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Leia coluna na íntegra

  • J
  • Jorge Cajazeira

Publicado em 17 de agosto de 2024 às 16:14

Na minha coluna mensal no Correio eu tenho abordado temas ligados à economia, administração e sustentabilidade. Hoje, talvez inspirado pelos Jogos Olímpicos vou mudar um pouco de tema. Não que a organização olímpica francesa mereça após aquela tediosa abertura. Mas para falar a verdade toda vez que escuto o hino nacional francês nas Olimpíadas eu me emociono. Afinal, é lindo demais escutar aquela multidão no estádio cantando uníssona “Marchons! Marchons!” (Marchemos! Marchemos!).

A canção foi composta em uma única noite em 1792 por Claude Joseph Rouget de Lisle em Estrasburgo, após a declaração de guerra da França contra a Áustria. O prefeito de Estrasburgo decidiu que as tropas francesas precisavam de uma canção de marcha apropriada, e Rouget de Lisle respondeu com essa canção inspiradora. A canção adquiriu grande popularidade durante a Revolução Francesa, especialmente entre as unidades do exército de Marselha, tanto que ficou conhecida como A Marselhesa. A letra da música é inspiradora:

Somos todos soldados para vos combater.

Se tombam os nossos jovens heróis

A terra de novo os produz

Contra vós, todos prontos a vos vencer!

O hino americano que nós até decoramos de tantas medalhas que eles ganham, também muito bonito. The Star-Spangled Banner (A Bandeira Estrelada) é o nome do hino dos Estados Unidos. Ele foi composto em 1814, pelo advogado e poeta norte-americano Francis Scott Key, e fala sobre Deus, guerras e o triunfo do país.

E este é nosso lema: "Em Deus está nossa confiança"

E a bandeira estrelada em triunfo tremula

Sobre a terra dos livres e lar dos valentes

Já o hino brasileiro é difícil de entender. Longo demais, rebuscado demais, palavroso demais, cheio de adjetivos que se perdem em elogios exagerados. Enormes redundâncias, em construções em ordem inversa, com ridículas prosopopeias. Será que a nossa medalhista de ouro, a judoca Bia Souza, entende como as margens plácidas do Ipiranga podem ouvir um brado retumbante? Aliás, não pode mesmo entender já que não faz sentido. Será que alguém já viu um céu risonho em nosso impávido colosso? Ademais, o hino é baseado em uma mentira. Como sabemos o tal “Grito de Ipiranga” ficou famoso graças ao pintor Pedro Américo, um dos grandes responsáveis pela imagem de heroísmo do acontecimento, sem base em fatos.

Autor da tela "Independência ou Morte", o pintor não era nem nascido em 1822. Tinha 43 anos quando, em 1886, foi contratado por membros da rica elite paulistana para ilustrar o episódio. A realidade foi bem diferente do pomposo quadro. Aos 24 anos, Dom Pedro não estava num cavalo usando traje nobre. Montava uma mula, com roupas de tropeiro, e lutava contra um terrível desarranjo intestinal. Sim, os registros históricos contam que o príncipe saiu do litoral paulista com distúrbios intestinais que o obrigavam a apear-se da montaria com frequência, para se aliviar no meio do mato durante o trajeto.

Na verdade, o tal brado do Ipiranga foi um evento sem pompa ou circunstância que, de imediato, não recebeu a importância que tem hoje. Segundo pesquisadores, o 7 de setembro só foi reconhecido como o marco da independência anos mais tarde. De início, era o 12 de outubro de 1822, data da aclamação do novo imperador que figurava como "dia do nascimento" do Brasil. Ademais, independente mesmo nós baianos sabemos que o Brasil ficou aqui na Bahia, em 2 de julho de 1823, com o sangue dos negros, caboclos e índios, que foram às armas em busca de liberdade. Aliás, aqui se diga, o Hino do Estado da Bahia que o meu amigo Cel. Sérgio da Natividade entoa em posição de sentido na Fonte Nova vendo o nosso Bahia jogar é muito mais bonito, registre-se: (...) nunca mais, nunca mais o despotismo/regerá, regerá nossas ações/com tiranos não combinam/brasileiros, brasileiros corações. Lindo, né!

O hino brasileiro é tão complexo que nós até esquecemos, e quase ninguém sabe, que ele possui uma introdução. Vocês sabiam disso? Ainda bem que tiraram, né!

(...)À sombra da lei,

À brisa gentil,

O lábaro erguer,

do belo Brasil!

Eia! Sus! Oh, sus!

Mas, convenhamos, não é só o hino nacional que possui essas extravagâncias sem sentido na letra da música. A MPB deve ter aprendido e o festival do nonsense impera na tão celebrada música popular brasileira. Mas sejamos justos. A MPB já gerou ao menos um gênio. O baiano, aliás juazeirense, João Gilberto foi capaz de influenciar o mundo com o seu toque de violão e harmonias absolutamente inovadoras. Até o Sinatra ficou de queixo caído. João Gilberto junto com o saxofonista Stan Getz criaram uma interpretação sonora de "Garota de Ipanema" absurdamente genial. Essa música tornou-se uma das canções mais conhecidas do jazz latino de todos os tempos. Getz e Gilberto, ganharam dois Grammy (Melhor Álbum e Melhor Single), superando os The Beatles, em A Hard Day's Night.

Por sorte nossa, João Gilberto não escrevia letras de músicas! Porque se escrevesse poderia ser confundido com o seu amigo Caetano Veloso, capaz de escrever algumas pérolas como a letra de sua canção Qualquer Coisa: “sou o seu bezerro gritando mamãe/Esse papo meu 'tá qualquer coisa e você 'tá pra lá de Teerã”. As bobagens não param por aí, pois poucos devem entender, na mesma música, versos como "Nem a sanha arranha o carro/ Nem o sarro arranha a Espanha". Quer mais? Que tal Força Estranha: A vida é amiga da arte / É a parte que o sol me ensinou / O sol que atravessa essa estrada que nunca passou”. Fala sério, né?

O amigo-irmão do Caetano é o imortal da Academia Brasileira de Letras, Gilberto Gil, autor de versos como:

Abacateiro, teu recolhimento é justamente o significado

Da palavra temporão

Enquanto o tempo não trouxer teu abacate

Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão

Gilberto Gil, o autor de Abacateiro, é um violonista virtuoso. Músico completo. Mas como letrista se torna um pouco confuso, eu diria. Nessa música o sábio abacateiro aquele que “ensina a fazenda renda” e ele Gil, em retribuição, “te ensino a namorar”. O namoro do abacateiro é explicado pelo próprio Gil como sendo “a reiteração do diálogo com a natureza”. Ah! Entendi tudo.

Além de dar aulas de sexo a abacateiros, Gil também posa de farmacêutico na sua música “A pílula de alho”, onde diz: a pílula de alho/da planta antibiótica/da velha medicina/que desenvolvimento/que lindo ensinamento/a pílula de alho ensina.

Gilberto Gil afirma na sua música “Palco” que sua alma cheira a talco, como bumbum de bebê. Espero que não esteja se referindo ao famoso talco da Johnson & Johnson. É que pó do talco Johnson continha asbestos, um mineral com características semelhantes ao amianto, tendo recebido 38 mil ações judiciais por desenvolvimento de câncer nos ovários das suas consumidoras. Em 2023, a J&J retirou o talco que deixava bundinhas de neném cheirosas do mercado e depois, segundo muitos, causava câncer.

Mas não são só os baianos que escrevem barbaridades consagradas na MPB. Senão vejamos: do paraibano Zé Ramalho: “disparo balas de canhão/é inútil, pois existe/um grão-vizir”. Agora vocês me expliquem o que tem a ver o grão-vizir, que era a mais alta autoridade do Império Otomano, mestre supremo na Sublime Porta do Palácio de Topkapi, em Istambul, com essas balas de canhão? Aliás, foram justamente balas de canhão que destruíram a superpotência otomana na Batalha de Lepanto, em 1571, vencida pelos Estados católicos. Agora vejamos a letra da música Relicário do Nando Reis “é uma índia com um colar/a tarde linda que não quer se pôr/dançam as ilhas sobre o mar/sua cartilha tem A de que cor?”.

Convenhamos, é um manifesto surrealista da canção aleatória, que não dizem nada, e nós que somos metidos a intelectuais achamos genial. Como achamos brilhante versos de uma obviedade gigante como “simplesmente as rosas não falam”, considerado pela crítica uma obra-prima do Cartola. Aliás, Cartola deve ter inspirado a música Haja Amor de Chocolate da Bahia e Luiz Caldas no verso “batuqueiro é batuqueiro, cantador é cantador”, ‘cê jura?

Eu até entendo que a arte não precisa ter conteúdo lógico, daí a poesia concreta, ou seja, o poema concreto comunica-se por meio de sua estrutura-conteúdo; ausência do lírico, de expressão subjetiva. Isso é uma coisa. Outra coisa são construções mal concebidas, mambembes, um jogo de palavras para forçar rimas mequetrefes para parecer inteligente.

Mas voltemos ao hino nacional. O hino brasileiro foi composto por Francisco Manuel da Silva em 1831. Mas só em 1922, ganhou uma letra oficial, de autoria de um poeta pouco expressivo chamado Joaquim Osório Duque Estrada. Ou seja, o hino ficou 91 anos sem ter uma letra. Era bem melhor assim. Foi o que fez a Espanha depois do fim da ditadura franquista: eliminou a letra do hino e manteve apenas a música. Hoje em dia, na seleção campeã europeia de 2024 craques como Dani Olmo se limitam a cantarolar: "lá-lalá-la". E cá para nós jogando muito mais bola do que Vini Jr e o nosso “sol da Liberdade em raios fúlgidos”.

E antes que eu me esqueça: TOCA RAUL!

Jorge Cajazeira, é Ph.D. pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP) e professor efetivo da UEFS.