Copacabana decreta o fim do Estado brasileiro

Moradores  formam grupo para fazer justiça com as próprias mãos; atitude é criminosa, mas aponta descrença nas instituições

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  • Flavio Oliveira

Publicado em 9 de dezembro de 2023 às 16:00

Marcelo Rubim Benchimol foi vítima de assalto e agressão no tradicional bairro carioca Crédito: Henrique Coelho/g1 Rio

No domingo (3), o empresário Marcelo Rubim Benchimol, 67, foi espancado e assaltado em Copacabana, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, por um grupo de jovens criminosos. Poderia ser apenas mais um caso de violência. Mas não foi. Três dias depois, na quarta (6), na mesma Copacabana, o baleiro Matheus Almeida foi agredido por um garçom que trabalha em um dos restaurantes da região após ser confundido com um ladrão. Ainda com o rosto inchado e o olho roxo, deu entrevista à TV Globo: “Sou pai de família, trabalho honestamente. Sou trabalhador, todo mundo sabe. Olha como eu me visto, não sou mendigo, não sou cracudo. Eu sai lá de Santa Cruz, tenho uma filha, uma esposa e preciso levar alimentação para casa. Não preciso roubar nada de ninguém. Meu negócio é trabalhar”, declarou. Poderia ser apenas mais um caso de injustiça. Mas não foi.

Nas horas que separam as duas agressões contra o empresário e o baleiro, grupos de moradores de Copacabana se reuniram e, com jovens à frente, decretaram: “acabou”. E assim, se batizaram de justiceiros e criaram uma nova milícia, branca, de classe média alta, a pretexto de defender os moradores do bairro onde vivem. Eles saem à noite, vestidos de preto e rostos mascarados. E exibem imagens nas redes sociais de supostas agressões de supostos marginais.

Supostas agressões porque a polícia carioca diz que ainda está investigando. Supostos marginais porque não se sabe ao certo a identidade dessas vítimas, muito menos se foram julgadas pelas leis que regem o Brasil, incluindo o direito à defesa. Se estão armados? Não se sabe ao certo, mas já circularam vídeos de um desses jovens usando soco inglês e com a mão ensanguentada.

Copacabana é um dos mais tradicionais bairros do Rio de Janeiro, em alguma medida, seria como a Barra ou a Graça, em Salvador. Ali está a praia mais famosa do país, um cartão-postal mundial. É também o bairro com maior número de idosos da cidade. E agora, mesmo estando no asfalto e não no morro, no centro e não na periferia, na zona sul e não na zona norte, é palco para o nascimento de mais um estado paralelo que tanto fere a cidade dita maravilhosa.

A pretensa luta contra a ‘bandidagem’ está no nascimento das milícias, nos morros e periferias. Composta por policiais, ex-policiais e alguns moradores fortemente armados e devidamente treinados, esses grupos foram dominando territórios, expulsando traficantes e autores de delitos grandes, pequenos e supostos. Daí, passaram a cobrar de moradores e comerciantes uma ‘taxa de segurança’. Quem não pagava ou denunciava, acabava morto. No começo, eram aplaudidos. Fortemente armados, derrotaram quadrilhas de traficantes, passaram a exigir contrapartidas financeiras para prestadores de serviço, desde o entregador de água até o instalador de TV a cabo. Para pedir votos naquelas comunidades, partidos e políticos precisavam negociar, pagar, fechar acordos.

As autoridades, seja por medo, por conveniência ou corrupção, faziam vista grossas a esses grupos e suas bandidagens. Em resposta a todo esse movimento e ganho de poder, os traficantes foram buscar armas mais pesadas, cooptar cada vez mais jovens para seu exército. E declararam guerra às milícias. Muitas mortes depois, hoje, o Rio assiste o nascimento de um terceiro grupo, que está acima da rivalidade primeira, as chamadas narcomilícias.

Por trás da existência do Estado, há a ideia de que é o cidadão abre mão da força para aceitar seguir regras em troca de paz e proteção. O surgimento de milícias - onde que seja, tendo o objetivo que tiver - é a falência do estado alimentado pelo descrédito em suas instituições e na sua capacidade de garantir a paz social.

É a vitória da desesperança e da barbárie frente a princípios civilizatórios e mesmo éticos. Mas formar milícias ainda é crime a ser combatido e punido. Agredir e matar ainda é crime, pelo menos enquanto ainda houver Brasil (estado brasileiro). O estado, a civilização precisam se fazer presentes em todo o território do país. Do contrário, como prevê uma frase atribuída a Gandhi: “Olho por olho, dente por dente, a humanidade acabará cega e banguela”.

A Bahia já tem Comando Vermelho, já tem PCC e armas de grosso calibre, além de guerras entre facções, grupos de extermínio formados por policiais e deputado envolvido com milícia. Que não avance.

Meme da semana

null Crédito: Reproduçção internet

Não bastasse aumentar o ICMS duas vezes em menos de um ano, o governador Jerônimo Rodrigues continua atrás de novas fontes de arrecadação. Esta semana ele recebeu uma dica do colega Wilson Lima (AM), que foi cobrar royalties de Jeff Bezos por ter batizado sua loja de Amazon.

Não é não: bar e restaurante serão responsáveis pela segurança da mulher

Pressionada pelos movimentos feministas e inspirada pelas medidas que levaram o jogador Daniel Alves a ser preso na Espanha, a Câmara dos Deputados aprovou na quarta (6) o projeto de lei que cria um protocolo de combate e prevenção à violência contra mulher. O texto, que deve ser sancionado pelo presidente da República em poucos dias, traz regras que obrigatoriamente terão de ser cumpridas por casas noturnas, boates, espetáculos musicais em locais fechados, shows com venda de bebida alcoólica e competições esportivas.

O objetivo é evitar atos de violência (uso da força que resulte em lesão, morte, danos e outras previstas em lei) e de constrangimento (caracterizado pela insistência – física ou verbal – sofrida pela mulher depois de manifestar discordância com a interação) a mulheres.

O protocolo obriga os estabelecimentos a monitorarem possíveis situações de constrangimento e indícios de violência e exige que eles:

* assegurem que, no mínimo, uma pessoa da equipe esteja preparada para executar o protocolo;

* Colem cartazes, em locais visíveis, com informações sobre como acionar o protocolo e telefones de contato da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180);

* que funcionários devem se certificar de que a vítima saiba que tem direito à assistência nos casos em que for identificado possível constrangimento.

Quando houver indícios de violência, os estabelecimentos devem:

* proteger a mulher;

*adotar as medidas de apoio previstas;

*afastar a vítima do agressor, inclusive do seu alcance visual;

*garantir à mulher a escolha de seu acompanhante;

*colaborar para a identificação de possíveis testemunhas;

*solicitar o comparecimento da PM ou do agente público competente;

*isolar o local onde existam vestígios da violência, até a chegada da PM ou do agente público competente;

*garantir o acesso às imagens à Polícia Civil, à perícia oficial e aos diretamente envolvidos, preservar essas imagens por, no mínimo, 30 dias;

*garantir os direitos da denunciante.

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