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Mariana Paiva Autor(a) Convidado(a) Mariana Paiva é escritora, jornalista, CEO da Ìyá Cultura e Gente e head de DE&I do RS Advogados
Diz-se por aí que quem não sabe brincar não desce pro play. De verdade a gente sabe que não é assim: tem gente que sabe e que nunca tem a vez de brincar, mesmo que fale centenas de vezes “a de fora é minha”. As equipes mudam e aquela pessoa continua num banco de reservas eterno. Sim, essa conversa é sobre diversidade e inclusão, porque “a de fora é minha” não vale pra todo mundo.
O jeito mais fácil de saber que não vale é se testando, evidentemente. Já olhou direitinho pra mesa de bar cheia de suas amizades no fim de semana? Pra foto da confraternização de Natal da empresa onde você trabalha? Lembra da turma de colegas da escola, da faculdade ou do último curso que você fez? O que você vê? Diversidade? Aposto que não.
Bote fé que o problema não é só na sua mesa, na sua turma, na sua empresa: é geral. Falta diversidade e é do básico mesmo: nesse Brasil em que todo mundo – ou praticamente todo mundo – é descendente de África, quantas pessoas pretas tem na sua galera? Na sua lista de ex amores? Uma? Duas? Então temos um problema de proporção. Pra não dizer outra palavra.
Porque nesse país não tem racista – como também não tem homofóbico, misógino, capacitista. Somos todos campeões em tudo, como diria um Fernando Pessoa cansado ‘vestido’ de Álvaro de Campos. Sim, era pra ler com ironia. A real é que as diretorias das grandes empresas seguem cheias de homens brancos, enquanto as mulheres pretas continuam limpando banheiros e preparando as comidas (a cozinha, esse lugar historicamente preto e feminino no Brasil!). Nunca acredite em acasos aqui.
Quando alguém muda a narrativa, dá tela azul no racista, e ele trata logo de levantar sua voz: “Você trabalha aqui?”, pergunta, à primeira pessoa preta que passa. Não importa que se vista igual a ela ou que esteja no mesmo lugar. Aliás, é isso mesmo que incomoda: o mesmo lugar.
Já se perguntaram onde mais podem trabalhar as pessoas surdas além de nos caixas de supermercados? Pois temos muitas delas estudando e se formando nas universidades. Estamos abrindo postos de trabalho ou só vamos mesmo encontrá-las em empregos de menor remuneração, ainda que tenham alta formação? Parece justo?
E as pessoas transgênero? Vamos mesmo – digo vamos porque é uma escolha nossa enquanto sociedade; a responsabilidade é coletiva – fazer com que seu único destino seja a prostituição, sem outra possibilidade de trabalho, por que todas as portas lhe estão fechadas?
Antes de tudo, é preciso se perguntar e estranhar o lugar das coisas. Não é tudo natural. Somos seres humanos equivocados: fazemos coisas bestas como guerras, sonhamos coisas grandes como ir à lua enquanto nossas relações familiares desmoronam. Tememos o que não conhecemos, e em nossa ignorância mora o maior perigo: desumanizamos o que é diferente de nós. O outro. Achamos que ele vai tomar nosso lugar, porque temos direito a tudo, alecrim dourado que somos, nós, que nascemos no campo sem ser semeados. Doce ilusão.
Há tanta gente nos condomínios e estamos sós porque somos bestas, compramos jogos de jantar para fazer mesa posta, mas não chamamos ninguém para comer junto. Falhamos enquanto coletividade e indivíduos.
Repetimos discursos estúpidos como a ideia de meritocracia: dizemos que as pessoas devem estar no lugar que elas alcançam por seus próprios méritos. Só esquecemos – nem sempre por distração - que nesse país surreal chamado Brasil, o ponto de partida é diferente para cada pessoa. Tem gente que começa já na boca da chegada. Tem gente que nem entrou no tabuleiro ainda. E que mesmo que grite, berre, esperneie, não terá a de fora. A menos que a gente abra espaço, porque o justo é que todo mundo entre no jogo.
Mariana Paiva é escritora, jornalista, CEO da Ìyá Cultura e Gente e head de DE&I do RS Advogados