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Publicado em 8 de agosto de 2025 às 16:28
Dia de sol. A criança, ávida pelo mergulho no azul, reclama do excesso de cuidado da mãe. Blusa UV, boné, filtro solar, boias e incontáveis alertas de cuidado. O pai, já de braços abertos na piscina, apressa o filho para o mergulho. Mesmo sem saber nadar, ele se joga. >
Mãe é a fonte, símbolo de proteção e acolhimento. Pai é caminho, convite para desbravar o mundo. Se a mãe dá a vida, é o pai quem dá a direção, impulso para a realização. Mãe é mergulho infinito; pai é borda. É contorno da existência. No mapa simbólico da psique, o limite paterno representa a linha divisória entre o desejo e a realidade, entre o querer e o poder, entre o eu e o outro. >
O limite paterno é essencial na fronteira do ser. Esse limite não se restringe à presença masculina ou biológica. Nos novos arranjos familiares, a função paterna vai além do papel social. É lugar simbólico: de sustentar, frustrar quando necessário, organizar o desejo, construir autonomia. Para os homens que entendem a grandiosidade da missão, ser pai é nomear o impossível. >
A Bahia é o segundo estado do Brasil com o maior número de crianças registradas sem o nome do pai. Desde 2020, mais de 70 mil bebês foram registrados apenas com o nome da mãe, de acordo com dados dos cartórios de registro civil. A ausência do genitor na certidão imprime um borrão nas relações familiares. Sobrecarga materna, filhos sem acesso a direitos, como pensão alimentícia, herança e benefícios previdenciários. >
A mãe que passa a ocupar essa lacuna vive uma gangorra emocional para garantir sustento, afeto e limite. Quando passei pela traumática separação do pai dos meus filhos, foi difícil me manter equilibrada nesta tríade, lidar com a tensão diária entre regras e o amor sem limites. Birras em público, comportamentos inadequados na escola, brincadeiras impróprias eram pedidos inconscientes de socorro. >
Nunca esqueço o dia que, no salão de beleza, recebi mensagem de uma vizinha com a foto do meu caçula pendurado no telhado para resgatar uma bola. Voltei para casa com as mechas de papelote laminado para salvar João. Outra vez, Lucca correu atrás do meu carro até a saída da garagem. Quantas vezes, era eu quem ficava presa nas insistentes trocas de mensagens tentando estabelecer o limite necessário. >
Eu tive que aprender a sustentar o NÃO para meus filhos. E a me dar NÃO também. NÃO para o trabalho em excesso. NÃO para aquela compra super desejada, mas fora do orçamento. NÃO para convites irrecusáveis de amigos quando o que eu mais precisava era desacelerar. NÃO para aquela delicia que já não me faz bem. Vivemos na sociedade do full time, do all inclusive, onde parece normal comer e beber até passar mal. A internet tem receita fácil para tudo, mas ninguém ensina como se dar freio no feed infinito das redes sociais. O limite paterno, seja ele representado por quem for, inclusive por você mesma, é o traço invisível que alinhava nossa alma ao mundo. >
Abri e encerro o texto nas águas lembrando a história de outro menino que não conhecia o mar. Ele e o pai, Santiago Kavakloff, viajaram para o Sul. “Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. Quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar!”. Como no conto publicado no Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, que a gente siga buscando borda para desfrutar a beleza da imensidão.>
Fernanda Carvalho é jornalista, escritora, autora do Livro "A Luz da Maternidade – Relatos de Parto sem Dor conduzidos por Gerson de Barros Mascarenhas" >