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Técnica de enfermagem diz que orientou colega a não aplicar adrenalina na veia de paciente; garoto passou mal e morreu logo depois

Raiza Bentes teve o exercício profissional suspenso pelo Conselho Regional de Enfermagem do Amazonas (Coren-AM)

  • Foto do(a) author(a) Perla Ribeiro
  • Perla Ribeiro

Publicado em 6 de dezembro de 2025 às 18:07

Raiza Bents aplicou a dose de adrenalina no menino Benício Xavier de Freitas
Raiza Bents aplicou a dose de adrenalina no menino Benício Xavier de Freitas Crédito: Reprodução

Novos depoimentos colhidos pela Polícia Civil reforçam que a técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva foi orientada antes por uma colega a não aplicar a adrenalina por via intravenosa no paciente Benício Xavier, 6 anos. A medicação deveria ter sido administrada por via inalatória, o erro na forma que foi aplicada resultou na morte da criança. O caso ocorreu no Hospital Santa Júlia, que é particular, em Manaus, na madrugada do dia 23 de novembro. A morte é investigado pela Polícia Civil. As informações são do G1 AM.

Raiza Bentes teve o exercício profissional suspenso pelo Conselho Regional de Enfermagem do Amazonas (Coren-AM). A decisão foi tomada na segunda-feira (1º). A técnica de enfermagem Rocicleide Lopes de Oliveira, que estava cobrindo o intervalo da colega da sala de medicação pediátrica no dia 22 de novembro, afirmou à polícia que orientou Raiza Bentes Paiva a não administrar os 3 ml de adrenalina pela veia, porque esse volume só é utilizado em casos de parada cardiorrespiratória.

Benício Xavier de Freitas morreu após receber dose de adrenalina na veia em hospital de Manaus por Arquivo Pessoal

Segundo a técnica Rocicleide, a dose prescrita deveria ser "feita por nebulização", e por isso ela chegou a preparar o kit e deixou a medicação já separada para uso inalatório. Em depoimento à polícia ela informou ter dito a Raiza: “Nesse volume de 3 ml não pode ser feito via EV (administração pela veia), e sim por nebulização”.

Ainda de acordo com o depoimento da técnica, ela perguntou se Raiza havia entendido a orientação, e ouviu que "sim". Em seguida, retornou ao setor de ginecologia e obstetrícia, onde estava de plantão naquele dia. Pouco depois, ouviu Raiza gritar por seu nome. Ao chegar à sala, segundo Rocicleide, a colega disse: “Roci, eu fiz a medicação EV (administração pela veia)… ele foi ficando branco”.

A técnica reforçou em seu depoimento que "em nenhum momento orientou Raiza a seguir a prescrição eletrônica", ao pé da letra, e que pela sua experiência, interpretou que a médica pretendia a via por nebulização, não intravenosa. Rocicleide também declarou que Raiza já havia sido transferida de outro plantão após atritos com a equipe, e que, segundo comentários, a técnica “não gostava de receber orientações”.

Rocicleide disse ainda que o hospital oferece treinamentos de protocolos de segurança, e que estranhou Raiza ter afirmado que não havia protocolos implementados. Já a técnica de enfermagem Nilda de Souza Evangelista, que também estava no plantão no dia do caso, relatou à polícia que ouviu Raiza gritar o nome de Rocicleide e correu até a sala de medicação pediátrica.

Quando chegou, viu que o menino Benício estava “amarelado” e que colegas já prestavam o primeiro atendimento. Segundo ela, Raiza afirmou naquele momento que havia aplicado a adrenalina por via intravenosa, “conforme aparecia na prescrição”. Nilda informou durante o depoimento que não presenciou Raiza pedir ajuda para confirmar a via ou a dose da medicação antes da administração. Ela disse também que já tinha recebido uma prescrição duvidosa em outro dia e procurado o médico para correção, mas não se recorda se isso ocorreu com a médica Juliana.

A técnica ainda afirmou que a médica Juliana Brasil estava na sala durante o atendimento, mas não se lembra de tê-la visto executando alguma conduta direta no paciente naquele momento. Nilda também mencionou que o sistema usado para prescrição e evolução, "às vezes apresenta instabilidade", e que, quando isso ocorre, a equipe registra as informações em papel e depois atualiza o sistema.

A defesa da médica

Segundo a defesa, a médica registrou adrenalina por via inalatória, mas o sistema teria alterado automaticamente para a via intravenosa durante o atendimento, em meio a instabilidades enfrentadas pelo hospital naquele dia. Os advogados apresentaram um vídeo que, segundo eles, demonstra problemas na plataforma de prescrição utilizada pela unidade. O Hospital Santa Júlia informou que não vai se manifestar sobre o caso.

A defesa afirma que essa mudança não foi percebida pela médica e insiste que falhas estruturais da unidade contribuíram para o agravamento do quadro do menino. O vídeo apresentado mostra a navegação dentro da plataforma e, segundo os advogados, evidencia que o sistema pode modificar vias de administração sem intervenção do profissional.

"Juliana não escreveu a prescrição manualmente. Hoje, as prescrições são feitas por um sistema automatizado. Quando ela escreve a via de administração, o próprio sistema pode entender que está incorreta e alterá-la automaticamente. Isso já foi relatado por outros profissionais. Se fosse uma prescrição escrita, o erro não teria acontecido", alega o advogado Felipe Braga.

Braga afirmou ainda que a via intravenosa registrada seria resultado dessa falha automatizada, e não de negligência. Ele sustenta que a Anvisa já fez recomendações contrárias a esse tipo de automação e que o sistema do hospital apresentou instabilidade no dia do atendimento de Benício.

Anteriormente, a própria médica admitiu o erro em documento enviado à polícia. O caso é investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MPAM). O delegado Marcelo Martins, titular do 24º Distrito Integrado de Polícia (DIP), confirmou que essa hipótese também está sob análise. “Ela afirmou que esse erro teria ocorrido por uma falha do sistema, e isso também está sendo investigado. Não posso detalhar as medidas porque são sigilosas, mas vamos nos aprofundar nesse ponto”, disse.

Em relatório enviado à Polícia Civil, Juliana reconheceu que errou ao prescrever adrenalina na veia. Ela afirmou ter informado à mãe que a medicação deveria ser administrada por via oral e disse ter se surpreendido por a enfermagem não questionar a prescrição. A técnica Raiza Bentes declarou que apenas seguiu o que estava registrado no sistema. O delegado Marcelo Martins investiga o caso como homicídio doloso qualificado, considerando inclusive a possibilidade de crueldade. Ele chegou a pedir a prisão preventiva da médica, mas Juliana continua protegida por habeas corpus concedido pela Justiça.

Mesmo após a médica ter reconhecido erro na prescrição, tanto no relatório enviado à polícia quanto nas mensagens em que pediu ajuda ao médico Enryko Queiroz, a defesa afirma que isso não configura admissão de culpa. “Ela expressa aquilo no calor do momento, quando ainda não sabia que a prescrição havia sido alterada pelo sistema. Juliana jamais prescreveria via intravenosa uma substância de alta vigilância como a adrenalina”, afirmou Braga.

A defesa diz que não há elementos que sustentem a suspeita de homicídio por dolo eventual levantada pela polícia. Segundo o advogado, a morte não pode ser atribuída a um único responsável e envolve falhas que precisam ser investigadas: o sistema informatizado, checagens da enfermagem e da farmácia, e os atendimentos posteriores na UTI.

“Falar em dolo é um absurdo jurídico. A médica atuou o tempo todo, pediu ajuda, seguiu protocolos. Quando muito, fala-se em culpa, e isso ainda depende da análise das múltiplas causas envolvidas. É precipitado apontar culpados”, disse. O Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) abriu, no dia 26 de novembro, um processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica. O Hospital Santa Júlia afastou tanto Juliana quanto a técnica de enfermagem Raiza Bentes.

Entenda o caso

Benício foi levado ao Hospital Santa Júlia no dia 22 de novembro com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, ele recebeu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml a cada 30 minutos, aplicadas por uma técnica de enfermagem.

“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição”, relatou o pai. O menino piorou rapidamente: ficou pálido, com membros arroxeados, e disse que “o coração estava queimando”.

A saturação caiu para cerca de 75%. Ele foi levado à sala vermelha e depois para a UTI por volta das 23h. Durante a intubação, sofreu as primeiras paradas cardíacas. Foram seis no total. Ele morreu às 2h55 do dia 23 de novembro. Segundo a defesa, a médica atendeu a criança por volta de 13h18. Na ocasião, ele apresentava um quadro de laringite. A profissional teria avaliado a criança, prescrito os medicamentos dexametasona, hidroxizina e adrenalina e solicitado um raio-x do tórax.

“No momento em que ela pede o exame, ele é medicado pela técnica de enfermagem. A mãe alerta sobre a forma de aplicação porque Juliana informou todos os procedimentos, inclusive que a adrenalina seria via inalatória, de 30 em 30 minutos, para aliviar os sintomas de laringite”, disse o advogado.

A defesa destaca ainda que a técnica aplicou a adrenalina na veia da criança, mesmo após a mãe questionar o método e que Juliana só soube da aplicação quando foi chamada à sala de medicação. “Ela foi informada pela técnica de que a administração havia sido feita por via endovenosa. A partir dali, Juliana atua como médica, pede apoio ao coordenador, encaminha o menino para a sala vermelha, inicia atendimentos e permanece com o paciente até ele ser levado para a UTI”.

Outros médicos assumiram o caso, mas Juliana continuou acompanhando o quadro e trocando informações com a equipe. A médica disse à defesa que o raio-x apontou pneumonia. Na UTI, Benício foi intubado por volta de 0h20, após três tentativas iniciadas por volta das 23h. O estado se agravou durante o procedimento, quando o menino vomitou e apresentou sangramento nasal. Ele sofreu seis paradas cardíacas até a constatação da morte cerebral.

Na segunda-feira (1º), a polícia ouviu o médico Enryko Queiroz, que confirmou as trocas de mensagens com a médica, e o enfermeiro Tairo Neves, que confirmou a versão da técnica de enfermagem de ter ficado sozinha no atendimento, contrariando o relato da médica. Uma acareação entre a médica e a profissional está marcada para essa quinta-feira (4).