ARTIGO

Professores não precisam ter sempre razão

Educar tem mais a ver com ajudar o outro a brilhar do que colocar-se em destaqu

Publicado em 5 de maio de 2024 às 11:00

Nos últimos anos, tenho ouvido ou lido relatos sobre atritos entre estudantes e professores, especialmente no ambiente universitário. Segundo os professores, palavras mal interpretadas geram reação desproporcional. Segundo os estudantes, estão apenas se defendendo de violências que antes eram toleradas, ligadas à raça, gênero, sexualidade, classe, etc. Em alguns casos, o diálogo é substituído por gritos, acusações, ameaças, tentativas de banir a presença do outro. Quero refletir aqui sobre o momento anterior, antes do conflito. Sobre o modo como estamos dialogando cotidianamente nas salas de aula e se alguns ajustes podem nos ajudar a evitar tantos embates.

Nas últimas décadas, muitas coisas mudaram nas relações entre estudantes e professores, no modo como entendemos regras, autoridade e domínio do conhecimento. Acreditamos que, hoje, os adultos são mais compreensivos, democráticos, buscam dialogar. Os jovens frequentemente questionam os professores e defendem suas posições com ênfase, com base em suas experiências e informações que acessam por meios digitais, audiovisuais. Mas será que está tudo bem, que os professores encaram essas mudanças com tranquilidade? Será que todos aceitam com naturalidade ser questionados por pessoas mais jovens e sem diplomas?

Acredito que não. Para alguns professores (e pais), ainda hoje, não é fácil abdicar do papel de quem “sabe mais”, pois foram treinados para isso. Um papel árduo, mas também confortável, que nos dá autoridade, a condição de ser ouvido com devoção, obedecido sem contra-argumentação. Por isso alguns professores se sentem desautorizados, angustiados e até agredidos quando os seus argumentos são questionados. E, sem perceber, iniciam o conflito com os estudantes, com frases humilhantes como: “Você não entendeu o que eu disse”. “Não é este o assunto da aula”. “Não foi isso que o autor afirmou”.

Reconhecer a importância do trabalho docente é fundamental. Mas será que isso significa sacralizar as palavras dos professores? Será que educar continua sendo exibir conhecimentos diante de plateias juvenis silenciosas, como se fazia na Idade Média? Professores precisam ter sempre a “palavra final”? Se o objetivo da educação contemporânea é contribuir para o desenvolvimento dos estudantes, o foco precisa estar dirigido para eles. Ou seja, para a aprendizagem, a vida estudantil, as demandas e percepções dos estudantes, como propõe Alain Coulon. Para o desenvolvimento de habilidades comunicativas, para a criação de espaços de investigação, treinamento e expressão, como defendia Célestin Freinet.

Hoje, sabemos dos limites da aula expositiva, centrada na fala do professor. Por mais fundamentada que seja, pode entrar por um ouvido e sair por outro. A construção do conhecimento, por cada estudante, se dá no fazer, nas experimentações, na pesquisa, na escuta, na balbúrdia, na troca. É quando fala, escreve, quando se expressa, que o estudante elabora todos os estímulos e traz à tona o que sabe. É nesse momento que ele constrói o seu conhecimento, dizia Mario Kaplún.

Escolas e universidades deveriam nos preparar para a vida em sociedade, o mundo do trabalho, o exercício da cidadania. O que não se faz apenas com conteúdos, mas também com experiências que nos formem, transformem, afetem. Que tipo de cidadão seremos se não tivermos aprendido a ouvir e argumentar, a defender nossos pontos de vista? Como acreditar em justiça, deveres e direitos se nunca tivermos sentido a alegria de ver as nossas ideias serem respeitadas? Nesse sentido, é inevitável que os adultos mais próximos, como professores e pais, sejam as primeiras cobaias dos questionamentos das crianças e jovens.

Parece evidente que somente a experiência do diálogo autêntico pode funcionar. Aquele em que os dois lados estão efetivamente abertos um ao outro. Desse modo, dialogar será uma experiência formadora e transformadora, como propõe Jorge Larrosa. A escuta sincera exige tempo, paciência, receptividade, disponibilidade para mudar de ideia, incorporar o pensamento do outro, reconhecer equívocos, ampliar perspectivas, recomeçar. Portanto, nunca vai existir em ambientes com hostilidade e impaciência, vinda dos estudantes ou professores.

Também me parece parte fundamental do trabalho dos professores apoiar os estudantes nas suas tentativas de expressão, reconhecendo e aplaudindo cada pequeno avanço. Os professores não precisam ter sempre razão, porque educar tem mais a ver com ajudar o outro a brilhar do que colocar-se em destaque. Na perspectiva da aprendizagem, ao invés de desautorizar os questionamentos dos estudantes, faz mais sentido estimulá-los: “Muito importante essa sua afirmação”. “Vamos reler esse trecho do texto para comentar juntos”. “Podemos voltar a esse ponto na próxima aula”.

Alguns semestres atrás, durante uma aula, estávamos todos ouvindo e comentando as propostas de cada estudante a respeito de um trabalho a ser feito. Então, um jovem de 22 anos descreveu a sua ideia. Reagi com entusiasmo, puxei palmas. Sério, eles nos disse que aquela tinha sido a primeira vez em sua vida em que foi elogiado por uma professora. Como é possível que um estudante tenha aguardado 20 anos para ouvir um elogio docente? Parece chocante, mas talvez ainda sejam numerosos os momentos em que, preocupados em demonstrar o nosso domínio do conteúdo, estejamos esquecendo de escutar e aplaudir os nossos alunos.

A defesa do elogio não é gratuita. Como demonstram diversos estudos na área da Educação, a afetividade participa da aprendizagem. O modo como professores e estudantes interagem, os sentimentos negativos e positivos vivenciados em sala de aula, os incentivos ou ausência deles, favorecem ou dificultam a aprendizagem. Pois os estímulos docentes interferem na autoimagem do estudante e no modo como ele percebe a sua capacidade de aprender.

Tratar os estudantes com generosidade intelectual é também o caminho para ser tratado do mesmo jeito. Mesmo que tenham repertório e experiências mais amplas que os estudantes, é bom lembrar, professores também erram. Além de ter boas ideias e argumentos válidos, não é raro que estudantes possam identificar equívocos dos professores. Nesses momentos, alguns estudantes são impiedosos, como se buscassem se vingar de todos os seus professores pretensamente infalíveis.

O caminho da trégua nas salas de aula, parece-me, está em superar a competição, que ainda sobrevive na educação, seja entre os estudantes, seja entre estudantes e professores que, caso desejem, podem usar várias estratégias para punir e premiar. E também na instauração de um clima colaborativo, em que todos trabalham em uma mesma direção, a de construir e compartilhar conhecimentos. Sendo assim, todos precisam ter a sua vez de falar e escutar, professores e estudantes. Pois todos têm experiências, ideias e saberes que merecem ser expressados e respeitados.