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Publicado em 1 de julho de 2025 às 11:23
A secular tradição do acendimento do Fogo Simbólico na Igreja Matriz da cidade de Cachoeira representa a união das Vilas do Recôncavo, das populações ao longo da Baía de Todos-os-Santos e dos Sertões à época das Lutas da Independência do Brasil na Bahia, pois entre junho de 1822 a julho de 1823, durante o período de pouco mais de um ano, a então Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira se converteu no centro político da Província da Bahia coordenando as lutas contra o que foi considerado a ocupação de Salvador pelas tropas portuguesas comandadas pelo General Ignácio Luís Madeira de Mello. >
Em 26 de junho de 1822 no Salão do Hospital São de Deus foi constituída a Junta Interina e Conciliatória e de Defesa e no dia 6 de setembro de 1822 instalado o Conselho Interino do Governo da Província da Bahia, em Cachoeira. (Cerqueira, 2020, p.104).>
Como nos lembra Hendrik Kraay, em seu livro Política Racial, Estado e Forças Armadas na época da Independência da Bahia: “uma miscelânia de milícias do Recôncavo, corpos provisórios, e regimentos do Exército e da milícia reconstruídos de Salvador, em grande parte financiados e sustentados por senhores de engenho baianos, o Exército Pacificador cercou Salvador e subjugou pela fome as tropas portuguesas da cidade.” (Kraay, 2011, p.169-170). >
Mas não apenas do Recôncavo Baiano e dos senhores de engenho, pois graças ao trabalho de pesquisadores e pesquisadoras como Diego Copque, Felipe Brito, Tamires Costa, Heriberto Gregório dos Santos (Bel Saubara), Igor de Almeida, Jair Cardoso, Vanessa Orewá, Francisco Cancela, Sérgio Guerra, Manoel Passos entre muitos outros é cada vez evidente que o esforço de guerra mobilizou recursos materiais e humanos em diversos lugares da província baiana, reunindo populações pobres, indígenas e escravizadas; homens e mulheres que tomaram lugar nas fileiras no Exército Pacificador que iria libertar a capital do domínio lusitano em 1823.>
Portanto, acender a tocha que vai percorrer os municípios de Saubara, Santo Amaro, São Francisco do Conde, Candeias e Simões Filho; Mata de São João, Dias d’Ávila, Camaçari e Lauro de Freitas até chegar em Salvador na mesma igreja onde foi celebrado o Te Deum no 25 de junho de 1822 - marco da batalha de cachoeiranos e sanfelistas contra a canhoneira portuguesa - evidencia a liturgia cívica, na qual a missa que antecede o acendimento ocorre em homenagem aos mártires consagrados pelas memórias e tradições em torno da Independência do Brasil na Bahia.>
O 2 de Julho está intrinsecamente ligado ao interior do estado, é o gesto cívico de agradecimento aos que lutaram e libertaram Salvador, mas constitui também - como já bem demonstrado por Milton Moura, Vlamira Albuquerque e outros pesquisadores(as) - a expressão popular visível no desfile que tem o caboclo e a cabocla na centralidade dos festejos um convite instigante para refletir sobre os aspectos raciais, políticos, sociais e culturais que perpassam todos esses atos com suas nuances e pontos de inflexão; tensões e contradições próprios do “construir” das tradições, com seus mitos e heróis que sedimentam o que poder-se-ia denominar de identidade baiana ou mesmo uma certa expressão de baianidade.>
Fábio Batista Pereira é mestre em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, professor, músico e pesquisador. Tem investigado temas da História e Cultura do Brasil e da Bahia. @professorfabiobatista >