Ler a própria realidade com outros olhos pode lhe custar caro

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  • Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2018 às 08:45

- Atualizado há um ano

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Até um tempo atrás, eu ainda era resistente em dizer que fui uma pessoa com pouco acesso à literatura inicial, aquela que todo mundo precisa quando está na fase de desenvolvimento das habilidades. Hoje, eu assumo que tive pouco acesso e fui direcionado para uma literatura eurocêntrica, mas de alguma forma a literatura esteve presente. 

O que me “salvou”, para que eu pudesse desenvolver o meu intelecto, foi o acesso à arte cênica na escola católica onde estudei o primário. A cultura mais sofisticada de Salvador eu só tive maior conhecimento quando comecei a frequentar o teatro Vila Velha pelo residente Bando de Teatro nos anos 90.

Ali conheci clássicos como Jorge Amado e João Ubaldo. Me apaixonei por Abdias do Nascimento e Nelson Rodrigues. Eu vivi a dramaturgia do meu grupo de teatro - o Bando, e me interessei pelo Balé Folclórico da Bahia.

As letras realmente proporcionam viagens longínquas ao passado, mas também te arremessam para um futuro incerto. Como artista é possível analisar o presente, cheio de tramas e pretensões, para entender esse futuro, essencialmente obscuro, cheio de incertezas e até mesmo recheado de saudades desse passado, com suas mazelas e consequências.

Numa viagem à Portugal, eu encontrei e morei por quase um ano com vários artistas africanos dos países de língua portuguesa e eles me mostraram outros autores, que, por consequências históricas, nunca tinham desembarcado no cais dos meus sonhos literários, como Mia Couto, Mena Abrantes, dentre outros.

Fiquei refletindo o que sentia quando meus olhos tocavam a alma daquelas histórias, tão parecidas com as minhas e da minha família. Só tive essa resposta anos depois, no Candomblé, que, para mim, além de ser sagrado, é absolutamente cênico.

Com tantas experiências tardias, mas necessárias, passei a ler o mundo de forma diferente e a imprimir em minhas interpretações teatrais o sumo destas experiências que me apareciam, a cada chuva, a cada luta, a cada pôr-do-sol, a cada pessoa que passava em minha vida, a cada fatia de assimilação da minha realidade.   Ler a própria realidade com outros olhos pode lhe custar caro se você realmente fizer com honestidade. No meu caso, li a consequência do período escravatório no Brasil, o abandono violento do meu pai à minha mãe e a morte programada dos amigos de infância absorvidos pela violência. Li a arte de Jorge Amado, a música do Ilê, a beleza do Curuzu, onde nasci, e a do Olodum, onde sempre me diverti. Também li a capoeira da Fazenda Coutos, bairro onde cresci, o samba duro junino do Engenho Velho e do Ogunjá e reli a política da Bahia.

Fiz uma leitura profunda do cargo de Mogbá De Xangô Aganju de Obarayí, mais conhecido como Balbino de Xangô e que me deu a Coroa, e do Xere no Ilê Axé Opô Aganju, para ser um dos membros desta família ancestral, honrada por Mãe Senhora, minha avó de Santo. Confesso que até hoje aprendo com os mais velhos da casa o real significado desse cargo de Mogbá.

Hoje me sinto mais à vontade para escrever sobre as minhas impressões e reflexões gerais porque fiz uma releitura do homem negro que sou, da minha responsabilidade e importância no cenário nacional e internacional.

Espero fazer vocês, caros leitores, voarem comigo nas linhas asas da interpretação que faço do maior fenômeno do universo, a vida