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Projeto Comprova
Publicado em 12 de dezembro de 2019 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Em meio a uma crise internacional gerada pelos incêndios na Amazônia e a uma onda de críticas à falta de ação do governo federal — que chegou a culpar ONGs pelo ocorrido— , as queimadas também foram tema de desinformação nas redes.>
O número de focos de incêndio até o dia 1º de setembro de 2019 foi recorde dos últimos nove anos, com 91.891 pontos de fogo. Desses, mais de 50% dos focos de incêndio foram na Amazônia. Nos últimos dez anos, somente 2010 teve um ano pior em queimadas.>
O mês de agosto, acompanhando o número geral, também foi o pior da década, com 30.901 focos — novamente, só superado por 2010.>
O boato Diversas páginas e perfis brasileiros no Twitter e no Facebook divulgaram, em setembro de 2019, um vídeo em que era possível ver um avião jogando água sobre uma floresta. Ao fim da gravação, a mulher que filmava comemora e grita de alegria com a queda das gotas de água.>
As publicações diziam que as imagens mostravam um avião israelense apagando fogo na Amazônia. A postagem da página República de Curitiba, que foi uma das que mais viralizaram, chegou a mais de 500 mil visualizações e 21 mil compartilhamentos.>
Essa não era a primeira vez que circulavam boatos envolvendo o apoio de Israel ao Brasil. Em abril, por exemplo, diversas postagens apontavam uma suposta doação de 15 helicópteros ao Brasil, depois de Bolsonaro ter visitado o país, mas a informação era falsa. A checagem Aviões israelenses estavam apagando incêndios no Brasil? Quem buscasse na internet encontraria textos da última semana de agosto informando que o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, tinha declarado que seu país doaria de 200 a 300 toneladas de um produto químico para ajudar a combater as queimadas na Amazônia.>
Na semana seguinte, uma delegação com 11 especialistas israelenses em combate a incêndios e salvamento foi enviada ao Brasil. Diante do alto custo, o país teria desistido de enviar o produto químico.>
Com isso, um dos primeiros passos do Comprova foi entrar em contato com o Ministério da Defesa, que afirmou que a ajuda de Israel se deu “por meio do envio de bombeiros militares munidos de equipamentos para combate às chamas”.>
Ainda de acordo com o órgão, o Brasil teria recebido duas aeronaves civis do Chile para combater as chamas no Pará. O modelo das aeronaves chilenas não correspondia ao visto no vídeo viralizado.>
Quem fez o vídeo original? Era preciso descobrir onde tinha sido filmado o vídeo em questão. Teria sido mesmo no Brasil, mas com outro avião?>
Com o uso do Invid, é possível buscar (por meio de imagens congeladas do vídeo) postagens que compartilham determinada gravação. Basta ter o arquivo do vídeo salvo no computador ou o link do vídeo. Dessa forma, o Comprova localizou, pela imagem de parte da roda do trator, o mesmo vídeo viralizado em um site holandês. Mesmo com a ferramenta, chegar a esse site não foi tão simples. Como o vídeo checado trazia uma imagem pouco específica e de pouca qualidade (uma paisagem na floresta com um trator e pouco depois um avião), a busca retornava diversos outros resultados, mas na maior parte das vezes nenhum deles correspondia ao vídeo procurado — algo que acontece em muitas verificações.>
A postagem no site holandês era do dia 6 de setembro. Apesar de não parecer ser o registro original, um dos comentários dizia se tratar de um “747 Supertanker”. O Comprova buscou então no Twitter pelos termos “747 Supertanker” e chegou a um tuíte de 6 de setembro com o mesmo vídeo viralizado, com legenda que afirmava se tratar de um 747 Supertanker apagando incêndios na Amazônia boliviana.>
Notícias da CNN e do G1 também informavam sobre o uso do Supertanker no combate ao fogo na Bolívia.>
Partindo do forte indício de que o vídeo tinha sido filmado na Bolívia, o Comprova contatou diversas páginas de notícias locais que tinham compartilhado o vídeo, mas nenhuma delas soube informar a origem da filmagem. Afirmações precisam ser comprovadas Entre os tuítes, foi localizado o de uma jornalista boliviana que creditava o vídeo a um empresário também boliviano. Em uma notícia, ele aparecia como tendo sido intermediador das negociações entre a empresa dos Estados Unidos e governo boliviano. O Comprova fez contato com ele, que afirmou ser de fato quem teria filmado o vídeo. Pedimos então os metadados para confirmar. Metadados são como a impressão digital de um arquivo (foto ou vídeo): por meio dessas informações, é possível checar o dia, a hora e o local onde o arquivo foi feito, além do local de armazenamento.>
Solicitamos que ele enviasse o vídeo por meio de algum site de transferência de arquivos, visto que pelo Whatsapp e redes sociais os metadados são automaticamente zerados. No entanto, nenhum dos arquivos enviados por ele tinham informações de data, hora ou local.>
O próximo passo então foi contatar Dan Reese, presidente da empresa norte-americana dona do Supertanker. Ele assistiu ao vídeo viralizado, enviado a ele pelo Comprova, e afirmou que a gravação de fato parecia mostrar um de seus aviões do modelos 747.>
No entanto, negou que o empresário boliviano tivesse sido responsável por intermediar qualquer negociação. Sem os metadados e com o discurso desmentido pelo dono do avião, o Comprova voltou à busca do vídeo original.>
Nem todos entendiam o porquê da necessidade dos metadados O registro do vídeo mais antigo que foi localizado é do dia 5 de setembro, dia anterior à postagem do empresário, e foi publicado pela página “boliviaalalucha” no Instagram. A postagem foi enviada por jornalistas locais, depois de o Comprova acionar uma rede de jornalistas sul-americanos, pedindo sugestões ou dicas para dar seguimento à verificação.>
Ao entrar em contato com o administrador da página mencionada, ele indicou a pessoa que seria responsável pelo vídeo. Entretanto, mais uma vez, não era o autor.>
Depois de contatar a página, o Comprova conversou com outras duas pessoas, que informavam que a localidade da filmagem era a cidade de Concepción, na Bolívia. Ao insistir em entrar em contato diretamente com a pessoa que teria filmado o vídeo, elas pareciam tomar o questionamento como falta de confiança na palavra delas.>
Por fim, uma dessas pessoas forneceu o contato de María René Céspedes Bazán, que afirmou ser a autora do vídeo e contou que estava ajudando a apagar os incêndios em uma propriedade da região, com seu marido e outros voluntários, quando o avião sobrevoou o local. É ela quem grita ao fim do vídeo.>
No entanto, ela desconhecia plataformas que suportassem o envio dos arquivos, mesmo as mais conhecidas, como o Drive do Google. Tentamos explicar a ela como isso poderia ser feito, mas não funcionou.>
A forma encontrada para obter os dados do vídeo foi a seguinte: ela utilizou o próprio celular para filmar a gravação original no celular de seu marido, com o qual afirmou ter filmado a cena do avião, e mostrou os metadados do vídeo. Cruzamento de dados: a última confirmação Finalmente o Comprova tinha fortes indícios de que a autora do vídeo tinha sido encontrada. Ainda assim, apesar de pouco provável neste caso, os metadados do vídeo poderiam ter sido adulterados.>
Por isso cruzamos os dados do vídeo de Bazán (data, horário, percurso e localização) com os dados sobre os voos da empresa Global Supertanker na região naquela data.>
O Comprova localizou no FlightAware (site de rastreio de voos) que, no dia 5 de setembro, o Boeing 747 da empresa Global SuperTanker decolou do Aeroporto Internacional Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, às 10h40 e retornou ao mesmo aeroporto às 11h37. A foto de Bazán consta como tendo sido tirada às 11h09. Além disso, ao comparar o trajeto do voo no site e a distância entre o aeroporto e a localidade de Concepción, as informações de Bazán também se mostravam compatíveis. A distância apontada no percurso é de cerca de 190 km, e a distância real percorrida pelo avião, contando ida e volta, foi de 394 km. Colaboraram com esta verificação os jornalistas Cecilio Moreno, da revista Vistazo, do Equador, e Fabiola Chambi, de Los Tiempos de Cochabamba, na Bolívia.>
Conclusão Concluímos que o boato era falso. Israel não enviou aeronaves ao Brasil para combater incêndios na Amazônia, e o vídeo que viralizou foi feito em Concepción, na Bolívia, no dia 5 de setembro. Esta checagem reforça a importância de confirmar a procedência e autoria de vídeos antes de compartilhá-los.>
Esta verificação foi feita por Renata Galf (Folha de S.Paulo) e Mariana Vick (Nexo) e publicada pelo Comprova em 17 de setembro de 2019 com o título “É falso que aviões israelenses tenham sido enviados para apagar incêndio na Amazônia brasileira”. O texto foi ratificado por O Estado de S. Paulo, Poder360, Jornal do Commercio, Jornal Correio, GaúchaZH e SBT.>