Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Publicado em 9 de agosto de 2025 às 05:00
A simplicidade e elegância foram traços característicos de Cândido da Costa e Silva. Aqueles que tiveram o privilégio de desfrutar de sua amizade – estudantes e pesquisadores – manifestaram sempre admiração e respeito por sua generosidade intelectual e por sua grande erudição. Fui um desses privilegiados. Em 1995 tornei-me seu orientando e no ano seguinte defendi a minha dissertação no Mestrado de História da Ufba. >
Construímos a partir dali uma relação de profunda admiração e troca intelectual da qual sempre fui, é claro, devedor. A respeito de nossa amizade, sempre pensei em como a vida pode tecer bordados surpreendentes, levando um jovem saído do Bom Conselho (Cícero Dantas) ao encontro de um professor nascido nas terras de Nossa Senhora do Patrocínio do Coité (Paripiranga). Éramos quase conterrâneos. A paróquia do Coité foi criada em território anteriormente pertencente àquela do Bom Conselho.>
Foi sobre o Coité que Cândido escreveu sua dissertação de mestrado, concluída em 1977, sob o título Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. Mais tarde, em 1982, tornou-se livro publicado pela editora Ática (uma segunda edição, pela editora Sagga, saiu em 2017). Que o leitor não se deixe enganar pela pequena extensão do volume. Trata-se de uma obra-prima. Além da profundidade do pensamento, erudição e rigor metodológico que caracterizavam seu trabalho de historiador, o texto revelava sua maestria no manejo da língua portuguesa, apresentando uma prosa elegante de estilo único entre os historiadores brasileiros.>
Em 1993, concluiu seu doutorado em História na USP. A tese virou livro publicado pela Edufba em 2000, Os segadores e a messe: o clero oitocentista na Bahia. Trata-se de mais uma grande contribuição de Cândido para o estudo da história da Igreja e do catolicismo na Bahia. Embora focado no século 19, há vários momentos em que o autor aborda períodos anteriores, a fim de melhor explicar as estruturas eclesiásticas e seus desenvolvimentos desde a criação do bispado da Bahia, no século 16. A obra destaca-se também por extensa e minuciosa pesquisa que permitiu apresentar dados biográficos sobre cada um dos cônegos da Sé da Bahia oitocentista.>
Cândido foi pesquisador e professor de talento superior. Além da Ufba, onde atuou entre 1976 e 1999, ele ensinou e prestou serviços de consultoria na UCSal, na Uefs e na Faculdade São Bento da Bahia. Em cada instituição, deixou a marca do seu trabalho sério e competente, reconhecido pelos seus pares e por todos os estudantes. Essas instituições saberão manter viva a memória de um dos seus mais brilhantes mestres.>
Seu interesse pela história religiosa ligava-se à sua formação em Teologia e à sua fé – sem, entretanto, confundir seu labor historiográfico com a sua crença. Foi seminarista entre 1954 e 1960, quando o seminário diocesano ficava no antigo convento de Santa Teresa, hoje Museu de Arte Sacra da Bahia. Certa feita, estávamos juntos no Museu quando atirou minha atenção para a imagem de Nossa Senhora das Mercês, na entrada lateral da igreja. Apontando para ela, disse-me, rindo: nos tempos do seminário, esta aqui era conhecida como Nossa Senhora do 7. Era aos pés dela que os seminaristas vinham fazer suas preces para conseguir aprovação – o sete – nos exames.>
Cândido foi ordenado sacerdote. Anos depois, deixaria o sacerdócio, mas sem jamais romper os seus laços com a Igreja. Casou-se com Conceição, companheira com quem conviveu por 48 anos, tendo dois filhos. Por uma dessas coincidências que marcam nossos roteiros de vida e de morte, ele foi sepultado no dia 4 de agosto, dia de São João Maria Vianney, também conhecido entre os católicos como dia do padre.>
Evergton Sales Souza é Professor Titular do Departamento de História da Ufba >