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Saiba qual é o tipo de câncer que pode te levar a confundir com dor de coluna: ‘vivia 24 horas com dor’

Doença é considerada incurável, com recaídas frequentes e piora dos resultados clínicos a cada nova linha de tratamento.

  • Foto do(a) author(a) Perla Ribeiro
  • Perla Ribeiro

Publicado em 24 de novembro de 2025 às 05:30

Dor na lombar e na coluna
Dor na coluna Crédito: Shutterstock

O paulista Ailton Santana, 53 anos, conviveu por oito meses com dores nas costas. Dormia e acordava com dor e passava o resto do dia com ela. Nesse intervalo, se consultou com oito ortopedistas até chegar ao diagnóstico de que não era um problema de coluna, como muitos desconfiavam. “Só depois do oitavo médico é que voltei ao primeiro e ele pediu exames mais detalhados. A ressonância mostrou que era um tumor que estava travando a coluna. Daí, o chão se abre e a gente vive toda aquela coisa de quem se descobre acometido por um câncer”.

Ao ser encaminhado para um hospital especializado no tratamento de câncer, o diagnóstico preciso começou a ser desenhado: “A médica disse que estava com cara de mieloma múltiplo e passou uma bateria de exames”, lembra. A doença a que Aílton acabava de ser apresentado e que vai conviver pelo resto da vida é considerada incurável, com recaídas frequentes e piora dos resultados clínicos a cada nova linha de tratamento.

Ela representa 10% dos cânceres hematológicos e, a estimativa é de que, no Brasil, 7,6 mil novos casos sejam identificados por ano. Na Bahia, o mieloma múltiplo foi a causa de 1.169 mortes entre 2020 e 2024. Este ano, de janeiro a agosto, foram 167 óbitos. Como não é uma doença de registro compulsório, de acordo com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), não há como estimar quantas pessoas têm o diagnóstico da doença no estado. Cerca de 400 pacientes são atendidos com mielopatias, atualmente, no Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hupes).

O diagnóstico de Aílton veio no final de 2020 e, em julho de 2021, ele era submetido a um transplante de medula óssea. “Meu diagnóstico foi bem tardio, tinha fraturas do crânio aos pés. Fiz cirurgia no fêmur, fiquei de cadeira de rodas, de andador, de muletas. Tive que reaprender a andar. A gente acaba ficando com algumas comorbidades, mas quando é diagnosticado, as dores melhoram. Eu vivia 24 horas com dor”, recorda.

Doença óssea

De acordo com a hematologista Vânia Hungria, que é cofundadora da International Myeloma Foundation (IMF) Latin America e a principal investigadora de um estudo recente sobre uma nova droga para o tratamento da doença, o quadro de Aílton é muito comum entre os pacientes com mielona múltiplo: entre 70% e 90% têm doença óssea. “As células têm capacidade de produzir uma substância que destrói o osso. Uma queixa frequente dos pacientes é dor nas costas, que é uma queixa frequente de idosos, então deixam de investigar”, alerta.

Embora seja o segundo tipo de câncer sanguíneo mais comum no Brasil, o mieloma múltiplo é considerado raro e tem causa ainda desconhecida. Mais frequente em pessoas do sexo masculino e da raça negra, ele é caracterizado pela proliferação de plasmócitos malignos, que afeta a medula óssea e compromete a produção normal de células sanguíneas.

Entre os sintomas estão a perda de peso, dores nos ossos, principalmente costas, costelas e quadris, fadiga, anemia, febre, infecção renal, aumento do baço e sensação de saciedade. “60% dos pacientes têm anemia. Como destrói o osso, aumenta o cálcio no sangue”, explica médica.

A hematologista explica que, embora a doença acometa principalmente os pacientes a partir dos 70 anos, há casos também de pessoas abaixo de 50 anos diagnosticadas com esse tipo de câncer, como ocorreu com Aílton. “Esse paciente existe. É muito raro em criança, porém, não impossível”, informa. Como a causa é desconhecida, não há como preveni-lo, mas o diagnóstico precoce faz toda a diferença no tratamento.

Diagnóstico

O problema é que, apesar da gravidade da doença, no Brasil, 96% dos pacientes só têm o diagnóstico em estágio avançado, enquanto que, nos Estados Unidos, isso ocorre só com 36% dos que são acometidos pela doença. “O Brasil é muito ruim de dados epidemiológicos, é muito falho o registro”, considera a hematologista. Além disso, para ela, muitos médicos não estão preparados para fazer esse diagnóstico. “Um exame fácil, simples, barato e esquecido é o eletroforese de proteínas, que pode ajudar muito na suspeita de mieloma múltiplo”, explica.

Chefe do serviço de Hematologia do Hospital Universiário Professor Edgar Santos (Hupes), Edvan de Queiroz Crusoe, que só trabalha com pacientes de mieloma múltiplo, reforça a constatação da colega de profissão. "Tem exames básicos e necessários para o diagnóstico que a rede SUS não oferece. Dor de coluna não é só bico de papagaio e anemia pode ser mieloma múltiplo. Não temos acesso ao diagnóstico precoce, muitas vezes o paciente morre sem nem ter o diagnóstico de que era mieloma", avalia.

A médica Vânia Hungria se dedica aos estudos desse tipo de câncer há 40 anos e conta que, no início, o máximo que havia era tratamento paliativo, com sobrevida dos pacientes de 2 a 3 anos. “Os pacientes lá atrás tinham a sobrevida global muito curta. O tratamento era por tempo fixo, porque a toxicidade era alta para tratamentos contínuos. Hoje, a maioria dos tratamentos são contínuos e os pacientes têm resposta duradoura”, informa.

Ainda assim, a especialista explica que ainda não é possível falar em cura total, mas se pode falar de cura funcional e que há muitas definições de cura. “Cura é um paciente que teve uma resposta profunda e está há 10, 15 anos sem recair a doença. Cura é uma resposta profunda, duradora e estar sem tratamento. Por enquanto, a gente usa esse artefato de chamar de cura funcional”.

Novo tratamento

Agora, um novo tratamento promete melhorar as perspectivas de vida de quem convive com a doença. A biofarmacêutica GSK conseguiu a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercialização do Blenrep (belantamabe mafodotina), um novo medicamento para o tratamento do mieloma múltiplo.

Os estudos testaram o uso da droga em combinação com bortezomibe e dexametasona (BVd), ou com pomalidomida e dexametasona (BPd), no tratamento de adultos com mieloma múltiplo recaído ou refratário que tenham recebido pelo menos uma linha de tratamento anterior (incluindo lenalidomida no caso da combinação com BPd).

A expectativa é que a nova medicação seja comercializada a partir de 10 de janeiro de 2026. Os valores ainda serão definidos e, por enquanto, não há previsão de serem incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). "É para o paciente que já fez uma linha anterior de tratamento e mesmo assim a doença progrediu. Quando comecei, existiam poucos estudos no mundo e, os que tinham, a chance do Brasil participar eram mínimas. Hoje, o Brasil vive um momento diferente na pesquisa clínica. Aprender a manejar uma medicação na fase de experimentação te dá uma experiência incrível", avalia.

Ela adianta, no entanto, que atualmente, o estudo está sendo testado como primeira linha de tratamento. Ou seja, se comprovada a eficácia nessa fase, o paciente poderá ser submetido a ele tão logo tenha o diagnóstico. Ao todo, 20 países participaram da pesquisa dessa nova medicação e o Brasil foi o país que mais recrutou pacientes para os testes, que foram aplicados em oito centros de pesquisa no país.

Para o chefe do serviço de Hematologia do Hospital UniversiTário Professor Edgar Santos (Hupes), Edvan de Queiroz Crusoe, quando um país participa de um estudo desse, ele está dizendo que na genética da sua população esse tratamento funciona. Embora o centro de pesquisas de mieloma múltiplo da Bahia não tenha sido contemplado com o estudo à época, não significa que a medicação não foi testada entre os baianos.

"A própria empresa tem interesse em expandir o acesso ao estudo e e eles disponibilizaram a medicação. Ela foi testada em cinco pacientes atendidos pelo Hupes, que tiveram respostas muito boas. Já no Hospital São Rafael temos cerca de dez pacientes em tratamento com essa droga", informa Crusoe, que é também professor de Hematologia e Hemoterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Além de trazer melhorias para os pacientes, com drogas mais modernas, na avaliação de Crusoe, outro mérito desse tipo de estudo é a inclusão, ao possibilitar que, pacientes do SUS que, em condições normais não teriam acesso a essa droga, sejam contemplados com ela na fase dos testes.

"É sem previsão dessas drogas modernas serem levadas para o SUS. Sem esses estudos, as drogas não chegariam tão cedo para os pacientes, principalmente, aos do SUS. Existe um comitê de equidade na Sociedade Brasileira de Hematologia para que os pacientes do SUS, que são os menos favorecidos, tenham acessos a esses tratamentos novíssimos. É mais uma droga, mais um tratamento que traz uma mudança grande para os pacientes de mieloma múltiplo recaído.", diz.