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Atenção? Tem, mas acabou ...

Negociar com seus filhos um limite de tempo para o uso diário de telinhas é um bom caminho

  • Foto do(a) author(a) Andre Stangl
  • Andre Stangl

Publicado em 4 de novembro de 2023 às 11:00

Coluna de André
null Crédito: Prompt design com Adobe Firefly por Andre Stangl

Pode até não parecer, mas ainda estamos vivendo em uma pandemia. Só que essa não se propaga no ar e, infelizmente, não dá para evitá-la com máscaras. Também não adianta se isolar, pois quando estamos sozinhos ela ganha mais força. A forma de contágio é simples, basta um celular e pronto… A sua atenção se perde. Estou falando da pandemia de desatenção.

Já faz um tempo que estamos vivendo em um mundo transbordante de informações e, justamente por isso, a atenção anda escassa. Herbert Simon já falava sobre isso em 1977 (!): "A riqueza de informações cria a pobreza de atenção”. Pois toda informação precisa de atenção para sobreviver. Alguns até chamam esse tsunami de informações de infodemia.

Nesse mar de informações, é fácil se perder e se sentir desinformado. Por isso, ativamos notificações, para ter a sensação de que vamos estar sempre atualizados. O medo de estar desatualizado também já ganhou um nome: FOMO (fear of missing out). Mas quanto mais notificações recebemos, mais difícil fica acompanhar tudo.

Foco

O livro “O Foco”, do psicólogo Daniel Goleman, acaba de completar dez anos de publicação e continua muito atual. Segundo Goleman, a atenção é semelhante a um músculo, assim, quanto mais a gente exercita o foco, mais fácil fica manter a concentração em alguma coisa. A atenção está de alguma forma relacionada com a memória, com a aprendizagem e com a consciência. Assim, quando esquecemos de exercitar o foco, a atenção fica fraca e nos perdemos, sem conseguir lembrar do que acabamos de ouvir, ver ou ler.

Por sinal, se você conseguiu chegar até esse parágrafo, talvez a saúde de sua atenção não seja das piores. Mas será que você vai conseguir chegar até o final?

Sua atenção é valiosa

Basta dar uma olhada em volta, não importa a situação. Pode ser um segurança de supermercado ou até de banco, o vizinho no elevador, pessoas comendo em um restaurante, andando no shopping e até mesmo um motoboy enquanto dirige a moto! Sim, para todo lado vemos pessoas totalmente hipnotizadas por uma telinha.

A situação fica ainda mais grave quando vemos crianças, com seus cérebros e olhos em formação, ainda verdes na experiência da interação social, mas já veteranas em diversos aplicativos divertidos e, em sua maioria, inúteis.

Obviamente, não existe como inverter a roda do tempo, nem se pode ignorar os avanços que as tecnologias podem oferecer. Por isso, precisamos criar estratégias para encontrar formas mais equilibradas de gestão de nossa atenção, principalmente no caso das crianças e jovens.

Negociar é preciso

Negociar com seus filhos um limite de tempo para o uso diário de telinhas é um bom caminho. O tempo pode variar em cada caso ou mesmo depender das atividades do dia. Outra coisa que pode ajudar na conscientização e na organização do tempo gasto com as telinhas são os aplicativos de controle parental, ou bem estar digital. O mais conhecido, no caso de celulares com Android, é o Family Link. Com ele é possível configurar o tempo máximo de uso por dia e até o horário de uso (na hora de dormir ele desliga). Basta pesquisar, tem vários aplicativos por aí.

Só um aviso: os aplicativos de controle não vão resolver o problema por você. Pois seu filho vai encontrar caminhos para escapar desse controle, principalmente se não compreender a importância dessa medida. Em geral, essa estratégia não dá bons resultados sem negociação e sem que a criança compreenda porque é importante cuidar da atenção.

Outro fator que complica as coisas é quando nós mesmos não conseguimos equilibrar o nosso uso das telinhas. A sabedoria popular sabe que o exemplo é poderoso. Por isso, não vai adiantar muito tentar regular o tempo de telinha de seus filhos se você mesmo não cuida da saúde de sua atenção.

Como cuidar

Existem muitas formas de trabalhar o músculo da atenção e o método adequado pode variar de pessoa para pessoa. Andar, desenhar, cozinhar, tocar, costurar, qualquer coisa que você faz com cuidado, prestando atenção, pode ajudar. Mas uma técnica, em especial, tem mostrado bons resultados: a meditação.

A meditação é uma forma milenar de lidar com a atenção. Várias culturas têm sua própria forma de meditar e, em geral, isso tem a ver com alguma tradição religiosa. Mas, nos últimos anos, foi crescendo uma forma secular de meditar, a chamada atenção plena, ou mindfulness. Goleman dedica algumas páginas do seu livro para mostrar como essa técnica simples pode mudar a vida de uma pessoa (eu sou um desses casos).

Momentos satisfatórios

É inegável que a forma como lidamos com a atenção está mudando. Talvez seja até uma mudança evolutiva. Há milênios escolhemos transferir nossa memória para os dispositivos, começando com as tabuletas de argila, passando por papiros, até chegar na digitalização de nossas memórias. A profusão de aplicativos que identificam e nos avisam sobre coisas tão importantes e diversas quanto nossos sinais vitais (pressão e batimentos), tipos de plantas, sons de pássaros, músicas que estão tocando no ambiente, hora de beber água, parecem indicar que não vamos conseguir manter nossa atenção sozinhos.

Os sinais indicam que estamos caminhando para transferir parte das funções de nossa atenção, que poderão ser realizadas por algoritmos e inteligências artificiais. Isso não é necessariamente uma coisa ruim. Tenho esperança, por exemplo, que os carros dirigidos por robôs possam diminuir a insanidade do trânsito nas cidades.

Mas, como lembra Goleman, o maior risco de descuidar da nossa atenção é perder junto nossa capacidade de empatia. Só com uma atenção saudável conseguimos notar as pessoas ao nosso redor. Quem passa boa parte do dia nas redes, vendo vídeos curtos, correndo por uma timeline infinita em busca de pequenas doses de dopamina, atrás dos famosos momentos satisfatórios, vai aprendendo a direcionar sua atenção para ignorar tudo o que pode incomodar.

Com foco, nada é chato

“Que chato!”. É assim que os jovens separam as coisas no mundo, ou uma coisa é chata ou não é. Tudo que é chato se torna insuportável e a vida (digital) vira a busca de momentos satisfatórios.

Segundo Goleman, os primeiros estudos sobre atenção estavam justamente tentando entender como um soldado que está monitorando uma tela de radar pode conseguir manter a atenção por horas sem dormir ou se distrair. Essa capacidade poderia salvar vidas. Pense no trabalho dos porteiros, que ficam a noite inteira acordados.

A única forma de fazer algo tão chato é através do engajamento do nosso interesse. Quanto mais interessados, mais motivados ficamos. Às vezes, a chatice é apenas uma etapa de algo que depois vai ser muito satisfatório. Um bom exemplo é a programação de jogos. Tem que ter muita paciência para ser programador, mas o resultado vale a pena.

Dê um tempo para cuidar de sua atenção

Nas culturas ancestrais, a atenção é fundamental para a sobrevivência. O som do rio, das folhas sacudindo, o bater de asas ou algum cheiro trazido pelo vento podem ser os indicativos de uma onça chegando. Saber decodificar esses sinais sempre foi vital.

Com nossa atenção presa nas telinhas, estamos esquecendo de olhar em volta e até esquecendo de nós mesmos. Quando cuidamos de nossa atenção, aprendemos mais sobre nossas emoções e até lembramos da importância de respirar, algo tão básico, sutil.

Faça um teste: o que acontece com sua respiração quando você está checando suas notificações e e-mails? É comum interrompermos a respiração normal, como um tipo de apneia (screen apnea), segundo Linda Stone. E, sem perceber, podemos ficar ansiosos, como se uma onça estivesse chegando. Então, que tal dar um tempo da telinha e cuidar mais de sua atenção? Podemos pensar na atenção como uma plantinha. Se a gente não cuidar, ela pode definhar.

Andre Stangl é professor e educador digital, cresceu em Brotas, estudou Filosofia e fez doutorado na USP /astangl@gmail.com oficinadelinguagensdigitais.com