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“O teatro baiano não está na UTI”, garante diretor Fernando Guerreiro

Nesta entrevista, dirigente da Fundação Gregório de Mattos fala sobre crise no setor, indica saídas, aponta responsabilidades individuais, anuncia ações da FGM e exalta o teatro que lota plateias em produções atuais

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 23 de maio de 2025 às 12:34

Fernando Guerreiro
Fernando Guerreiro Crédito: @carladeelucena

Por @flaviaazevedoalmeida

Fernando Guerreiro é diretor teatral, gestor cultural e radialista. Já dirigiu mais de 60 espetáculos em mais de 40 anos de carreira, entre eles, retumbantes sucessos como “A Bofetada”,” Vixe Maria! Deus e o Diabo na Bahia”,” Os Cafajestes” e “De Um Tudo”. Atualmente, é colunista no CORREIO, comanda o programa “Revele” na rádio Metrópole e ocupa a presidência da Fundação Gregório de Mattos, órgão de Cultura da Prefeitura de Salvador. A instituição cuida de todas as artes, mas hoje o papo aqui tem um foco principal. Nesta entrevista, conversamos sobre o teatro baiano que, de acordo com Fernando, não anda tão mal quanto se diz. Ele reconhece a crise no setor, mas aponta saídas coletivas e responsabilidades individuais. Além disso, anuncia ações da Fundação e exalta o teatro que lota plateias em produções atuais.

Flavia Azevedo - Pra começar, gostaria que você falasse sobre sua chegada à presidência da Fundação, há 13 anos. 

Fernando Guerreiro - Olha, eu recusei esse papel algumas vezes. Surgiram convites em outras oportunidades, mas eu não estava preparado e não acreditava nos gestores que me convidaram. Quando surgiu o convite, em 2013, já foi a dupla (ACM) Neto e (Guilherme) Bellintani. Conversei com os dois e pensei assim: olha, vou ter trabalho. Meu medo era não conseguir fazer nada. Minha posição é bem diferente da maioria. Eu não queria entrar pra ficar encostado, recebendo o salário. Eu queria realizar.

Qual era o cenário na Fundação em 2013?

Era uma Fundação destroçada, esquecida pela cidade. As pessoas não lembravam que a política cultural da prefeitura existia. Era esse o desafio. Luiz Marfuz me disse uma coisa que ficou para sempre na minha cabeça: “no deserto, uma gota d´água é revolução”. Eu tive que, praticamente, partir do zero para ir trabalhando, reorganizando, criando uma política municipal de cultura. Antes, existiram boas gestões, sim. Mas não havia continuidade. Então, foi um processo gradual. Eu tive que exercitar absurdamente a minha paciência e a minha resiliência porque o serviço público exige essas duas coisas em altas doses.

Com que método?

Primeira jogada: não tirei a equipe, mas trouxe uma outra equipe muito competente. Veja que eu sempre fui um gestor. As pessoas falam: “Guerreiro, não tem nada a ver uma coisa com a outra”, mas tem sim! Qualquer espetáculo teatral é uma empresa que você tem que administrar por um determinado tempo. Qualquer produto audiovisual é a mesma coisa. Ou seja, a vida inteira eu fui gestor e a vida inteira eu fui produtor junto com os produtores. Então, eu procurei trazer uma equipe competente e dar poder a essa equipe, para que ela trabalhasse. Por exemplo, eu não gosto de burocracia e trouxe Silvia Russo, meu braço direito, uma profissional excepcional. Eu fui tentando trazer profissionais que não repetissem aquilo que eu sei fazer, mas que completassem. Aí, fui organizando essa equipe de parceiros impecáveis, pau pra toda obra. Então, fui incentivando e a gente foi trazendo projetos, remontando, reestruturando.

Que projetos foram remontados e o que foi estruturado nesse primeiro momento?

Eu refiz o Boca de Brasa, que não foi uma invenção minha, esse é um projeto da gestão de Mário Kertész. Esse projeto foi um sucesso, ele funciona super bem. O Sistema Municipal de Cultura foi totalmente implantado, hoje nós temos um conselho que já fez 100 reuniões, uma política cultural de editais toda estruturada, um serviço de informações que a gente tá organizando, Fundo de Cultura, Plano de Cultura aprovado pela Câmara, Lei de Patrimônio. Não existia Lei de Patrimônio na Prefeitura Municipal de Salvador, acredite se quiser. Uma cidade como Salvador, até 2014, não tinha Lei de Patrimônio. Já fizemos vários tombamentos, registros, tem um setor da Fundação que só cuida de patrimônio. Então, foi uma construção gradual.

Você disse que o serviço público exige altas doses de paciência resiliência. Então, já são 13 anos nesse exercício. O que lhe faz ficar?

Olha, eu ia ficar um ano. Acabou que o trabalho foi dando resultado. Tenho que falar do apoio que eu recebi e recebo dos gestores principais. ACM Neto sempre me apoiou, assim como Bruno Reis, senão eu já teria saído. E agora, com a chegada de Ana Paula (Ana Paula Matos, secretária municipal de Cultura e Turismo), é impressionante. Eu tava muito cansado, mas Ana é uma coisa impressionante. Eu digo sempre que ela é a futura prefeita da cidade. Porque a capacidade de trabalho dela e a honestidade dela, sempre me encantaram e agora que eu tô trabalhando de perto, é sensacional. Então, vem um gás novo outra vez. E o resultado é muito potente. Quando você vê uma política cultural sendo implementada e dando resultado, você fica motivado. Por mais que dê trabalho, por mais que tenha que lidar com burocracia, mas eu vejo resultados.

A Fundação Gregório de Mattos trata de todas as linguagens artísticas no município. Mas hoje a gente está aqui pra falar, principalmente, de teatro. Muitos artistas e produtores têm manifestado um grande descontentamento em relação ao setor. No âmbito municipal, o que a FGM tem a dizer para esses profissionais?

Olha, é interessante porque uma característica dessa gestão, desde o início, foi o diálogo. A gente tem um Conselho de Cultura com representação de teatro, que está na centésima reunião, na quinta formação. Eu sempre recebi os artistas aqui, toda a minha equipe dialoga o tempo todo. Eu entendo, é a minha categoria, é a minha geração que está reivindicando. Então, primeiro eu quero dizer que eu concordo, eu acho que esse movimento foi e está sendo importantíssimo.

Eu sempre recebi os artistas aqui, toda a minha equipe dialoga o tempo todo.

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

O movimento tem uma pauta ampla, mas uma das questões mais centrais é o leque atual de critérios nos editais e outros mecanismos de fomento, que são percebidos como excessivamente focados nos grupos minorizados. Qual é a sua leitura disso?

Durante um tempo, de uma forma importante, se trabalhou muito com a inclusão. Então, criaram vários indicadores nos editais, nos mecanismos de fomento, e que de alguma forma tentam reparar essa injustiça histórica, com determinados grupos da sociedade. Principalmente os pretos, né? E isso é muito importante, é vital. Mas, tem uma questão em paralelo que é a seguinte: os grupos mais tradicionais, quando vão concorrer, muitos acabam perdendo por conta das cotas. Isso é uma realidade. E, às vezes, são trabalhos de extrema qualidade. Acho que as cotas têm que acontecer, mas o que é que eu estou começando a fazer? A gente está lançando um “chamadão”, que é um edital só voltado para artes cênicas. Um instrumento de apoio com dois milhões de reais para serem distribuídos com projetos de até 250 mil. E, para esses projetos, qual vai ser o elemento principal? Tempo de carreira. Inclusive, eu estou começando a discutir internamente que o tempo de carreira passe a ser um item classificatório de todos os fomentos.

Estou começando a discutir internamente que o tempo de carreira passe a ser um item classificatório de todos os fomentos.

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

Seria, digamos, uma ação de reparação da política de reparação?

É, eu acho que a gente meio que misturou tudo. É importante a reserva de mercado para os pretos, indígenas e tudo mais, mas e os profissionais que estão ralando há 30, 40 anos? Eles são a história, eles fizeram tudo isso. Graças à geração de Harildo Deda eu estou aqui. E graças à minha geração, muitos profissionais estão aí. Então eu acho que é preciso ter uma atenção com isso. Eu sei que a gente tem apoiado, tem vários projetos de teatro que ganham editais aqui, tem o Viva Cultura que está patrocinando, só esse ano já foram 6 milhões de isenção fiscal e tem projetos de teatro envolvidos. O bando Teatro Olodum não para de ganhar edital, está conseguindo merecidamente. Mas tem um segmento que não está conseguindo apoio suficiente, tanto artistas individualmente como grupos e espaços culturais. Então, eu diria que esse projeto que eu estou fazendo é o início de um apoio muito maior.

É importante a reserva de mercado para os pretos, indígenas e tudo mais, mas e os profissionais que estão ralando há 30, 40 anos?

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

Há outros projetos nesse sentido de incluir quem está, neste momento, com acesso mais difícil aos recursos?

Além desse edital, no segundo semestre eu vou lançar o apoio, digamos assim, um projeto que a gente vai nominar ainda, “grandes mestres”, para bancar espetáculos de diretores com uma grande trajetória na cidade. O primeiro vai ser Deolindo Checcucci, que vai remontar a Boca do Inferno, que é um clássico. Então a ideia é dar apoio e que também a equipe seja formada por pessoas que têm uma trajetória. Isso é muito importante, porque a gente precisa preservar essa memória e respeitar quem construiu tudo isso.

Relembre grandes sucessos de Fernando Guerreiro

Os Cafajestes por Acervo Pessoal

Artistas e produtores de teatro também falam sobre os altos valores das pautas – inclusive em espaços públicos – como um complicador para as montagens.

Eu não estou cobrando pauta nos espaços, nos teatros. É tudo custo zero.

Quais são os espaços sob a sua gestão?

A gente hoje tem o Teatro Gregório de Mattos e Espaço Cultural da Barroquinha. E aqui duas salas, que a gente usa como Espaço Boca de Brasa, mas que atende o movimento cultural.

Outra queixa é a questão do público. Os profissionais do teatro têm dito que as temporadas são muito curtas, que não se consegue divulgar, que não há mais uma agenda cultural na cidade, que o teatro não está na mídia, e que aquele grande público que lotava todas as produções lá no fim dos anos 90, início dos anos 2000, sumiu. Onde está esse público?

Essa é uma questão muito polêmica, que envolve vários fatores. Eu tenho uma teoria que, primeiro, o produto tem que interessar, tem que se comunicar com a plateia, porque é claro que você tem que ter comunicação, você tem que ter todo um aparato e tudo mais, mas quando a coisa é muito bem falada, quando estoura, pega. Todos os grandes sucessos do teatro baiano “pegaram”. A gente fez A Bofetada na época com 10 mil e virou o que virou. Não estou dizendo que se deve fazer espetáculo sem dinheiro, mas estou dizendo que interessar é um ponto fundamental. Torto Arado estourou. Abria a bilheteria com R$120 o ingresso e esgotava em uma hora. Compadre de Ogum lotava o tempo todo. Tem Los Catedrásticos entupido. O Bando Teatro Olodum volta com o Cabaré da Raça e lota. Interessar ao público é fundamental.

E qual é o papel da distribuição nisso?

Nós não temos uma política de distribuição eficiente. Hoje, o audiovisual todo se queixa e os produtos estão ficando na gaveta. Então, esse é outro grande defeito. Esse edital que eu estou fazendo agora, o “chamadão”, tem a possibilidade de você remontar e voltar a cartaz com peças.

Mas muitos espaços fecharam, falta espaço físico também, né?

Sim! Você não ter um teatro em shopping, em Salvador, é inacreditável! Então, eu me comprometi com a classe agora. Vou tentar fazer uma movimentação para ver se eu consigo que os shoppings se sensibilizem. Inclusive, hoje, os shoppings precisam disso, compra online e está estourada. Os shoppings têm que viver de serviço. E tem o dado também das políticas públicas. Políticas públicas que incentivem o prolongamento de temporadas.

Muitas pessoas que já viveram muito bem de teatro - então, em tese, têm a fórmula - agora explicitam uma situação financeira complicada, até de penúria mesmo. Como isso chega até você?

Primeiro, eu queria dizer que todas essas pessoas são colegas. Hoje, essas pessoas que estão comandando o movimento são pessoas com quem eu trabalhei a vida inteira. É a minha geração. Então, para mim, primeiro, é uma dor enorme acompanhar essa dificuldade que muitos profissionais estão tendo de se manter da sua arte. Eu acho que realmente é uma reivindicação justa. A gente está falando de profissionais que têm uma trajetória importantíssima no teatro na Bahia. Ao mesmo tempo, a gente tem que falar de uma coisa chamada gestão de carreira. O ser artista exige habilidades muito específicas, ainda mais num mercado instável como é o mercado de Salvador. Então, é um outro lado da moeda, que é como você administra uma carreira. E aí vem, desde relações pessoais até pensar em como é que você administra projetos e que projetos você está pensando em fazer. Esse é um problema gravíssimo que está afetando meus colegas, mas eu não posso deixar de chamar a atenção para o elemento "gestão de carreira".

Não posso deixar de chamar a atenção para o elemento 'gestão de carreira'.

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

Vários elementos, então. Mas eu gostaria de falar mais um pouco sobre o que vou chamar agora de “crise criativa”. Como saber o que vai interessar ao público?

Vou dizer uma coisa para você: eu, como encenador hoje, digo: “vou voltar para o teatro para fazer o que?”. Eu estou apavorado! O mundo está mudando muito rápido. O que eu achava que interessava há três anos pode não interessar mais. É um desafio! Como fazer com que essas pessoas se interessem? Não é brincadeira. Muita coisa mudou. Uma coisa que faria sucesso há dez anos, pode não fazer mais. Então, eu fico sempre me perguntando. Por exemplo, uma coisa que eu falo sempre: precisamos ter um grande musical que reflita a realidade da periferia da cidade. Os grandes movimentos culturais de Salvador começaram na periferia. Eu estou vendo isso com Boca de Brasa, porque é um caldeirão. Mas cadê esse espetáculo? Cadê esses grandes produtos, como o Cuida Bem de Mim, que bateu ali na veia da cidade? Que projetos estão acontecendo que dialogam?

Eu, como encenador hoje, digo: 'vou voltar para o teatro para fazer o que?'

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

A política cultural do Estado da Bahia tem sido especialmente criticada, mais do que a municipal e federal. Como é o diálogo do município com essas duas esferas?

De qualquer maneira o TCA (Teatro Castro Alves) está sendo reformado e vai ser entregue. Eu acho que tem políticas que estão funcionando. Então, eu acho que a gente não pode dizer “terra arrasada” ou “tá tudo uma droga”, nada disso. Eu acho que se dialogasse seria muito melhor, porque às vezes tem sombreamento, fazemos os editais para o mesmo público, fazemos políticas iguais. Às vezes, experiências minhas podem ser ótimas para eles, experiências deles podem ser ótimas para mim, para a questão como um todo. Eu gostaria que a gente dialogasse muito mais. Eu acho que falta esse diálogo constante. O meu diálogo com o Governo Federal é fluido. Margareth (Menezes, Ministra da Cultura) me surpreendeu muito positivamente como gestora. Acho que Maria Marighella (Diretora da Funarte) está fazendo o que pode também. Nunca tive nenhum problema de retaliação de nada. Eu acho que se pudesse fazer um Pacto Federativo e uma construção coletiva que os próprios artistas podem puxar, eu estaria aberto para discutir. Ana Paula – que é excelente de conversa e uma senhora gestora - tenho certeza de também estaria colada nesse movimento.

Se pudesse fazer um Pacto Federativo e uma construção coletiva que os próprios artistas podem puxar, eu estaria aberto para discutir.

Fernando Guerreiro

Diretor da FGM

Pra salvar o teatro baiano?

Eu quero dizer uma coisa muito importante: o teatro baiano não está na UTI. Existem problemas sim, está numa fase ruim sim, mas está longe de ser um teatro morto. Muita coisa boa está sendo produzida, muita coisa está tendo público, existem diretores novos que estão conseguindo fazer um trabalho muito bom. Muita coisa está interessando sim. Mas também muita coisa não está interessando. É preciso que a gente entenda. Eu, Fernando Guerreiro, enquanto gestor, e toda a equipe da Fundação, continuamos empenhados, assim como a secretária Ana Paula. Estamos juntos no sentido de ouvir e tentar atender o que for possível, e eu continuo aberto e disponível para o Pacto Federativo. Temos que trabalhar juntos - Estado, Prefeitura e Governo Federal - para tentar solucionar conjuntamente questões que envolvem as artes e a cultura de um modo geral. O teatro precisa desse suporte e vamos dar. Agora, é importante que esse suporte não venha trazendo uma onda negativa para o público. Temos que reforçar que as coisas estão acontecendo. Com dificuldades, aos trancos e barrancos, mas o teatro continua revelando grandes artistas e trazendo plateias.