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Condenado por violência doméstica diz que falta homem no mercado

Há animais ameaçados de extinção, porém, entre eles, não estão indivíduos humanos do gênero masculino

Publicado em 6 de julho de 2024 às 11:00

Na última quarta-feira (3), a 12ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná discutia a possibilidade de concessão de medida protetiva a uma garota de 12 anos. Era esse o pedido da defesa da menina e do Ministério Público. Do outro lado - como você já deduziu, mesmo que não tenha conhecimento do caso - estava um homem. Claro, lógico, evidente. Pois bem.

A história é a de sempre: o vivente do gênero masculino era professor da adolescente e, acomodado nesse lugar de poder, passou a assediar a aluna. Assim, como se fosse normal, pediu o contato da menina e começou a ‘gracinha’ de mandar mensagens ‘elogiosas’. Além disso, ainda de acordo com a vítima, o homem a olhava com lascívia e ‘piscava’ pra ela. Tô dizendo que não tem novidade?

Se você é uma mulher, tenho certeza de que já está transportada para esse lugar no qual, provavelmente, todas nós estivemos um dia. Se não foi o professor, foi o instrutor da academia, o médico, o parente mais velho, o ‘tio’ de consideração, o caseiro, o pedreiro da obra, o porteiro, o pai, o padrasto, enfim, pelo menos um homem perturbou a sua adolescência e você lembra como se sentiu. Então, com esse sentimento que conhecemos bem, a aluna passou a não querer ir às aulas, claro. Já que não podia faltar, continuou frequentando a escola, mas ficava trancada no banheiro para evitar a presença do assediador. Eu também ficaria.

O homem foi denunciado. Como acontece bastante, acabou sendo absolvido em processo administrativo. O caso segue para o judiciário e, como é cada vez mais comum no Brasil, um dos magistrados que estavam no julgamento da medida protetiva usou o cargo pra praticar o absurdo. Dizendo o quê? Em outras palavras, que eu, você, sua mãe, sua filha e a menina devemos é agradecer quando coisas assim nos acontecem. Exatamente isso aí.

De acordo com o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Luís César de Paula Espíndola, um idoso de 69 anos, a garota não tem o direito de evitar a presença do professor assediador. O motivo é ‘simples’ e vai transcrito: “quem está correndo atrás dos homens são as mulheres. Não tem no mercado, né? A mulherada está louca para levar um elogio, uma piscada, uma cantada respeitosa. Vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro. A paquera é uma conduta que sempre existiu, sadia”. Fecho aspas pensando que ‘ô inferno pra ter cão’.

Detalhe é que, veja só, o senhor que afirma estar faltando homem já foi condenado, pelo Superior Tribunal de Justiça, à prisão, por violência doméstica. No caso desse ‘raríssimo exemplar’ do gênero que anda ‘em falta’, as vítimas foram a irmã e a mãe dele. Claro que o desembargador não chegou a ser preso porque a Corte substituiu a pena por prestação de serviços à comunidade. Sim, e como você pode perceber, ele não perdeu o cargo. Tá aí, julgando medidas protetivas contra homens que cometem violência contra mulheres. Pois é.

Ao desembargador falta dignidade, honestidade, competência, idoneidade e, também, certo conhecimento de biologia. Há animais ameaçados de extinção, sabemos. Porém, entre eles, não estão indivíduos humanos do gênero masculino. No Brasil, por exemplo, correm risco de desaparecer o mico-leão-dourado, a onça pintada, o boto-cor-de-rosa, o lobo-guará, o tubarão-martelo, o pica-pau-amarelo e a famosa arara-azul, entre tantos outros. No entanto, o cara que sempre aparece pra dizer como mulheres devem estacionar os carros, por exemplo, está em cada esquina.

Também abundam em nossa fauna urbana os exemplares que repetem “bom dia linda, boa tarde linda, boa noite linda” em nossas caixas de mensagens por meses a fio, mesmo que a gente não responda nunca. Muito comuns também são aqueles que se reproduzem e abandonam as crias. Tão frequentes quanto ratos nos esgotos são os ‘histéricos’ que esmurram paredes a cada contrariedade, os que gritam por qualquer bobagem e ainda os que matam mulheres quando elas terminam os relacionamentos. Vixe, tem demais.

Homem que não sabe cozinhar é o que mais tem. Que não consegue fazer uma lista de mercado, nem molhar uma planta, nem varrer um chão? Tá assim, ó! Do tipo que diz que é hétero mas não faz ideia de por onde começar a agradar uma periquita - desculpe, mas tem muito também. Do mesmo jeito que sobram humanos do gênero masculino que assediam e estupram humanos do gênero feminino em qualquer idade, inclusive meninas de 12 anos. Ah, e nunca faltou o tipo de homem que defende os que assediam e estupram. Estes, circulam em todas as rodas e são comuníssimos.

O desembargador deveria ser atualizado de que tem homem sobrando no mercado, essa é a verdade. Muitos (muitos!) deles reclamando de solidão porque “mulher é tudo interesseira, não quer mais nada sério, pipipi popopó”. Basta pesquisar um pouquinho que você vai ouvir essa ladainha. Tanto que tem até o movimento dos que não transam porque não conseguem mulher pra transar e transformaram isso em ‘estilo de vida’. Eu ri, quando soube. Mas é seríssimo.

Sim, sei que há pessoas do gênero masculino interessantíssimas. Conheço várias. Porém, a cada dia mais, reconheço essa característica como resultante de esforço do indivíduo. Coletivamente são, no mínimo, disfuncionais. O ambiente onde homens nascem e crescem segue produzindo aberrações de diversos níveis que, inclusive, inspiram a prática feminina do 'antes só do que mal acompanhada'. Algumas dessas aberrações, até, viram desembargadores e negam medidas protetivas para mulheres - vítimas de homens - nas entranhas do nosso Sistema Judiciário.

(Resultado: a menina conseguiu a medida porque nem todo mundo tava surtado na sessão.)

Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo