos ultrapassa os 30%, com 131 homens escolhidos nas urnas. Novamente, o número total de negros fica distante do percentil populacional, apesar de acabar sendo maior que a representatividade total de mulheres: há 227 prefeitos homens eleitos que são negros, um total de 55,2%.

Os amarelos, de origem asiática, representam menos de 1% da população baiana, ou seja, cerca de 120 mil pessoas. No entanto, homens amarelos conseguiram três vagas em prefeituras, número idêntico ao de mulheres pretas que conseguiram se eleger. De acordo com estimativas do IBGE, a quantidade de mulheres pretas que vivem no estado da Bahia se aproxima de 2 milhões de pessoas. Fatores comparativos como esses evidênciam a diferença de representatividade no estado mais negro do país, além de um dos com maior número de mulheres. 

Câmaras Municipais

No legislativo municipal baiano, a situação não é diferente. Partindo do recorte de gênero, apenas 632 mulheres vereadoras foram eleitas, ou 13,7%. Homens novamente predominam, conseguindo um total de 3.985 vagas, número equivalente a 86,3%. No âmbito racial, a situação segue a mesma: apenas 686 vereadores se declaram pretos, 14,8% do total. Em comparação, 971 são brancos, cerca de 21% do total. 

Ao misturarmos as variáveis de gênero e cor, a situação mostra-se um reflexo do que há nas prefeituras. Apenas 82 vereadoras em todo o estado se autodeclararam pretas, 1,7% do total. Brancas possuem o dobro do percentual, com 3,4% e 158 representantes nas câmaras municipais ao redor do estado. Entre mulheres pardas, a situação é apenas um pouco melhor: 8,2% do total de eleitas, resultando num total de 378 vereadoras. Naira Gomes foi candidata (Foto: Reprodução) Naira Gomes tem 33 anos e foi candidata à vereadora em Salvador nas eleições de 2020. Mulher negra, a antropóloga e coordenadora da Marcha do Empoderamento Crespo sentiu na pele as dificuldades de entrar em campanha política fazendo parte do grupo mais afetado pela desigualdades sociais entre todos os recortes apresentados, mesmo tendo vasta experiência política e preparo para a busca da vaga na Câmara."Estamos na precariedade. É um boicote. Nós, mulheres negras, já partimos atrás em comparação com todas as outras pessoas. E isso vem de gerações. O fator econômico pesa muito. Isso sem contar que a mulher é extremamente mais sobrecarregada de trabalho, afetiva e intelectual, sobretudo as negras. As mulheres negras são mais alvos de todos os tipos de violência, inclusive política. No Brasil, há uma cultura de ódio às mulheres negras, e isso impacta na hora do voto", afirma.Também é pequena a quantidade de representantes populares dos indígenas. Na Bahia, vivem 37 mil pessoas de 16 grupos étnicos, no entanto, há apenas 11 vereadores indígenas, o que equivale a 0,2% do total. Aí também as diferenças de gênero aparecem: há apenas duas mulheres indígenas nesse grupo de 11 parlamentares.

Motivos e motivações

A razão desse fenômeno — que não é recente — é alvo de estudo dentro das universidades e centros de pesquisa ao redor do país, que também buscam propor soluções que consigam diminuir as diferenças de gênero e cor, visando colocar em pé de igualdade homens e mulheres, negros e brancos. Advogada e doutora em Políticas Sociais e Cidadania, a professora Érica Rios tenta elucidar essas questões em seus trabalhos, e conversou com o CORREIO sobre o tema.“A legislação eleitoral, especificamente, não obriga os partidos a lançar um número mínimo de candidatos(as) negros(as). Historicamente, as legendas privilegiam candidatos homens e brancos tanto na divisão de tempo de propaganda, quanto na repartição das verbas do fundo partidário. A pesquisa "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça" (IBGE, 2019) mostrou essa diferença de tratamento. Trata-se de um marcador, entre tantos, do racismo estrutural e do machismo estrutural em nosso país”, explica.No entanto, Érica não acredita que a mudança desse padrão venha “de cima para baixo”, ou seja, através de legislações que confiram o garantismo do fim das diferenças estruturais. Para ela, o problema acaba sendo muito mais complexo.  Professora Erica Rios (foto: Reprodução) “Em outubro desse ano o STF decidiu por 10 votos a 1 que os partidos precisam dividir o dinheiro e tempo respeitando a proporção de candidatos negros e brancos. A verba e o tempo destinados a brancos devem ser iguais para negros. Isso inclusive já estava valendo para as eleições de 2020. Ou seja, o direito à igualdade já existe na nossa Carta Magna desde 1988 e a Suprema Corte densificou esse direito nesse recorte específico. O absurdo é o seu reiterado descumprimento em tantas vias na nossa sociedade, sendo a eleitoral uma delas.”

finaliza criticando a política de cotas eleitorais, que exige que 30% das vagas de candidatos sejam para mulheres. Para a professora — e também de acordo com os números — há um valor simbólico na medida, no entanto, na prática, a situação acaba sendo diferente da esperada. 

“Veja, por fim, que foi criada legislação para impor uma cota aos partidos para tentar diminuir a desigualdade de candidaturas masculinas e femininas. Assim, passou a ser obrigado que todos os partidos lançassem pelo menos 30% de candidatas a cada eleição. Isso teve um valor simbólico relevante, mas a prática demonstra que boa parte das legendas não respeita a cota ou respeita apenas nominalmente, distribuindo significativamente menos recursos (tempo e verba) para as campanhas das mulheres. Com isso quero dizer que não basta criar novas leis, pois a realidade não se plasma de forma a se adequar imediatamente a ela. Ainda que se criasse nova norma impondo a divisão - o que seria uma repetição da já existente previsão geral constitucional de igualdade, de proibição da discriminação -, nada garante que seria um remédio eficiente. Sou muito cética em relação a esse recurso a novas leis como remédio desesperado, porque não é pela falta de leis que essas desigualdades se perpetuam. O buraco é bem mais embaixo”, finaliza.

Otimismo

Partindo do recorte racial, a visão de Irapuã Santana, mestre em Direito Processual, procurador no Rio de Janeiro e consultor do movimento político Livres, é possível ver uma mudança positivo em relação às últimas eleições ao longo dos anos, visto que o número de candidaturas e de eleitos pretos e pardo vem aumentando consideravelmente nos últimos pleitos, em especial nos grandes centros de tomada de decisão do país. Irapuã Santana, procurador (Foto: Reprodução) Além disso, políticas públicas especializadas, que garantem recursos aos candidatos negros para fazerem sua campanha também são vista de maneira animada por Irapuã."Verifiquei que houve uma resistência muito grande dos partidos em distribuir o dinheiro do fundo eleitoral para os candidatos negros. Muitas vezes, o dinheiro foi distribuído apenas na última semana antes das eleições, o que complica um pouco. Por outro lado, essas ações fomentaram o debate, o que fez com que as candidaturas antirracistas tivessem mais espaço, consequentemente entrando mais nas Câmaras de Vereadores, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, em que o número de pretos eleitos respectivamente dobraram e triplicaram", conta.Com uma perspectiva otimista para o futuro, Irapuã finaliza afirmando que vê com bons olhos os próximos pleitos, e que tem grandes expectativas já para o ano de 2022. No entanto, o procurador reitera que a vigilância e a fiscalização das regras e das política públicas devem ser mantidas constantes sempre. 

"Vamos ficar em cima dos investimentos, se eles realmente foram feitos em candidaturas negras. Vamos ver a forma que isso foi operacionalizado, os partidos tem que dar dinheiro com tempo dos candidatos utilizarem. A partir daí, a ideia é solidificar de fato essa política pública como algo sério, que deve ser respeitada pelos partidos. Vamos conseguir levar mais as ideias das pessoas negras para a população, a partir daí, vamos elegê-las mais", finaliza.

Na prática, a teoria é outra

Naira alerta, assim como Irapuã, sobre a necessidade do apoio, de diversas maneiras, mas especialmente do investimento financeiro nas campanhas antirracistas, que é a coisa mais eficiente possível para a mudança de paradigma.

"Os partidos e as pessoas brancas precisam praticar o antirracismo da forma eficiente, que é o investimento. Não dá pra lutar contra o racismo sem colocar dinheiro. E o dinheiro é pra quê? É pra políticas públicas, para que uma mulher negra tenha um comitê, para produzir material gráfico bonito, que reflita a imensidão das propostas, pois falar de dignidade é algo grandioso. Antirracismo produzido pelos partidos e pelas pessoas brancas, inexoravelmente, tem a ver com recursos financeiros", conclui. 

*Sob coordenação de Wladmir Pinheiro