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Caso Léo Lins: a piada só sai do roteiro quando ninguém mais ri.

Se um cara que se intitula "o rei do humor negro" faz algum sucesso neste país, é porque encontra gramática propícia neste país

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  • Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2023 às 08:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Se você vem de um ambiente muito diferente do meu, pode achar que tô inventando o que vou dizer. Há muitos anos, desde quando eu nem me lembro, no meu círculo de amigos íntimos, não existem piadas de “conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”. 

De novo, a depender do seu ambiente, você pode achar isso esquisito. Talvez, até, chato. É possível que pense que nos falta humor, então. O que eu posso lhe dizer é que lamento. Por você. Também que a gente ri muito, até doer a barriga. De nós mesmos, de chistes, de gozações engraçadíssimas sobre nós e nossos jeitos. A gente fala muita merda, acredite.

A gaiatice é abundante e sem limites estabelecidos. Mas não, não ocorre "conteúdo depreciativo ou humilhante" sobre qualquer categoria "considerada como minoria ou vulnerável". Acho que ninguém nem lembra que esse tipo de "humor" existe. Um negócio empoeirado, chato, antigo que não tem graça nenhuma.

Veja, também trocamos vídeos engraçados e mandamos piadas por whatsapp, mas eu realmente não lembro de receber, dos meus amigos, "conteúdo depreciativo e humilhante" sobre grupos minoritários e vulneráveis. A gente troca aquelas pegadinhas do "perigo invisível", os vídeos dos macaquinhos dublados e outras bestagens desse tipo. E quer saber de uma? A gente nunca combinou isso. Não me lembro de nenhuma conversa sobre que tipo de humor é admissível. 

Também não me recordo de ter feito qualquer esforço "politicamente correto" pra não rir. Pelo contrário, já me vi foi tentando - sem sucesso - me divertir em show de Renato Piaba, lá no século passado. Mesma coisa diante desses programas de tevê que têm "o viado", "a gostosa", "a mulher feia", "a velha", com aquelas risadas eletrônicas marcando a graça que pra mim, nunca vem. Acho aquilo de uma pobreza sem fim. Ruim mesmo. Sem graça. Baixo astral. Cafonérrimo.

Gosto pessoal? Não. O humor que nos diverte diz, sobre nós, bem mais do que isso. Alguém que faz piada racista é racista. Não tem jeito. Ou a piada não lhe ocorreria. Alguém que faz piada misógina está, evidentemente, explicitando a própria misoginia. Uma piada ofensiva a crianças traz o desprezo sobre esse grupo específico. Quem ri vai pelo mesmíssimo caminho porque apenas dentro de uma  gramática em comum, é viável esse riso. É no mesmo imaginário que "piadista" e "público" encontram. Em shows, vídeos ou no amadorismo do "tio do pavê", em encontros de família.

As piadas no meu grupo de amigos não trazem "conteúdo depreciativo e humilhante" sobre grupos minoritários e vulneráveis porque eu não me relaciono intimamente com homofóbicos, racistas, misóginos e afins. Porque eu não os atraio, felizmente. E porque expulso os que chegam, desavisados, à minha vida. Alguém que conte uma piada desse tipo, no meio dos meus amigos, vai passar vergonha, apenas. Vai ganhar silêncio, em vez de risos e ainda corre o risco do "não entendi" que adoro usar nesses momentos. Já tentou? Os resultados são incríveis.

Então, se um cara que se intitula "o rei do humor negro" faz algum sucesso neste país, é porque encontra gramática propícia neste país. Ele é, portanto, só mais um dos tantos sintomas do nosso adoecimento e burrice. Da miséria simbólica em que vivemos. Léo Lins é a febre e não a meningite, por exemplo. É importante observar a febre, controlar a febre, mas não podemos ignorar o fato de que a febre é um dos sinais da doença e não a doença em si. Se o médico cuida apenas da febre, se apenas dá antitérmicos, se não investiga o motivo da febre, o paciente pode até morrer.

Tá bom, Ministério Público. Ótima intervenção tirar aquilo do ar. Porchat, esse menino, que cagada defender o cara, hein? Mas nada disso importa tanto, em minha opinião. Precisamos cuidar do que somos, não só de como nos expressamos. Tira um Léo Lins, aparecem oitenta. Estão todos aí, produzidos em série por nossa mendicância intelectual. Tá todo mundo rindo de bosta porque tá todo mundo sendo bosta. É o público que precisa melhorar. Somos nós. Aí acaba esse "humor" do jeito certo. Pelo silêncio, pelo vazio. De outro jeito, não resolve. Todo diretor, todo ator sabe: a piada só sai do roteiro quando ninguém mais ri.