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Flavia Azevedo
Publicado em 26 de maio de 2025 às 19:16
Por @flaviaazevedoalmeida>
Pra começar essa conversa, vamos combinar uma coisa: cachorros são bichos. Teddy – o cachorro impedido de viajar na cabine de um avião da TAP - é um cachorro, então ele é um bicho. Por mais lindo, cheiroso, esperto, adestrado, indispensável e amado que seja um cachorro, ele continuará sendo um bicho. Mesmo que um cachorro ocupe o topo da hierarquia na dinâmica de uma família, ele continuará sendo um cachorro e, portanto, um bicho, no caso, um “animal doméstico”. Dito isto, vamos usar honestidade e bom senso para entender o caso de Teddy, o labrador que está longe da família que se mudou para Portugal.>
A verdade é que, atualmente, não existe, neste país, uma lei única e abrangente que regule o transporte aéreo de animais domésticos, como cães e gatos, em voos nacionais. O transporte aéreo de animais domésticos é considerado um serviço facultativo oferecido pelas companhias aéreas. Isso quer dizer que as companhias aéreas podem optar por oferecer ou não este serviço, com base em suas próprias políticas comerciais e disponibilidade operacional. Uma vez que ofereçam o serviço, podem estabelecer as próprias regras e requisitos.>
O Regulamento de Animais Vivos da IATA (LAR) é considerado o padrão mundial para o transporte seguro e humano de animais vivos por companhias aéreas comerciais. Ou seja, é uma referência. É de bom tom, portanto, que as companhias aéreas brasileiras que optarem por transportar animais domésticos sigam essas diretrizes que abrangem os requisitos para contêineres de transporte, documentação, manuseio etc. >
(E seguem, ou pelo menos seguiram em minha experiência pessoal. A bem da verdade, informo que já viajei com animais no bagageiro de aviões, algumas vezes, e deu tudo 100% certo. Com conexões, inclusive. Mas eu conversei com pilotos, resgistrei tudo, mostrei fotos, me informei e cumpri à risca TODAS as recomendações das empresas aéreas e do veterinário que cuidava dos animais. Jamais passou por minha cabeça levar dois cachorros de médio porte na cabine, por mais fofos que fossem Sadú e Flor.)>
Sempre soube que, no Brasil, empresas aéreas são obrigadas a transportar animais em cabines apenas no caso de cães-guia, que têm legislação e regulamentação específicas. Esse “passe livre” se deve ao treinamento rigoroso pelo qual passam até serem capazes de ajudar a garantir acessibilidade para pessoas cegas. Os cães-guia devem ser castrados, isentos de agressividade e treinados para guiar pessoas com deficiência visual. Além disso, para que sejam autorizados a embarcar em cabines, precisam estar identificados e acompanhados de documentação que comprove o adestramento específico, além da necessidade do passageiro com o qual irá viajar.>
O cão Teddy, proibido de embarcar na cabine de um voo da TAP (do Rio para Portugal), que foi parar em todos os jornais, é um labrador que auxilia uma criança no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Apesar de aparecer amplamente citado na imprensa como um “cão de serviço”, há a possibilidade de considera-lo como um Animal de Assistência Emocional (ESAN). ESAN são cães, gatos e cavalos, por exemplo, que proporcionam conforto e auxiliam no controle de transtornos psiquiátricos de seus tutores. Esses bichos não são equiparados aos cães-guia para fins de obrigatória autorização de permanência com o passageiro nas cabines de voos nacionais e internacionais.>
Os tutores de Teddy, no entanto, fazem questão que o labrador viaje - do Brasil para Portugal - na cabine de um voo da TAP, ainda que não seja em companhia da criança que ele auxilia, porque a menina já está em Portugal. A família da criança não aceita embarcar o animal no compartimento de cargas, seguindo as regras e requisitos estabelecidos pela empresa aérea para o porte do animal. Isso, provavelmente, pelo medo causado por recentes incidentes trágicos envolvendo transporte de animais, com destaque para a morte de um golden retriever chamado Joca, devido a uma sequência de erros da Gol. Outras tragédias envolvendo animais de estimação também foram amplamente comentadas nos últimos tempos. >
Bem por isso, Lula usou uma gravata toda cheia de cachorrinhos, a sociedade se movimentou e, em abril passado, o Plenário do Senado aprovou o projeto (PL 13/2022) que começa a mudar um pouco as coisas, tornando obrigatório o transporte de cães e gatos em voos nacionais. Excelente! Só que as empresas – mesmo quando forem obrigadas a transportar – continuam podendo decidir se os animais serão levados na cabine (sob total responsabilidade dos tutores) ou no compartimento de cargas com monitoramento e melhores condições de acomodação. Por ter sido modificado no Senado, o projeto volta para a Câmara dos Deputados. Ou seja, essa história ainda vai rolar.>
A proposta de lei é chamada de “Lei Joca” e tem como foco principal a obrigatoriedade de condições adequadas e monitoramento contínuo de animais que viajam nos compartimentos de carga de aeronaves. Isso significa ajustes de temperatura e pressurização, além de uma separação do resto das bagagens. Perfeito! Também propõe a responsabilidade da companhia aérea pelos danos causados aos animais durante o transporte e, por outro lado, permite a recusa de transporte de animais que não estejam em boas condições de saúde ou quando as normas sanitárias não forem cumpridas. É o mínimo bom senso que esperamos: poder viajar com nossos animais em segurança. Mas tudo é em duas vias. Sendo assim, o que nós devemos esperar de nós? >
Bom senso também, não é mesmo, pessoal? Aquela imprescindível (e cada vez mais rara) capacidade de julgar e decidir com sabedoria e equilíbrio, levando em consideração as consequências de cada ação. Quais seriam as consequências de animais de todos os portes viajando em cabines de aviões, como tantas pessoas começam a exigir, em apelos emocionados nas redes sociais? Que raças serão autorizadas? Caixas para cães de médio porte vão caber nas poltronas apertadas? Os animais vão sem as caixas? O que acontece com as pessoas que têm pânico de animais? >
Os cachorros vão usar focinheiras? E os que não se adaptam? Serão reservadas as poltronas da frente? Mas e as pessoas que têm necessidades especiais? Todo tutor acha seu próprio animal "sensacional", mas as outras pessoas têm obrigação de achar? Pessoas que têm alergia a pelos, como vão ficar? Aeronaves devem ser adaptadas com cintos de segurança para animais? E se eu quiser viajar com meu pônei fofíssimo ou com minha vaquinha mansa na cabine? A empresa será obrigada a autorizar? Por que só pode cachorro e gato? Algum problema com outros animais? Percebem o que significa abrir esse precedente? Embarca Teddy no bagageiro, monitora e resolve o problema da criança que espera por ele em Portugal. No mais, vamos cuidar bem dos bichos, mas também do nosso discernimento e da nossa saúde mental.>