Você é capaz de trocar metade do tempo que perde lendo bobagens nos celulares pela leitura de livros?

Enquanto alegamos não ter tempo para ler, o Brasil é o segundo país do mundo em que as pessoas passam mais tempo em smartphones e computadores

Publicado em 18 de dezembro de 2023 às 05:00

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Artigo Crédito: Arte CORREIO

Não é possível que não estejamos alarmados. 84% das pessoas adultas brasileiras não adquiriram nenhum livro sequer em 2023. À primeira vista, alguém pode pensar que se trata de um problema apenas para as livrarias. Mas atinge gravemente todos nós. O fato trágico é que estamos perdendo o hábito de ler qualquer coisa útil, seja ficção ou não, literatura, ciência, filosofia ou notícia. Apesar de termos incomparavelmente mais informações disponíveis, estamos bovinamente nos tornando mais burros.

Enquanto alegamos não ter tempo para ler, o Brasil é o segundo país do mundo em que as pessoas passam mais tempo em smartphones e computadores. Simplesmente dedicamos 56% do tempo em que estamos acordados, mais de nove horas por dia, para essas telas. Estamos dramaticamente trocando o tempo e dinheiro que poderíamos investir na cultura e na educação por stories no Instagram, vídeos no TikTok e fake news no Whatsapp. O meme “Muito grande, vou esperar virar filme” é o triste retrato do nosso tempo.

Já em 2015, uma pesquisa assustadora realizada pela IBM apontava que, devido ao uso abusivo da nova tecnologia, em média os seres humanos tiveram reduzida a oito segundos a sua capacidade máxima de atenção, menor do que a de um peixinho dourado. Imagine qual seria o resultado daquele estudo hoje, oito anos depois. Pesquisas já apontam que o fenômeno também tem causado, entre outras coisas, déficit de aprendizado e memória, problemas de visão e postura, a destruição da interação social e até uma nova doença mental chamada nomofobia, o medo irracional de não estar com o celular.

Estamos doentes. A epidemia das redes sociais, que tem se mostrado muito mais nociva para a humanidade que o uso de qualquer outro entorpecente, como um todo. Esta afirmação não é figura de linguagem. Para compreendê-la basta contar o número de vítimas. Nenhuma substância ilícita, que motiva tantas políticas de guerra, tanto moralismo, tantas notícias sensacionalistas, foi capaz de causar danos a praticamente toda humanidade ao mesmo tempo.

A leitura de livros em meio digital melhoraria o quadro, mas nem sempre seria adequada. Existem ocasiões em que é necessário o meio físico, especialmente na educação. Está comprovado que o livro de papel traz mais benefícios para o aprendizado. A Suécia havia digitalizado suas escolas e está fazendo o caminho de volta. Eles concluíram que a digitalização piorou o desempenho na leitura, entre outras coisas, porque aumentava o tempo de tela e porque computadores são distração permanente. Precisamos voltar a ter concentração.

Em 1988, Antônio Cândido escreveu um artigo clássico chamado Direito à Literatura, no qual defendia o acesso aos livros de ficção como um direito humano fundamental. Argumentava que a literatura ampliava a nossa inteligência, não apenas pelo seu conteúdo, mas pela forma. A produção literária, seja poema ou prosa, tira as palavras do nada e as coloca em um todo articulado. No ato de leitura, ao nos deparar com essa organização somos obrigados a organizar também a nossa mente.

O crítico literário estava correto. Porém, neste ano que se encerra, nem 10% dos brasileiros entre 15 e 16 anos leu algum material com mais de 100 páginas. 66% não leu uma apostila sequer com pelo menos 10 páginas. Infelizmente, três décadas depois o sonho de Cândido parece uma utopia. Antes de lutar por um direito à arte, precisamos lutar pela volta do desejo e da capacidade básica de ler, ou, mais que isso, pelo retorno da capacidade de pensar. Porém, a boa notícia é que a solução está ao nosso alcance.

Nos aproximamos das festas de natal, das confraternizações de fim de ano, dos amigos secretos, das trocas de presentes. É uma boa oportunidade para dar um passo inicial contra essa marcha da insensatez. Em vez de presentear os parentes com tranqueiras que nem vão gostar, vá a uma livraria e entre no grupo dos brasileiros que compraram livros. Não podemos nos conformar em estar atrás dos peixinhos dourados. Proponho ainda uma boa resolução de ano novo: ser um exemplo para as crianças, dedicar à leitura de livros metade do tempo que hoje perdemos lendo bobagens nos celulares. Só metade. Seríamos capazes? Tenho esperança que sim. Feliz natal para todos!

Rafson Ximenes é defensor público

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