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Mulheres que não são mães precisam saber lidar com isso

Eu mesma já disse “deixa as mães de samambaia em paz”, em outros momentos, sem ter noção do que o tempo nos traria

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 29 de maio de 2025 às 21:28

Mãe de boneco
Mãe de boneco  Crédito: Shutterstock

Não entendo a surpresa. Desde que aceitamos ampliar tanto o conceito de “maternidade”, é de bom tom demonstrar empatia diante de casos reais como o da recepcionista que processou a empresa por negar licença maternidade depois que ela comprou uma boneca. É que “o mundo mudou”, não é mesmo? Lembro de que, há algum tempo, mães costumavam ser apenas mulheres que pariram ou adotaram filhotes humanos. Se, agora, “basta amar” para ser mãe (“de verdade”, muitas dizem), precisamos acolher essas mulheres e suas múltiplas “maternidades”. O que inclui, lógico, considerar a possibilidade da concessão desse tipo de benefício para quem compra ou adota pets, plantas, pedras e/ou, claro, bonecos. O que eu estou dizendo (com ironia, espero que você tenha entendido) é que a escolha é livre, mas consequências sempre chegam. Vamos tentar organizar os pensamentos?

Mulheres que têm filhos (adotados ou paridos) precisam lidar com as consequências dessa escolha ou “acidente”. Não há como deixar de ser mãe, percebe? Mesmo quando perdem os filhos, continuam sendo mães pelo resto da vida. Mesmo quando eles crescem e as abandonam, mesmo quando foram sequestrados. Em qualquer circunstância, ser mãe é algo irreversível. Essa é uma porta que, uma vez aberta, nunca mais se fecha. A não ser que enlouqueça e se esqueça de si mesma, uma mãe será sempre uma mãe e saberá – em espaços íntimos que só se inauguram com a maternidade – disso. Essa experiência é boa ou ruim? A resposta é pessoal, individual e intransferível.

Os prazeres e as dores desse percurso dependem de muitos fatores. Porém, todas as mães sabem que é gigante o que se vive. É uma revolução que coloca mulheres em outro lugar social, inclusive. Pro bem e pro mal. Nos desloca no mercado de trabalho, na família, na roda de amigos, nos relacionamentos amorosos, na vida sexual, no condomínio. Ser mãe muda poder aquisitivo e faz com que qualquer mulher vire outro personagem no sistema judiciário, precisamente nas Varas de Família. Mulheres que viram mães se transformam em outras mulheres porque são impactadas em todas as áreas da vida. Por tudo isso (e muito mais), em nenhum âmbito, dá pra fazer de conta que a mãe que um dia nasceu não existe. É um combo de consequências a serem, para sempre, assumidas.

Por outro lado, mulheres que não têm filhos (adotados ou paridos) precisam lidar apenas com uma consequência dessa escolha ou “acidente”: não dá pra ser mãe sem ser mãe. Não há como viver esse combo complexo e infinito. Isso é dor ou “livramento”? De novo, a resposta é pessoal, individual e intransferível. A única coisa indiscutível é que, a não ser que, em algum momento, passem a ter filhos, continuarão não sendo mães pelo resto da vida. Mulheres podem não desejar filhos não há qualquer problema nisso. Outras mulheres podem ter tentado, não conseguido e há várias maneiras saudáveis de lidar com a difícil frustração desse desejo. Muitas – e isso é cada vez mais comum – podem apenas não ter decidido a tempo ou nunca terem conseguido um momento propício. Mulheres não são mães por muitos motivos e elas não são melhores ou piores do que as que têm filhos. Só que são trajetórias diferentes e eu nem acredito que um óbvio desse tamanho precise ser dito. Mas é, acredite.

Mulheres que não são mães podem nem pensar no assunto de tão completamente resolvido. Mesmo assim, podem chamar plantas de “filhas” e dedicar a elas todo o carinho. Eu chamo minhas duas gatas de “netas” (porque foram adotadas pro meu filho), mas eu sei que é brincadeira. Podemos amar apaixonadamente patinhos, cãezinhos, gatos e isso é lindo. Algumas mulheres podem maternar animais, plantas e, agora, bonecos como uma substituição dos filhos que não puderam ter. Tudo bem. De algum modo, pode ser terapêutico e eu nem tenho nada com isso. Começa a ser da minha conta apenas quando muitas mulheres passam a exigir direitos de mães, como se fossem mães que nunca existiram. Porque, claro, o ser humano não anda muito equilibrado, conforme sabemos.

Eu mesma já disse “deixa as mães de samambaia em paz”, em outros momentos, sem ter noção do que o tempo nos traria. Nessa época, eu achava que todas elas sabiam que era “de mentirinha”, que só faziam questão da palavra “mãe” por brincadeira ou certa carência quase infantil. Ingênua fui eu porque a palavra nos constrói e eu já sabia. Por fim, chegamos a este momento no qual mães esperam por decisões judiciais que nunca chegam – inclusive para alimentar os filhos -, enquanto tem juiz de família ocupado com o julgamento de licença maternidade pra “mãe de boneco”. Isso é um escândalo gravíssimo. Mesmo que seja apenas um caso (no que não acredito) é das coisas mais patéticas que já aconteceram no judiciário brasileiro. Sim, chegamos a esse ponto porque , lá atrás, muita gente achou “mesquinho” e “egoísta” quando muitas mulheres disseram que “mãe de pet não existe”, "mãe de planta não é mãe" e outras verdades assim. Mea culpa, inclusive. A escalada aconteceu diante dos nossos olhos. Agora, o céu é o limite.

("Maternar" é um neologismo que significa "cuidar da forma materna", ou seja, exercer a função de mãe ou de cuidadora, demonstrando afeto, atenção e preocupação com o bem-estar de alguém. Pode ser usado no contexto de mães cuidando de seus filhos, mas também pode se referir a outros cuidadores ou até mesmo à pessoa que cuida de si mesma. Ou seja, nem todo mundo que materna é mãe.)

(“Mas eu sou mãe de pet e de gente, nada a ver isso daí”, você pode estar pensando. Não precisa dizer a ninguém, mas se faça a seguinte pergunta: por qual deles eu morreria? Se você for uma mãe funcional, a resposta é a mesma que a minha. Isso, por mais amor que eu já tenha sentido por bichos e tive muitos deles ao longo da vida.)

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida