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Flavia Azevedo
Publicado em 3 de junho de 2025 às 11:35
Não, o recado NÃO é do estabelecimento que, até onde sei, não faz distinção racial de frequentadores. Também nunca vi conversa parecida entre as pessoas negras da minha convivência. Porém, um pessoal lá no “X” está incomodado com a presença de “brancos da Pituba” no samba que gosta de frequentar. É o fato. “Simplesmente horrível tomado por pitubers mta gente branca (sic)”, diz o post sobre o Clube do Samba e há bastante gente concordando nos comentários. Não, isso não se chama “racismo reverso” e, se você pensa assim, vá estudar. De todo modo, é uma inegável “tendência”, digamos, na Cidade da Bahia. Este está longe de ser o primeiro caso e é por isso que trago algumas questões sobre as quais convido você a pensar. Antes, porém, informo que este espaço está aberto caso os responsáveis pela casa de shows citada desejem se posicionar. >
Ao ler o post e os comentários, muitas interrogações surgiram em minha cabeça, sobre essa nova proposta de separação racial (alguém também reclama dos "heteros"), nos espaços coletivos de Salvador. Um combo de questões práticas e subjetivas - algumas sérias e outras divertidas - alugou o tal “triplex” em minha cabeça. Fiquei, inclusive, com pensamentos intrusivos. Porque veja, estamos em SALVADOR. BAHIA. BRASIL. Ou seja, o bug é inevitável e eu não vou bugar sozinha. Então, passo a dividir as perguntas que me fiz durante a manhã todinha. >
De acordo com os indignados, nesse samba só não podem ir os “pitubers” ou “brancos” de outros bairros também estão proibidos? Pessoas de que localidades são permitidas? Se o cidadão for negro e morar na Pituba tem passe livre? Em casais inter-raciais, só o cônjuge negro poderá frequentar o tal samba? Também gostaria de saber se a “determinação” de “brancos” não se aproximarem é só em relação a esse samba ou se aplica a outros eventos e demais manifestações culturais de raízes africanas na cidade.>
Por essa lógica, os restaurantes de comida africana devem ser frequentados apenas por negros? O consumo de acarajé pode continuar liberado para todas as pessoas ou deve ser restrito a pessoas negras? Ensaios do Olodum e da Timbalada já foram desgraçados pela presença de “pitubers” ou estão sobrevivendo a essa “invasão” que acontece há décadas? Na saída do Ilê Aiyê branco pode ir ou não? Turistas europeus podem consumir produtos e serviços vendidos, principalmente por pessoas negras, no Centro Histórico ou devem ser encaminhados diretamente à Pituba, pra almoçar no Djalma Drinks (que eu adoro, aliás)? Em um dos comentários, a pessoa disse que “acho que tá mais do que na hora da gente retomar o Clube do Samba” e também fico me perguntando como seria essa “retomada”.>
A “retomada” deve acontecer em que ambientes e de que modo? Passaremos a ter bancas de heteroidentificação nas portarias dos eventos de Salvador ou a autodeclaração será suficiente? Pardos serão permitidos ou só pretos mesmo? De que forma seriam compostas essas bancas? Quem for reprovado recorre na justiça? Eu, que sou mestiça, criada no Recôncavo, ainda posso dançar meu samba de roda em público ou é aconselhável parar? Nos anúncios de eventos estará escrito “só para negros” ou “só para brancos”, evitando que desavisados acabem em lugares onde estão proibidos de frequentar? E a capoeira, pessoal? Os mestres negros que estão na Europa e nos EUA, ensinando pros gringos, vão voltar pra cá? Extrapolando: consultórios médicos, escritórios de advocacia e estabelecimentos comerciais de pessoas negras poderão ser frequentados por brancos? Olhe, é pergunta que não acaba mais. >
Principalmente me pergunto sobre o Carnaval. Que eu amo e também não sei mais quem pode e quem não pode frequentar, atrás de que atração cada pessoa pode ir, quem vai tomar essas decisões e como resolver toda essa problemática sem incomodar a moça do “X” e suas amizades. Quando o Malê estiver na avenida, pessoas brancas devem tampar ou ouvidos ou apenas evitar dançar? O Baiana System está em que categoria? Quem poderá sair no Filhos de Gandhy, afinal? Mas vou deixar esse assunto pra mais tarde. Agora, penso no São João que tá chegando e, do mesmo modo, não sei o que será. >
Porque veja: o forró foi influenciado pelo xote, baião e arrasta-pé, ritmos europeus e danças de salão. Lá pelos 1950, o nome "forró" passou a ser usado para o ritmo e a dança que misturam elementos indígenas e brancos e foram popularizados por causa de Luiz Gonzaga, que era um homem negro. Quer dizer, ancestralidade mais brasileira não há. Acho que vou criar um perfil no “X” pra perguntar como resolver essa urgente e importante celeuma. Ou, então, apenas pedir que santos, orixás, caboclos, espíritos de luz e demais mistérios nos ajudem a resolver nossas questões raciais sem perder o pouco que nos resta de saúde mental. Não tá fácil, não.>
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