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Você já trocou seu psicólogo pela Inteligência Artificial?

Freud, o "pai da psicanálise", jamais imaginou que um dia os pacientes substituiriam o divã por algoritmos, mas qual é o preço dessa “tendência” mundial?

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 31 de maio de 2025 às 16:22

Freud criou a psicanálise
A psicanálise tá diferente Crédito: Shutterstock

O avanço da inteligência artificial, especialmente dos chatbots interativos, tem levado muita gente a buscar, nessas ferramentas, mais do que praticidade, alívio emocional. Agora, pessoas compartilham questões íntimas como se estivessem em terapia. A “solução” de conforto imediato traz questionamentos importantes sobre a natureza dessa interação e seus limites. O filme “Ela”, lançado em 2013, antecipou a tendência de tratar IA como se tivesse emoção ao apresentar a história de um escritor solitário que desenvolve uma relação íntima e complexa com um sistema operacional de voz. A história assustou, na época, justamente por expor a intrigante capacidade humana de projetar emoções, encontrar conforto e viver intimidades com “seres” digitais. Tempo passou, essa já é uma realidade corriqueira e a única certeza que tenho é a de que Freud, o pai da psicanálise, jamais imaginou que, um dia, os pacientes substituiriam o divã por algoritmos. Mas qual é o preço dessa “tendência” mundial?

É inegável a sedução da IA que aparece como um quebra-galho emocional 24/7, um "amigo" virtual, um “terapeuta” que não cobra consulta nem te faz esperar dois meses por um horário. Pra muita gente - principalmente pra quem não tem dinheiro ou mora longe de tudo - , o chatbot surge como solução “perfeita”. A promessa de botar os pensamentos em ordem, de dar um jeito nas emoções bagunçadas e até de simular umas técnicas de terapia – e tudo de graça! – é tentadora demais. Só que a cabeça da gente não é apenas um monte de dados pra um computador processar. O tratamento eficaz da saúde mental exige uma compreensão profunda da individualidade de cada pessoa, algo que algoritmos, por mais que sejam avançados, não sabem fazer. Pelo menos por enquanto. E outra: em processo terapêutico de verdade, o incômodo é essencial. Em fluxo oposto, a tendência dos chatbots é dar respostas simplificadas e evitar o confronto de padrões de pensamento disfuncionais que representam um risco específico. Por isso o conforto, por isso todo mundo acha “maravilhoso o que o Chatgpt falou”.

Terapia com gente tem vínculo humano. Esse vínculo - quando competente e bem conduzido -  te convida pra encarar seus fantasmas, pra desenterrar seus mortos e pra observar o que a gente não gosta na gente. É isso que nos faz avançar. Ao contrário da IA, em uma boa terapia humana, cada sessão é um percurso pela história única do paciente, suas experiências, seus padrões de pensamento e suas necessidades emocionais. Bons psicoterapeutas utilizam uma variedade de técnicas e abordagens, adaptando-se continuamente à medida que a relação terapêutica se desenvolve e a compreensão do paciente se aprofunda. Essa flexibilidade e capacidade de resposta individualizada são impossíveis para um sistema baseado em algoritmos predefinidos repetindo fórmulas para milhões de pessoas ao mesmo tempo. Spoiller: no filme "Ela", foi quando descobriu isso que o escritor solitário entendeu que continuava desacompanhado.

Outra coisa importante a se considerar é a proteção de dados e a privacidade ao compartilhar informações íntimas com a IA. Tá todo mundo ligado que aquele detalhe “secreto” – garantido pelo sigilo profissional de terapeutas sérios - pode vazar na “terapia” com inteligência artificial? Ferramentas que não foram regulamentadas para fins terapêuticos não podem aderir a padrões específicos de proteção de dados de saúde. Compartilhar vulnerabilidades e detalhes pessoais com esses sistemas acarreta o risco de que essas informações sejam armazenadas de forma insegura, acessadas por terceiros não autorizados ou utilizadas para treinar os modelos de IA sem o consentimento do usuário. Ou seja, a falsa sensação de intimidade e confidencialidade pode levar a uma exposição desprotegida de dados sensíveis, com possíveis consequências para a privacidade e a segurança dos indivíduos.

Num mundo cheio de picaretas, a reação dos “psis” ao avanço da IA na área da saúde mental traz uma última questão: a preocupação que manifestam os profissionais de psicologia seria motivada apenas por uma reserva de mercado, ou existe uma apreensão legítima em relação ao futuro dessa área? Claro que muitos profissionais estão questionando o impacto das novas tecnologias em seus campos de atuação, mas a cautela dos psicólogos parece transcender a defesa de postos de trabalho. A complexidade da mente humana, a sutileza da relação terapêutica e os riscos éticos e de privacidade são três pontos principais a se pensar. Apesar de tantas abordagens terapêuticas questionáveis praticadas por humanos, deixar tudo nas mãos dos algoritmos me parece um cenário sombrio e chego à seguinte conclusão: o cenário que já está péssimo – com coaches e “técnicas” de quinta categoria – não é tão ruim que não possa piorar. Crendeuspai.

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida