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Projeto Comprova
Publicado em 20 de março de 2024 às 14:12
Falso: Não é verdade que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a covid-19, como defende um médico em um vídeo gravado em 2021 e que voltou a viralizar. O remédio é um antiparasitário indicado para tratar a doença do sono, a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose. O médico também cita o uso da ivermectina, outro antiparasitário, para bloquear a atuação da vacina, mas, o medicamento é contraindicado para covid pela Organização Mundial da Saúde em função de eventuais efeitos colaterais e não faz parte do rol de remédios aprovados pela Anvisa para tratamento do coronavírus.>
Conteúdo investigado: Um vídeo que voltou a circular nas redes sociais mostra o médico identificado como Dr Nasser dizendo que os medicamentos suramina e ivermectina podem funcionar como um antídoto contra a proteína S gerada a partir da vacinação contra a covid-19. O trecho da gravação vem com o título “Notícia boa para os vacinados arrependidos, ou enganados! ESSA É A VERDADEIRA CIÊNCIA!” e ainda “Saiba como eliminar a vacina do seu organismo. Dr Nasser, MD PHD do Hospital Albert Einstein*”. >
Onde foi publicado: X. >
Conclusão do Comprova: Não há evidências científicas que demonstrem que a substância suramina possa impedir a atuação da vacina contra a covid-19 no organismo, assim como não há indicação médica para o uso da ivermectina por pessoas imunizadas contra a doença. O conteúdo aqui investigado integra uma palestra conduzida pelo médico José Augusto Nasser no “Encontro Liberdade e Democracia”, realizado em novembro de 2021 em São José, Santa Catarina. Já naquela época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertava para a falta de evidências dos possíveis benefícios da ivermectina.>
O médico, que já foi alvo de outras investigações do Comprova, defende que os remédios sejam usados para reparar mitocôndrias (estruturas dentro das células) que são supostamente destruídas pela proteína S gerada a partir da vacinação, o que não é verdade. Ele diz ainda que a suramina pode ser consumida através do chá de funcho, planta medicinal indicada para melhorar a digestão, combater cólicas e aliviar náuseas, mas a substância é, na verdade, fabricada em laboratório.>
Ao Comprova, a farmacêutica Bayer, que sintetizou o medicamento pela primeira vez em 1904, disse que o antiparasitário é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como remédio essencial para tratar doenças tropicais. “Não há indicação em bula para uso relacionado à covid-19 e o medicamento não é comercializado no Brasil”, esclareceu a empresa.>
Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), explica que a proteína S estimula a produção de anticorpos para combater uma eventual infecção pelo coronavírus e que não se mantém no organismo.>
Eduardo Silveira
professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USPAinda segundo o especialista, a mitocôndria serve como um motor metabólico da célula. “Ninguém mostrou absolutamente nada sobre o papel da spike [proteína S] na mitocôndria de uma célula infectada. Pelo contrário, uma vez que o vírus invade essa célula, ele começa o processo de replicação. Então, para tentar ganhar o público, é um uso de palavras que não tem a mínima relação com a realidade.”>
Procurado pela reportagem, o Hospital Albert Einstein informou que o médico José Augusto Nasser nunca fez parte do corpo clínico da instituição, diferentemente do que alega o vídeo.>
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.>
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de março, a publicação tinha 145,4 mil visualizações no X. >
Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou por outras checagens feitas sobre a declaração do médico José Nasser acerca da suramina como antídoto para os efeitos da vacina contra a covid-19. Em seguida, procurou a Bayer, empresa farmacêutica que produz a suramina, e a Anvisa. Na sequência, a reportagem entrevistou o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Silveira e o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza. Por fim, o Comprova fez contato com o próprio médico José Nasser.>
Durante a apresentação, o médico menciona um estudo sueco que sugere que a proteína S pode se integrar ao DNA e interferir em seu processo de reparação. Ele diz que isso levanta preocupações sobre a possibilidade de os imunizantes terem efeitos genotóxicos e carcinogênicos, ou seja, a capacidade de provocar mutações no material genético e potencialmente causar câncer. >
O médico afirma que o referido artigo oferece uma análise detalhada sobre como a proteína S pode interromper a reparação do DNA, enfatizando a importância constante deste processo para prevenir o desenvolvimento de tumores.>
O Comprova solicitou ao médico o estudo ao qual ele se referia, mas Nasser não enviou a publicação. De acordo com o Estadão Verifica, as fontes citadas por ele durante a apresentação remetem a uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, conduzida por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, na Suécia, semanas antes da palestra realizada pelo médico.>
O artigo em questão foi removido da revista em 2022 porque um dos autores descobriu que o documento apresentava um desenho experimental inadequado. Isso significa que a estrutura que orientou a coleta de dados e a análise estatística estava incorreta. Assim, as conclusões da pesquisa não têm validade.>
Na palestra, o médico defende o consumo de suramina através do chá de funcho e do chá de agulha de pinheiro branco. Na imprensa internacional, especialistas reforçam que não há relatos de que a substância possa ser encontrada na natureza, já que foi sintetizada a partir de um corante chamado azul de tripano, comumente usado em laboratórios para coloração celular. Além disso, o consumo traz riscos de toxicidade renal e hepática, reações oculares, insuficiência adrenal e anemia.>
Eduardo Silveira
professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USPUm estudo publicado na revista Nature em abril de 2023 investigou se a suramina seria capaz de inibir a ligação entre a proteína spike do vírus e células humanas, impedindo a infecção. A pesquisa foi conduzida por instituições dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Foram analisadas estruturas das variantes do tipo selvagem, Delta e Ômicron em ensaios in vitro. >
Um dos resultados observados foi de que a “suramina é um potente inibidor da infecção por SARS-CoV-2 e é mais ativa contra a variante Ômicron”. Os cientistas afirmam, no entanto, que a pesquisa não é conclusiva. “Dado que a suramina não está aprovada nos Estados Unidos devido a preocupações com a toxicidade, são necessários mais estudos farmacológicos e ensaios clínicos para demonstrar a eficácia da suramina reaproveitada como terapêutica para a covid-19 ou como profilaxia pós-exposição, por exemplo, como spray nasal.”>
O estudo não faz referência sobre um possível uso da suramina para eliminar a proteína S do organismo, como sugeriu o médico do vídeo aqui verificado. Para o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, a tese de detox de vacina é irracional. >
Carlos Magno Fortaleza
presidente da Sociedade Paulista de InfectologiaNo Brasil, não há indicações aprovadas pela Anvisa para medicamentos com suramina. “Ressaltamos que somente ensaios clínicos que tenham finalidade de subsidiar o registro do medicamento estão sujeitos à análise e anuência da Anvisa. Pesquisas de caráter científico ou acadêmico não dependem de autorização”, diz nota enviada pela agência ao Comprova. >
O Ministério da Saúde reafirmou que a vacinação de covid-19 teve “grande impacto na redução da morbimortalidade pela doença, evitando milhares de óbitos e internações no Brasil”. Reforçou, ainda, que a suramina tem sido utilizada pela medicina em diferentes contextos por possuir propriedades antiparasitárias e anti-inflamatórias. Mas deixou claro que o medicamento deve ser usado conforme indicação na bula. “Até a presente data, não existem estudos ou indícios que demonstrem que esta substância interfira na eficácia das vacinas contra a covid-19 ou de outras vacinas”, diz a nota.>
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o responsável pela publicação no X, mas não obteve resposta. A reportagem ainda contatou o próprio médico José Nasser, que reafirmou que a suramina inibe, sim, os efeitos da vacina da covid-19 e que os estudos já foram bem divulgados “em outras contestações”. O médico também afirmou que não recomenda mais o chá de funcho “por outras razões”, mas não deu detalhes. “A discussão médica deverá ser feita em ambiente médico e eu não me responsabilizo por muitos vídeos que não são meus que podem ainda estar circulando. Infelizmente estes conteúdos são editados, clonados e tudo pode ser feito com eles”, disse Nasser, que, como informado acima, já teve conteúdos verificados pelo Comprova.>
O que podemos aprender com esta verificação: A tática de desinformação atrelada a esse conteúdo é a manipulação de fatos científicos para promover uma falsa sensação de segurança ou cura alternativa, sem embasamento em evidências científicas concretas. Para se precaver contra esses conteúdos enganosos, é fundamental buscar fontes confiáveis e especialistas reconhecidos e estudos comprovados para obter informações sobre saúde e vacinação. Além disso, é importante desenvolver o pensamento crítico e questionar informações duvidosas, verificando sua veracidade antes de compartilhá-las, contribuindo assim para conter a disseminação de desinformação.>
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.>
Outras checagens sobre o tema: Boatos.org, O Observador, Agência Lupa e Estadão Verifica já verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como falso. Outro post envolvendo Nasser, um em que ele mentia ao afirmar que estudo de Cambridge comprovou que imunizados contra a covid desenvolveram Aids, foi recentemente verificado pelo Comprova.>