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Yasmin Garrido
Publicado em 26 de março de 2019 às 17:16
- Atualizado há 2 anos
"Queremos explicação". Essa foi a frase que mais se ouvia nesta terça-feira (26), na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), durante audiência pública para discutir a situação atual do Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Estaduais (Planserv).>
Problemas envolvendo o plano de saúde ocorrem desde o início deste ano quando algumas especialidades médicas, como anestesistas, suspenderam seus atendimentos eletivos através do plano.>
No entanto, os cerca de 100 funcionários do executivo estadual que compareceram à Comissão de Saúde, sob o comando do deputado Alan Sanches (DEM), saíram do local sem respostas, já que o governo não enviou nenhum preposto ao ato.>
“É um descaso do Planserv não mandar nenhum representante”, reclamou Amilson Carneiro, presidente do sindicato dos servidores do Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA). Assim como ele, o deputado estadual José de Arimatéia (PBR) também ficou indignado com a ausência do plano.“Eles mandaram um documento com três páginas, que sequer foi assinado, apenas com a indicação de que foi elaborado pela coordenação geral. Isso é um absurdo, porque não tem validade. Eles deveriam ter vindo aqui e enfrentado os servidores, que buscam respostas”, reforçou o parlamentar.O CORREIO tentou contato com a Secretaria da Administração do Estado da Bahia (Saeb) para entender o motivo da ausência de representantes, mas não obteve retorno até o fim da tarde desta terça (26). A Alba informou, através da sua assessoria de comunicação, que a participação não é obrigatória e que o não comparecimento não é passível de punição.>
De acordo com o presidente da audiência pública, deputado Alan Castro (PSD), o sistema está passando por uma fase de mudanças na coordenação e, por isso, não foi possível ter nenhum preposto na reunião com a categoria médica e os beneficiários.>
A audiência pública, presidida por ele, que é da base governista, aconteceu para que pudessem ser discutidos e solucionados os problemas que acometem o Planserv atualmente. No entanto, apesar de deputados, médicos e servidores terem debatido a situação do plano, não houve nenhum retorno de que as questões serão minimizadas ou resolvidas.>
Por meio de documento, o Planserv afirmou apenas que, somente em janeiro de 2019, foram realizados, “190 mil atendimentos, 148 mil consultas, 330 partos e 10.100 intervenções cirúrgicas, valores que representam a média de atendimentos do Planserv”. Ainda segundo a coordenação do Planserv, nos últimos meses, foi identificado aumento na adesão ao sistema. Duda Sanches (DEM) participou da assembleia (Foto: Yasmin Garrido/CORREIO) Dívidas e problemas Após dois anos de orçamento folgado, as contas do Planserv fecharam 2018 no vermelho, com déficit superior a R$ 20 milhões. De acordo com dados do Portal da Transparência, o estado foi responsável por apenas 20% dos repasses ao sistema, enquanto os servidores arcaram com 80% da receita do plano, sendo a contribuição estadual a mais baixa dos últimos quatro anos.>
Mesmo com as contas sem fechar, o governo estadual anunciou a retirada de R$ 200 milhões do Planserv em 2019. Segundo o corregedor do Conselho Estadual de Medicina da Bahia (Cremeb), José Abelardo Meneses, além disso, ainda existe uma dívida de R$ 100 milhões do Estado com profissionais da área de saúde - hospitais, clínicas e médicos.“É importante reforçarmos a necessidade do governo olhar com mais atenção para o Planserv. São mais de 500 mil vidas que dependem do sistema. A retirada da verba vai fazer falta sem dúvida alguma. O Planserv, ao invés de reduzir investimento, precisa apoiar a saúde de seus beneficiários”, disse o corregedor.O deputado estadual Alan Sanches, que faz oposição ao governo, destacou que “essa é mais uma prova de que o estado quer postergar a resolução de um problema, empurrando tudo com a barriga”. Para ele, não é possível apenas comunicar que serão retirados R$ 200 milhões sem que se explique o porquê. A Saeb também não se manifestou sobre as acusações até o momento.>
Cotas O principal problema do Planserv, segundo a classe médica e os próprios servidores, é o estabelecimento de cotas para atendimento. O investigador aposentado da Polícia Civil, Bernardino Gaioso, beneficiário do sistema, afirmou que tentou marcar um oftalmologista, mas só conseguiu consulta para daqui a três meses. “No entanto, quando perguntei sobre a possibilidade de pagar à vista, o que me custaria cerca de R$ 400, me disseram que eu poderia ser atendido nesta quinta (28)”, disse.>
O limite foi implementado em 2017, com as mudanças na legislação do Planserv. O funcionamento acontece da seguinte forma: quando um hospital atinge a cota para determinado procedimento, o Planserv continua autorizando a realização do exame. Só ao final do ciclo, quando fecha o mês e acontecem os repasses, informa à unidade de saúde que há extracota, deixando de pagar os valores supervenientes.>
Com isso, os médicos e a instituição ficam sem receber. Foi a partir dessa ausência de repasse que surgiu a dívida de R$ 100 milhões do Planserv com a classe médica. “Há uma assistência silenciosa, acuada pelo regime de cotas. Tudo existe - médicos, servidor e hospital - mas o atendimento não existe”, afirmou Ana Rita Peixoto, presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed-Ba).>
O secretário de Administração do estado, Edelvino Góes, no entanto, negou em entrevista concedida ao CORREIO no dia 8 de fevereiro deste ano, ao afirmar que “como o Planserv está dentro da administração pública, a relação do plano se dá mediante contratos. Então, têm-se valores orçamentários de contratos, que, se dentro daqueles contratualizados, são todos pagos em dia, sem atraso”. Ainda segundo ele, “o que excede o contrato, entra em um processo de verificação, que é uma despesa pendente para reconhecimento”.>
É justamente sobre essa despesa pendente que se queixam os hospitais, clínicas e laboratórios, já que, quando a cota é atingida, muitas vezes as unidades de saúde precisam interromper a prestação dos serviços e, consequentemente, a arrecadação.>
“Em razão da ética médica, o hospital não vai negar atendimento ao beneficiário e, com isso, se prejudica, porque não recebe o repasse. O Planserv até hoje não assume a questão das cotas”, declarou o vice-presidente do Cremeb, Júlio César Vieira Braga.>
Má administração Em meio a todos os problemas já discutidos sobre a situação atual do plano de saúde, os deputados, médicos e servidores levantaram algumas questões referentes à terceirização da administração do Sistema de Assistência à Saúde, hoje feita pela empresa Qualirede, com sede em Florianópolis e capital social aproximado de R$ 3,6 milhões, de acordo com documento do Ministério da Fazenda.>
A empresa entrou como gestora do Planserv em 2018, justamente no período em que o sistema registrou déficit orçamentário. “O Planserv vinha bem, mas curiosamente, desde que a QualiRede assumiu, a curva passou a ser descendente. Isso é uma relação de causa e efeito. Precisamos ver como está essa gestão da empresa”, afirmou Ana Rita, do Sindimed.>
A empresa faz a gestão do plano de saúde dos servidores estaduais por R$ 72 milhões ao ano, o que corresponde a cerca de 4 vezes o déficit apresentado pelo sistema em 2018. Para 2019, com a retirada de R$ 200 milhões dos repasses do governo estadual, os servidores e a classe médica pedem explicações ao Estado.>
O vereador Cézar Leite, que é médico e esteve também presente na audiência pública, destacou que a Qualirede é “um sistema que não consegue dizer qual médico fez o quê”. Para ele, se não há definição, não é possível efetuar o pagamento.“Qualquer plano mais simples consegue fazer isso, mas a empresa não consegue entregar um extrato de cirurgias. O Planserv autoriza tudo e deixa a cargo do prestador definir se vai atender ou não. Isso não se faz”, destacou.O CORREIO tentou contato com a Qualirede, sem sucesso.>
A presidente do Sindimed reforçou ainda que, além das dívidas contratuais e no rombo do orçamento, as tabelas do Planserv não são atualizadas com frequência. “Algumas categorias estão há 3, 5 ou 10 anos sem atualização nos valores recebidos por procedimento”, declarou. Já o líder governista na Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Rosemberg Pinto (PT), disse que “o que o Planserv paga aos médicos e às clínicas está na média do país”.>
Ainda de acordo com Rosemberg, os servidores pagam pouco, em comparação aos demais planos, para ter direito aos procedimentos médicos. “O Planserv não amplia os valores de contribuição à medida em que a pessoa fica mais velha. É com base no salário do servidor. E, se estamos com problemas na economia brasileira, a Bahia também foi atingida, o que justifica a retirada de parte dos investimentos, sem que isso, no entanto, traga prejuízos ao beneficiário”, ressaltou.>
Inconstitucional Outro ponto levantado pelo conselheiro do Cremeb, José Abelardo Meneses, foi a questão do pagamento feito aos médicos. “É inconstitucional o Planserv pagar à instituição para que esta efetue o repasse ao profissional. Isso é bitributação”, explicou.>
Em razão da ausência de preposto do Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Estaduais, o conselheiro disse que “o apelo está feito ao Planserv e espera que a situação seja solucionada, inclusive, com a ajuda dos deputados”. >
O Diretor de Defesa Profissional da Associação Bahiana de Medicina, César Amorim, também ressaltou que a bitributação, aliada às cotas e, consequentemente, ao não pagamento pelos procedimentos realizados, é o que mais demonstra “a incapacidade da gestão do Planserv”. Para ele, não é possível existir médico, hospital, paciente e não se poder exercer a profissão, seja pelo motivo que for.>
José Abelardo Meneses trouxe, ainda, o tratamento dado pelo Planserv aos curatelados - o curador cuida, mediante ordem de um juiz, do interesses de um terceiro que se encontra incapaz de fazê-lo. “O sistema é inconstitucional mais uma vez, porque que prevê a adesão do tutelado e não prevê a adesão do curatelado. Isso tem em decisões do STF e é inconstitucional, além de encher a justiça de ações e fazer perder tempo”, afirmou.>
Todos os problemas relacionados ao Planserv, que foram decisivos para o acontecimento da audiência pública nesta terça-feira (26), levaram à paralisação das atividades por parte de anestesistas e médicos, no início deste ano. Os únicos serviços prestados eram os de urgência e emergência. No entanto, no dia 16 de março, os anestesistas voltaram a operar com 100% do contingente.>
* Com supervisão da subeditora Fernanda Varela>