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Publicado em 16 de julho de 2025 às 16:41
Como Decano do Movimento LGBT Brasileiro, o gay que há mais tempo, 45 anos ininterruptos, luta incansavelmente pela cidadania da tribo do arco-íris, pesquisador da etnohistória das minorias sexuais, apoio a iniciativa dos grupos Arco Iris do RJ e Aliança Nacional LGBTI+ de Curitiba em iniciar campanha junto IPHAN e órgãos de Preservação do Patrimônio Histórico Nacional, pela identificação e tombamento dos túmulos dos LGBT+ de maior destaque na nossa História. Nos séculos passados, os “sodomitas” (lgbt) eram queimados e as cinzas dispersas, para que não tivessem túmulo e esquecida sua memória. Hoje, lutamos pela proteção de nossos corpos em vida e post-mortem: exigimos o mapeamento, a preservação e tombamento governamental em todo território nacional, dos locais onde repousam os restos mortais de nossos ancestrais Vips LGBT+ que por sua vida e obra foram consagrados ccomo VIPS e nos servem de orgulho e inspiração. >
Assim sendo, causou indignação a proeminentes gays militantes históricos consultados (cf. opinião abaixo), que essa louvável iniciativa tenha protocolado junto ao IPHAN e esteja realizando abaixo assinado on line, indicando apenas um nome para ter seu túmulo inicialmente tombado: o pernambucano Madame Satã, falecido no RJ em 1976 aos 76 anos. Misto de transformista, malandro criminoso e capoeirista, purgou em vida 29 processos, 19 absolvições, 10 condenações, 3 homicídios, 27 anos de cadeia e “mais de 3.000 brigas, segundo seus cálculos”. Por causa de uma discussão devido a um copo de cerveja, Satã assassinou em 1955 o promissor compositor mineiro, Geraldo Pereira, 37 anos , autor da música “Falsa Baiana”, popularizada por Gal Costa. Mesmo reconhecendo “a Rainha Diaba” como um rebelde primitivo (Hobsbawn) que avançava violentamente contra quem o chamasse de bicha e cujo “assunto predileto de conversação eram mulheres” (sic), sinceramente, é acintoso absurdo iniciar essa campanha “Presença Monumental LGBT+” homenageando um criminoso três vezes homicida, quando temos na história do Rio de Janeiro uma plêiade de significativos cidadãos e cidadãs LGBT+, esses sim, VIPS históricos que nos enchem de orgulho e servem de modelo e inspiração para nossa comunidade. Cariocas natos, fluminenses e também brasileiros de outros estados e estrangeiros que viveram ou têm túmulo na Cidade Maravilhosa, entre eles: Álvares de Azevedo, escritor, SP- RJ, l83l-l852; Assis Valente, compositor, autor da canção Cidade Maravilhosa, RJ, 1911-1958; Cazuza, compositor e cantor, RJ, 1958-1990; Clóvis Bornay, Carnavalesco e Museólogo, RJ, 196-2005; Elizabeth Bishop, poeta e contista, USA-RJ, 1911-1979; Lúcio Cardoso, escritor, MG-RJ, 1913-1968; Francisco (Chico) Alves, cantor, RJ, 1898-1952; Hélio Oiticica, artista plástico, RJ , 1937-1980; Herbert Daniel , escritor e militante antiaids, RJ, 1946-1992; Imperatriz Leopoldina, esposa de D. Pedro I, trocou cartas de amor com sua ex-dama de companhia, Maria Graham, Áustria-RJ, 1797-1826; Ismael Silva, cantor popular, RJ, 1905-1978; Jambert Garcia, cabeleireiro, Espanha-RJ, 1929-2000; João do Rio, jornalista, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, RJ, 1881-1921; Joãozinho da Goméia, Pai de Santo e transformista, BA/RJ; Jorge Guinle Filho, artista plástico, NY-RJ, 1947-1987; Lota de Macedo Soares, arquiteta, paisagista, RJ, 1910-1967; Lúcio Cardoso, escritor, MG-RJ, 1912-1968; Luiz Antônio Martinez Corrêa, Diretor Teatral, RJ, l987; Maria Úrsula de Abreu Lancastre, RJ, notabilizou-se com o nome de soldado Baltazar Couto Cardoso, RJ, 1682-1714; Mário Faustino dos Santos e Silva, poeta e crítico literário, RJ, 1930-1962; Mário Peixoto, diretor de cinema, imortal da ABL, RJ ,1908-1992; Ney Latorraca, ator, SP-RJ ,1944-2024; Octávio de Faria, escritor, RJ, 1908-1980; Olavo Bilac, escritor e patrono do exército, RJ, 1865-1918; Orlando Dias, cantor popular, BA-RJ, 1923-2001; Oswaldo Nunes, sambista, RJ, 1930-1991; Pascoal Carlos Magno, teatrólogo e embaixador, RJ, 1903-1984; Roberto Burle Marx, paisagista, tapeceiro e pintor, RJ, 1909-1994; Rogéria, “travesti da família brasileira”, RJ, 1943-2017; Silvinho, cabeleireiro, SP-RJ, 1945-1989: Visconde de Araguaia, Domingos Magalhães, diplomata e escritor, RJ,1811-1882; Walmir Ayala, escritor, RS-RJ, 1933-1981. Grande parte destes Vips lgbt têm jazigo perpétuo no Cemitério São João Batista, no Botafogo. Essa lista é apenas uma amostra que deverá ser atualizada e ampliada com novas pesquisas.>
Pleiteamos que Madame Satã tenha seu túmulo preservado, mas não seja o primeiro dessa lista, sendo identificado como transformista e marginal, “rebelde primitivo”, vítima da homotransfobia estrutural, jamais como herói e modelo de vida para a comunidade LGBT+. Identitarismo lgbt com dignidade e respeito à verdade histórica, sem lacração fake e demagogia irresponsável.>
Luiz Mott, professor titular de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB)>