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Perla Ribeiro
Agência Einstein
Publicado em 1 de junho de 2025 às 15:07
Pintar, dançar, ouvir música ou participar de atividades artísticas em grupo pode ser muito mais do que um passatempo: é uma estratégia eficaz para melhorar a saúde mental de adultos maduros e idosos. É o que revela um estudo conduzido pela Universidade Queen Mary, em Londres, publicado recentemente na revista científica Nature Mental Health. A pesquisa analisou 39 estudos realizados em 21 países, envolvendo ao todo 3.360 pacientes com quadros de depressão e 949 com sintomas de ansiedade. Todos os participantes tinham mais de 55 anos e não apresentavam diagnóstico de demência. Em 36 dos estudos, os cientistas investigaram os efeitos de intervenções artísticas sobre sintomas depressivos; outros 10 analisaram os impactos sobre a ansiedade. >
Os resultados foram claros: a prática de atividades artísticas — especialmente quando realizadas em grupo — tem efeito positivo no alívio dos sintomas dessas condições. Os benefícios foram consistentes em diferentes tipos de arte e entre populações de diversas culturas. Para os pesquisadores, o principal diferencial está na experiência compartilhada e na construção de conexões sociais, que atuam como suporte emocional. >
As intervenções artísticas promovem mais do que momentos de lazer: elas atuam em múltiplas dimensões da saúde emocional e cognitiva dos idosos. Segundo o psiquiatra Luiz Gustavo Vala Zoldan, do Hospital Israelita Albert Einstein, essas práticas favorecem o convívio social e reduzem o isolamento, combatendo a solidão e promovendo senso de pertencimento e utilidade — fatores essenciais para um envelhecimento saudável. “Além disso, o engajamento criativo ativa áreas cerebrais ligadas à motivação e à recompensa, o que pode melhorar o humor e reduzir sintomas ansiosos”, explica.>
Além dos ganhos em bem-estar, o estudo sugere que essas intervenções podem representar uma alternativa eficaz ao uso de medicamentos em certos casos — uma estratégia que, segundo especialistas, traz vantagens importantes, especialmente na terceira idade. “Essa pesquisa mostra que nem sempre é necessário utilizar medicações nesses casos, o que é bom porque reduz o custo do tratamento e evita possíveis efeitos colaterais que os remédios podem provocar. Isso é especialmente importante no caso de idosos, pois muitos já utilizam outros medicamentos”, destaca a médica geriatra Lara Miguel Quirino de Araújo, chefe da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).>
A socialização proporcionada pelas atividades em grupo também contribui para que o indivíduo perceba que outras pessoas enfrentam desafios semelhantes, mas com diferentes formas de enfrentamento. Essa vivência ajuda a deslocar o foco do próprio sofrimento, permitindo o engajamento com experiências que geram prazer, orgulho e motivação. “Esse trabalho traz evidências robustas que reforçam algo que já observamos na prática clínica: a importância de abordagens integrativas e criativas no cuidado com a saúde mental e a formação de redes de apoio que vão além do modelo exclusivamente biomédico”, afirma o psiquiatra Luiz Gustavo Vala Zoldan, do Hospital Israelita Albert Einstein.>
Um dado relevante do estudo é que os efeitos das intervenções artísticas foram ainda mais significativos entre idosos residentes em instituições de longa permanência, como casas de repouso. “Isso pode ter duas razões principais. Primeiro que o acesso é mais fácil, já que quem mora em sua própria residência precisa ter motivação para sair de casa e pensar no transporte até o local das atividades. Isso sem falar que nas casas de repouso a prevalência de casos de depressão costuma ser maior, o que ajuda a evidenciar os benefícios”, avalia a especialista da Unifesp.>
Frequência das atividades>
Para que os efeitos positivos se concretizem, os especialistas recomendam que os encontros ocorram ao menos uma vez por semana, com duração entre 60 e 90 minutos, e em grupos pequenos, o que favorece a interação. A escolha da atividade deve considerar as condições físicas e cognitivas de cada participante, bem como seus interesses pessoais, garantindo envolvimento genuíno. Os benefícios são notados com mais intensidade após três meses de participação contínua.>
Embora, em geral, as terapias artísticas não tenham contraindicações absolutas, a indicação deve ser individualizada. É necessário respeitar os limites de cada idoso, garantindo que as atividades sejam inclusivas e seguras. "Se o idoso tem problemas de equilíbrio, por exemplo, a dança pode não ser a melhor opção. Pessoas com dificuldades cognitivas avançadas, dificuldades com o pragmatismo, quadros de delírio, agitação intensa ou limitações físicas importantes podem precisar de adaptações específicas", orienta a geriatra.>
Também é fundamental avaliar o grau da condição clínica. Em casos mais graves de depressão ou ansiedade, o tratamento deve incluir medicação e psicoterapia, para que o paciente tenha condições emocionais e energéticas de se engajar nas atividades. A atuação de uma equipe multidisciplinar costuma potencializar os efeitos positivos.>
“Por fim, vale destacar que, além do impacto na saúde mental, as atividades artísticas em grupo promovem bem-estar geral, estimulam a cognição, fortalecem vínculos comunitários e ajudam a combater o etarismo/idadismo, o preconceito contra o envelhecimento. Investir nessas práticas é investir em saúde pública, qualidade de vida e envelhecimento ativo. É um campo que merece mais atenção nas políticas públicas e nos serviços de saúde”, diz o médico do Einstein.>