ESG

Com quantas pessoas com deficiência nós convivemos?

È a falta de empatia que faz com que a gente não queira saber de nada além do que atinge a nós, a nossa família e às nossas amizades

Publicado em 21 de janeiro de 2024 às 05:00

O ano é 2024: 24 depois do bug do milênio, 12 depois da profecia de que o mundo ia acabar. Pois não acabou, e aqui estamos, dormindo tarde e acordando caindo pelas tabelas porque tem prova do líder do Big Brother Brasil. Eu sei que gostar é uma palavra muito forte, mas mesmo quem torce o nariz pro reality show não devia se manter tão longe assim. Ali é um micromundo que, quando a gente espreme, sai o mais puro suco de Brasil.

Vinicius, atleta paraolímpico, se deparou com todo tipo de violência na primeira prova do líder. A primeira delas foi a própria prova, que começava com uma queda da pessoa participante numa piscina, antes de atravessar um rio de gosma. Poderia ter danificado a prótese que Vinicius usa, assim como poderia machucá-lo na queda. Depois o clássico dos clássicos: as piadinhas. Maycon, que já foi tarde, queria a todo custo um apelido para o colega, sem a prótese. Mas o que ele fez, ele não fez sozinho: os risos ao redor, um ou outro na galera do “deixa disso”. Ninguém efetivamente capaz de pará-lo, de criar o climão e explicar a razão da piada ser inconveniente (pra dizer o mínimo). Medo de chatear o rolé.

O assunto não é novo; é o de sempre: são as pessoas e suas diferenças, suas particularidades, o que torna cada uma do jeito que é. E a falta de empatia que faz com que a gente não queira saber de nada além do que atinge a nós, a nossa família e às nossas amizades. Se uma criança amada é diagnosticada com autismo, corremos para a internet, viramos ativistas da causa, queremos saber tudo. Pedimos que não soltem fogos de artifício, que reduzam as luzes. Quinze dias antes, éramos reis e rainhas do São João fora de época, assombrando cachorros de tanto fogos que soltávamos. Não pensávamos nisso. Agora pensamos. Porque a dor dói na gente.

O que a presença de Vinicius faz, no Big Brother Brasil 24, é tirar da invisibilidade nosso preconceito: pessoas com deficiência existem e precisam ser incluídas. Com quantas pessoas com deficiência nós convivemos? Quantos banheiros de PcD vivem trancados ou são depósito de material de limpeza? É seguro pra uma pessoa com deficiência andar pelas calçadas da cidade? E as vagas de estacionamento destinadas a ela? Você, que não tem deficiência, respeita, ou estaciona lá rapidinho, só pra não perder seu horário? E sua empresa? Contrata essas pessoas ou só cumpre a cota e espera receber os parabéns por isso?

“Ah, mas a gente fez a rampa. O banheiro. A vaga”. Desculpa, mas tudo muito pouco ainda. Tudo um mundo inteiro engatinhando pra aprender a incluir, e as pessoas ainda resistindo tanto. Fácil mesmo é colocar apelidos, fazer perguntas que não cabem, reclamar do espaço destinado às PcD. Difícil é mudar a postura e também a linguagem, essa que carrega tanto poder, e entender que essas pessoas não são deficientes, mas sim pessoas com deficiência, e que não se definem pelo que lhes falta. São definidas exatamente pelo que une todo mundo, que é ser pessoa. Na dúvida, lembre disso.

Deficiência não é piada, não é pra descontrair a roda de amizade quando ficar um silêncio estranho, nem nada que você possa fazer a outra pessoa exibir. Ofereça ajuda em vez de pegar sem autorização na cadeira de rodas de alguém, segure a porta, seja gentil. Se estiver num show (alô, povo que vai na Concha Acústica!), respeite o espaço reservado. Pergunte gentilmente em vez de deduzir: pessoas têm autonomia para dizer que sim ou que não. E tá tudo bem. A chave para o respeito tá no conhecimento: consumir conteúdo, conhecer ideias, saber como pensam pessoas com deficiência. Empatia a gente constrói assim, de pouquinho em pouquinho. É acabar de vez com as desculpas de que o assunto é novo, e aprender com gente incrível como Amanda Brito Orleans (@amandabritoba), e ouvir o podcast PCDPOD, de Pedro Henrique França e Benedita Casé. Todo dia é dia.

Mariana Paiva é escritora, jornalista, CEO da Ìyá Cultura e Gente e head de DE&I do RS Advogados