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Estadão
Publicado em 4 de dezembro de 2023 às 15:45
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta semana uma ação importante para a indústria farmacêutica. A discussão gira em torno do alcance da decisão que limitou o prazo de patentes a 20 anos. O julgamento, que começou na última sexta-feira, 1°, é realizado no plenário virtual até 11 de dezembro. >
No caso concreto, a Corte decide se o laboratório EMS poderia ter iniciado a produção da versão genérica do anticoagulante rivaroxabana antes da decisão do Supremo, em maio de 2021. Pelo critério fixado na decisão, a patente da farmacêutica Bayer sobre a substância expirou em dezembro de 2020. O laboratório diz que a produção começou em abril de 2021, após o ministro Dias Toffoli proferir decisão liminar suspendendo a prorrogação do prazo de patentes.>
Os ministros avaliam uma reclamação contra decisão de um tribunal de primeira instância que condenou a EMS a destruir os lotes produzidos antes da decisão do STF e a indenizar a Bayer por violação de patente. A ação não é vinculante a outros processos, mas pode servir de precedente para casos similares.>
Em outubro, o ministro Luiz Fux proferiu decisão monocrática acolhendo a reclamação da EMS. A Bayer entrou com recurso pedindo a reconsideração da decisão de Fux, e por isso a ação foi levada para análise do colegiado da 1ª Turma. Ainda faltam votar os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.>
Esta é a terceira reclamação de farmacêuticas estrangeiras que chega ao Supremo. Nos dois primeiros casos, a Corte deu razão ao argumento dos laboratórios nacionais. Os ministros entenderam que a Justiça não está autorizada a prorrogar patentes.>
Segundo um levantamento realizado pelo Grupo Farma Brasil, uma associação que representa os principais laboratórios nacionais, atualmente existem 47 processos judiciais movidos por empresas farmacêuticas estrangeiras. Essas ações buscam a extensão de patentes após a decisão proferida pelo Supremo.>
Um estudo de maio deste ano feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à pedido da Farma Brasil, estimou que o orçamento do SUS pode ficar até R$ 1 bilhão mais caro e os remédios teriam aumento de até 60% caso essas patentes sejam estendidas. O estudo considera apenas as 39 ações judiciais de laboratórios que tramitavam na época.>
Na petição ao STF, o EMS argumentou que a importação e a manipulação de matéria-prima para a produção da substância no período que vai do fim do prazo de 20 anos da patente, ou seja, de 11 de dezembro de 2020, até a publicação da ata de julgamento no Supremo, em 13 de maio de 2021, não pode embasar qualquer condenação.>
Os advogados do laboratório alegam que o uso do medicamento com patente expirada configura o "reconhecimento de uso lícito de invenção que havia caído em domínio público".>
Entenda>
Em 2021, no julgamento da ADI 5529, o Supremo declarou inconstitucional a regra que permitia a prorrogação dos prazos de patentes em caso de demora na análise do pedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Corte decidiu que, no caso de produtos farmacêuticos, a decisão teria efeitos retroativos. Portanto, a partir do julgamento, patentes de medicamentos que já haviam ultrapassado o prazo de 20 anos perderam validade.>
O STF fez uma ressalva para preservar "eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes". No caso do tribunal que condenou a EMS a indenizar a Bayer, Fux entendeu que a sentença aplicou incorretamente a decisão do Supremo.>
De acordo com Fux, a preservação dos "efeitos concretos" teve o objetivo de evitar a judicialização de contratos realizados no período da patente estendida e impedir que o detentor da patente fosse responsabilizado por "uso privilegiado indevido". O ministro destacou que essa ressalva, contudo, não autoriza os laboratórios a obter indenizações por atividades que seriam proibidas caso a patente estivesse válida.>
O lado da EMS>
O professor da Faculdade de Direito da USP André Ramos Tavares, hoje ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse em parecer jurídico elaborado para a EMS que "a patente aqui em referência definitivamente expirou em dezembro de 2020". "E o que temos, na prática, é que a Bayer está a pretender, neste momento, extrair consequências jurídicas em período no qual já não detinha mais o privilégio patentário", afirmou.>
O advogado Flávio Jardim, do escritório Sérgio Bermudes, que representa a EMS no STF, reforça que a decisão do STF declarou extintas as patentes que haviam ultrapassado a vigência de 20 anos. "De forma alguma os 'efeitos concretos' significam que a Bayer poderia prorrogar a patente dela", afirmou ao Broadcast.>
"O Supremo está mais uma vez ratificando que não há possibilidade de extensão de patentes de medicamentos no Brasil. É a vitória da coletividade sobre os interesses de laboratórios estrangeiros que querem prorrogar infinitamente suas patentes", avalia o advogado Elias Nóbrega, também do Sérgio Bermudes.>
O lado da Bayer>
Em manifestações enviadas ao STF, a Bayer nega que busque a prorrogação da patente. "O ponto central da discussão é que a decisão reclamada se limitou a resguardar os efeitos concretos produzidos pela patente até o julgamento da ADI 5529", afirmou a defesa da empresa em junho.>
Procurada pela reportagem, a Bayer disse em nota que "investe cerca de 15% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, sendo que o tempo médio para a concessão de uma patente na área farmacêutica em 2018 e 2021, por exemplo, foi de aproximadamente 10 e 13 anos".>
"A Bayer cumpre e respeita as normas brasileiras, e assim como outras empresas, busca, com argumentos jurídicos legítimos, uma resposta jurisdicional para questões que ainda não estão pacificadas nos tribunais. Especificamente em relação à RcI 59091, em julgamento no STF, a empresa aguarda a decisão do julgamento em andamento, e caso considere pertinente, avaliará opções legais posteriormente ao acórdão ser proferido", afirmou em nota.>