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Por que a estratégia de guerra não funciona contra o crime organizado

A lógica de confronto amplia o caos, compromete investigações e põe civis e policiais em risco

  • Foto do(a) author(a) Rafson Ximenes
  • Rafson Ximenes

Publicado em 18 de novembro de 2025 às 05:00

Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro
Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro Crédito: Tomaz Silva /Agência Brasil

O principal motivo que leva alguns brasileiros a preferir viver no exterior é a possibilidade de caminhar tranquilamente, sem temer assaltos. Muitos de nós são obrigados a viver em locais controlados por criminosos, que criam regras e aplicam penas. Julgadores e acusadores passam a se confundir. A defesa, se houver, é apenas uma formalidade. Para um grupo criminoso, absolver um culpado é muito pior do que condenar um inocente. Os processos e as penas não encontram limites em leis ou tratados internacionais. Tudo o que satisfaz o desejo de vingança e, principalmente, passa um recado é válido.

Para garantir que todos possam viver tranquilamente, com todos os seus direitos respeitados, incluindo vida e inviolabilidade do lar, os países almejam garantir internamente a Segurança Pública. Trata-se de um direito fundamental e um dever do Estado, cujo objetivo é a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Em outras palavras, é a busca pela paz.

Uma situação na qual definitivamente não se encontra paz é a guerra. Guerra é um conflito armado entre Estados ou povos distintos. Nela, as partes em conflito se tratam como inimigas, o que justifica a flexibilização de regras básicas de respeito ao outro e tem como efeitos inevitáveis a desumanização e a produção de mortes. É tão cruel que nenhum mesmo um general ou governador pode declará-la. Apenas chefes de Estado têm esse poder e essa terrível responsabilidade.

Embora soldados se enfrentem no campo de batalha, não existe guerra entre exércitos, mas apenas entre povos distintos. Não é possível, portanto, uma guerra do Brasil contra o Comando Vermelho. Uma operação de guerra no Jacarezinho, ainda que com o objetivo de prender um líder do tráfico, será sempre uma operação de guerra contra todo o povo que vive no Jacarezinho. Resultará no aumento brutal da insegurança de quem pretensamente estaria sendo salvo.

Nem na guerra é tolerada a execução de alguém já rendido ou a adoção de métodos cruéis. Porém respeitando-se esses limites, nela e apenas nela, há vidas que valem menos do que as outras. Aceita-se a mortes de civis como efeitos colaterais. Todavia, a vida dos combatentes possui valor ainda menor. A perda dos próprios soldados pode fazer parte da estratégia, desde que leve a uma baixa mais relevante no inimigo.

Nas políticas que buscam segurança, todas as vidas importam. Nenhuma ação que resulta em morte pode ser celebrada. Operações devem ser planejadas com inteligência para atingir os seus objetivos, evitando ao máximo os confrontos. A estratégia deve manter os Policiais em posição de vantagem e proteção. Assim como um médico deve garantir a própria vida antes de prestar um atendimento, os policiais que executam uma prisão precisam estar resguardados.

Uma ação policial que resultou em mais de 100 mortes, incluindo a de 4 policiais, com indícios de execuções sumárias e decapitações é um fracasso absoluto. Quando a operação causa a interrupção de serviços, deixa a cidade no mais completo pânico e sequer realiza as prisões a que se propôs, há um exemplo óbvio de política desastrada de segurança pública, que sequer é digna do nome. O morticínio apenas reproduz o drama que deveria evitar. Após a matança, a ordem pública e a incolumidade das pessoas e patrimônios ficam piores. A discussão sobre o êxito somente faria sentido se o Brasil houvesse declarado guerra contra o próprio povo brasileiro.

É logicamente impossível enfrentar o crime e garantir a segurança pública com táticas de guerra. Contudo, é evidente que a violência urbana e a insegurança interessam muito a quem, de dentro do seu gabinete, promove a guerras e posa de xerife. Nenhuma política criminal de “guerra” jamais deu resultados, mas sempre rendeu muitos votos e muito dinheiro, às custas do sacrifício da vida de policiais e moradores.

A confusão que se faz entre segurança pública e guerra é o maior obstáculo para a redução da criminalidade, principalmente porque dá poder de decisão a quem mais lucra com o problema. Os mesmos governadores e parlamentares que celebram chacinas fazem de tudo para obstaculizar uma PEC que aumentaria a integração e coordenação nacional das forças policiais.

Diante de um projeto de lei referente a facções criminosas, os mais histriônicos políticos beligerantes decidem entrega-lo a um deputado que se orgulha de ter sido expulso do batalhão de polícia por excesso de letalidade, sob a justificativa de que ele seria um especialista. O “especialista” então corre para almoçar com um político condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e outro considerado o pai do orçamento secreto. Da reunião, nasce a proposta de que a melhor forma de combater o crime organizado é enfraquecer as investigações e até diminuir os recursos da Policia Federal.

A manobra acontece justamente quando a Polícia Federal, atuando com muita inteligência e pouca violência, começa a atingir o coração financeiro das principais organizações criminosas do país e a desvendar os crimes do orçamento secreto. É a nova versão da PEC da blindagem.

A cereja do bolo, porém, é o jogo que o especialista e os pretensos xerifes fazem com o conceito de terrorismo. Propõem classificar traficantes de drogas como terroristas, dizendo combater o crime, quando a única consequência real seria facilitar a invasão do país por uma potência estrangeira. É uma hipocrisia, mas não deixa de ser coerente. Aqueles que mais pregam violência não podem querer realmente a paz. Enquanto sabotam as políticas que poderiam trazer segurança, semeiam, literalmente, uma guerra contra o Brasil.

Rafson Ximenes é Defensor Público

Tags:

Polícia Violência Segurança